Ricardo Eloi na fábrica da Sono Quality: experiências anteriores em diversos empregos ensinaram técnicas de vendas que seriam aplicadas na rede de colchões terapêuticos (Sono Quality/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 2 de setembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 2 de setembro de 2018 às 06h00.
São Paulo - Os caminhos para um empreendimento de sucesso são, quase todas as vezes, tortuosos - e o empreendedor Ricardo Eloi sabe muito bem disso. Sua história envolveu muitas dificuldades, da convivência com o alcoolismo e o abandono até a procura incessante por empregos mais bem remunerados. Mas cada "divisor de águas", conta, foi fundamental para que ele tivesse experiências que aplicaria, enfim, em um negócio próprio de sucesso.
A Sono Quality, rede de colchões tecnológicos, surgiu com a ideia de mudar a forma como tais produtos eram vendidos: de um escondido esquema de indicações para a difusão em canais de venda massivos e mais adequados para o público-alvo. Apenas no ano passado, a marca faturou 57 milhões de reais. Agora, a Sono Quality vê a oportunidade de atingir consumidores inesperados: jovens estressados e fitness, que não vão comprar um colchão terapêutico apenas quando tiverem problemas graves de circulação e de sono.
Eloi é natural de Espírito Santo do Pinhal, pequena cidade do interior de São Paulo. Seu pai era industrial e sua mãe é diarista. Mesmo tendo uma infância que “amou”, viu seu pai enfrentar problemas com agressividade, alcoolismo e negócios falidos. A mãe, principal fonte de renda da família, decidiu abandonar a casa quando Eloi tinha nove anos de idade, o que ele considera seu “primeiro divisor de águas” na vida. Para ter seu próprio dinheiro, o menino começou a vender alfaces de porta em porta, aos nove anos de idade.
Dois anos depois, a falta de cuidados o levou a um orfanato. “Foi uma experiência difícil. O sentimento de rejeição é muito dolorido, eu só ficava pensando no que eu tinha feito. Mas eu continuei estudando”, conta Eloi. Ele sairia do local aos 16 anos de idade, alugando uma casa junto ao irmão da então namorada - e diz ter descoberto o que significava ter uma família, um segundo divisor de águas.
Logo veio um emprego de auxiliar de fotógrafo, em 1996, em troca de 90 reais. Depois, serviu no Exército Brasileiro. Em 1999, a tia de sua namorada ofereceu um serviço de ajudante de motorista de frangos, na Grande São Paulo. Eloi morava em um quartinho, acordava três horas de manhã e entregava frangos vivos em abatedouros pela região do Grande ABC. De ajudante, foi promovido a motorista. No final do ano, já tinha um salário de 1,8 mil reais e tinha moradia e alimentação providas pela empresa.
Em 2004, o terceiro divisor de águas na vida de Eloi: a morte do pai, atropelado por um caminhão em um campo de material de construção. “Depois do enterro, senti que havia algo diferente em mim. Aquela situação do frango não dava mais para mim. Senti que ficaria lá para sempre, estava com o coração magoado e queria mudar.”
Procurando um novo emprego, Eloi se tornou motorista de médicos que visitavam pacientes em suas residências - mesmo tendo um salário menor, de 1,5 mil reais, e mais gastos com moradia e alimentação. Para complementar a renda, revendia tênis chineses comprados no centro da cidade de São Paulo.
As pessoas elogiavam a capacidade de vendas do empreendedor - e ele começou a acreditar em seu potencial. Virou um vendedor da marca de bebidas Itaipava, apresentando os produtos de bar em bar, e voltou a receber 1,8 mil reais por mês. “Lá aprendi a dialogar com os clientes e estabelecer uma relação”, afirma.
Ainda em busca de mais fontes de renda, Elou encontrou o anúncio de uma empresa de colchões terapêuticos que prometia ganhos de 3,5 mil reais. Visitando o negócio, descobriu que teria de vender cada produto por no mínimo 4 mil reais em troca de uma comissão de 5%. Na primeira semana, concretizou a primeira negociação, por 4,5 mil reais. “Até você vender um colchão por esse preço, você não acredita. Descobri que existe gente que pagasse por isso em troca de benefícios terapêuticos.”
No final de 2007, Eloi chegou a ganhar 11 mil reais de comissão mensal e havia se mudado da pensão para um apartamento próprio. Pensou em quanto seu patrão ganhava - e quis se tornar o dono de um negócio de colchões terapêuticos.
Eloi e o colega de vendas de colchões Luciano Moura (hoje vice-presidente) se juntaram para procurarem fornecedores de colchões terapêuticos e testar novas formas de vendê-los. Sabendo que a panfletagem não era muito efetiva e que seu público era composto por pessoas com mais de 50 anos de idade, de classe C e já com problemas de circulação e de qualidade de sono, decidiram apostar em propagandas na rádio AM mais econômica da região do Grande ABC. O primeiro merchan rendeu 28 ligações, 20 visitas e 14 colchões vendidos. Eloi percebeu que esse era o caminho e começou a investir em aparições em rádios cada vez mais prestigiadas.
Contratou uma agência especializada em publicidade, conseguiu contratar um fornecedor melhor para seus colchões e criou a marca Sono Quality em 2010. O diferencial da marca é oferecer do básico dos colchões terapêuticos, como ímãs e ondas infravermelhas, ao avançado, como terapia com cores, música, tecidos diferentes (com aloe vera, antiaquecimento e fibra de bambu) e 21 tipos diferentes de massagem.
“É um mercado no qual não vemos muito evolução e revolução. A ideia é a gente tirar a imagem de duvidoso do colchão terapêutico, indo para benefícios técnicos, comprovados cientificamente”, afirma Eloi. No momento, a Sono Quality está investindo em colchões com tecnologia de aquecimento e comandos de voz.
Com o tempo, as publicidades em rádio migraram para a televisão. Os consumidores ligam em um número 0800 e os colchões saem de uma fábrica em Taubaté, no interior de São Paulo, ao centro de distribuição no grande ABC, com 500 empregados diretos.
Hoje, a Sono Quality investe dois milhões de reais por mês em publicidade, com personalidades com Mauricio Mattar e Palmirinha. Vende 1.200 colchões por mês, com um ticket médio de 6,5 mil reais e faturamento médio mensal de 7 milhões por mês. Em 2017, a Sono Quality faturou 57 milhões de reais. Até o fim de 2018, a marca quer chegar a 11 milhões de faturamento médio mensal e 1.600 colchões vendidos no mesmo período.
A marca está apostando na expansão do seu público-alvo. Ainda que a Sono Quality pague as contas com os consumidores mais velhos e já com problemas de circulação e de qualidade de sono, o empreendimento quer ressaltar como a prevenção é importante e atingir dois públicos: o de maior poder aquisitivo e os mais jovens.
Para o primeiro caso, a rede está construindo uma loja conceito de colchões tecnológicos no Shopping Ibirapuera, em uma região de alto poder aquisitivo da cidade de São Paulo. A inauguração será no próximo mês.
Já para os clientes mais novos, a rede irá criar padrões em seus colchões, como botões específicos para “estresse” e “pós-treino”. O negócio também prepara uma marca virtual separada, chamada Smart Colchões. O e-commerce deve ser inaugurado no começo de 2019, após dois anos de desenvolvimento. O futuro está batendo à porta - e Eloi sabe, mais do que ninguém, como apostar nele é importante.