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Antonio Cícero, escritor e membro da ABL, morre de forma assistida na Suíça

Aos 79 anos e com diagnóstico de Alzheimer, ele deixou uma carta de despedida

 (Marcelo Borgongino)

(Marcelo Borgongino)

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Publicado em 23 de outubro de 2024 às 11h09.

Última atualização em 23 de outubro de 2024 às 12h08.

O escritor e compositor Antonio Cícero morreu nesta quarta-feira, 23, aos 79 anos. A informação foi confirmada pela Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual ele fazia parte desde 2017 e ocupava a cadeira 27.

Diagnosticado com Alzheimer há anos, ele, que é irmão da cantora Marina Lima, foi internado diversas vezes. Cícero faleceu em Zurique, na Suíça, onde passou pela chamada morte assistida.

Antes de falecer, o escritor deixou uma carta para explicar sua decisão.

Veja na íntegra a carta de Antonio Cícero

"Queridos amigos,
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!"

Biografia e carreira

Antonio Cícero Correia Lima nasceu no Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1945. Era compositor, poeta, crítico literário, filósofo e escritor brasileiro. Em 10 de agosto de 2017 foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras.

É filho dos piauienses Amélia Correia Lima e Ewaldo Correia Lima. Seu pai foi um dos fundadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), tendo sido também diretor do BNDE durante o governo JK. Em 1960, Ewaldo assume um cargo executivo no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que então acabava de ser criado, e toda a família se transfere para Washington, D.C.

Formado em Filosofia pela Universidade de Londres, seus poemas se tornaram públicos quando sua irmã, a cantora Marina Lima, começa a musicá-los. Foi quando também se tornou compositor.

Produziu várias letras de músicas como "Fullgás", "Pra começar" e "À francesa" – as duas primeiras em parceria com sua irmã, e a última com Cláudio Zoli. A partir de então. Entre outras parcerias, destacam-se aquelas com Waly Salomão, João Bosco, Orlando Morais, Adriana Calcanhotto e Lulu Santos (coautor, junto com Antonio Cicero e Sérgio Souza, do hit O Último Romântico, de 1984).

Em 2001, seu poema "Guardar" foi incluído na antologia Os cem melhores poemas brasileiros do século, organizada por Ítalo Moriconi.

Qual a diferença entre eutanásia e morte assistida?

Tanto a eutanásia, como o suicídio assistido, são práticas que envolvem o ato voluntário de morrer sem dor e com assistência médica. Ambas as medidas são regidas por diversas regras, que são diferentes em cada país onde são permitidas. No Brasil, ambas as alternativas são proibidas e consideradas crimes.

Essencialmente, o que distingue a eutanásia do suicídio assistido é a pessoa que administra a droga letal. No caso da eutanásia, o médico prescreve, mas é também quem aplica a substância que induz o paciente à morte. Já no suicídio assistido, o médico faz a prescrição, porém apenas o próprio paciente pode autoadministrar a droga.

Na Suíça, embora o termo eutanásia seja utilizado de forma ampla, a lei na realidade permite apenas o suicídio assistido, ou seja, em que o próprio paciente administra a substância letal. O país é muito conhecido por ter sido o primeiro a permitir a prática, ainda em 1942, e por ter uma das legislações mais liberais sobre o assunto.

A liberação ocorreu após o artigo 115 do Código Penal da Suíça estabelecer que incitar ou ajudar outra pessoa a cometer ou tentar cometer suicídio é crime apenas quando acontece "por motivos egoístas". Na prática, o texto passou a permitir o suicídio assistido até mesmo de estrangeiros, o que atrai diversas pessoas todo ano ao país em busca do procedimento, como foi o caso do poeta.

Com o tempo, a Academia Suíça de Ciências Médicas estabeleceu critérios éticos para orientar a prática, como que a pessoa deve ser adulta, ter plenos poderes de julgamento, ser capaz de autoadministrar a dose letal e ter um quadro de “sofrimento insuportável” -- o que, pela falta de especificidade, pode ser tanto por uma doença terminal, como por uma depressão, por exemplo.

Os critérios e a permissão para o procedimento, na prática, costumam depender da organização que está prestando o serviço, como a Dignitas, Pegasos e outras que surgiram no país para auxiliar pacientes, assim como do médico que vai prescrever a substância. Geralmente, é feita uma longa análise de laudos médicos, consultas e outros documentos.

Quais países permitem a eutanásia e o suicídio assistido?

Segundo um levantamento recente da Associação Médica Britânica (BMA), cerca de 10 outros países além da Suíça permitem de alguma forma a eutanásia ou o suicídio assistido, além de alguns estados dos Estados Unidos e da Austrália. A maior parte está na Europa.

Na Espanha, Holanda, Luxemburgo, Bélgica, Canadá e na Nova Zelândia, as duas práticas podem ser feitas. Na Áustria, apenas o suicídio assistido é permitido. Na Colômbia, Itália e na Alemanha, não há uma legislação permitindo, porém a Justiça já entendeu em decisões recentes que o médico não pode ser punido por auxiliar um paciente no suicídio em casos específicos.

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