Florian Hagenbuch (à esq.) e Mate Pencz (dir.), sócios do unicórnio Loft, de compra e venda de imóveis: empresas de tecnologia estão no olho do furacão, mas há oportunidades para os negócios com caixa controlado (Germano Lüders/Exame)
Carolina Ingizza
Publicado em 24 de outubro de 2020 às 09h53.
Última atualização em 26 de outubro de 2020 às 19h39.
Os aportes em empresas de tecnologia devem bater recordes em 2020 — e, na ponta, aumentar a chance de o Brasil engordar a lista de empresas unicórnios (negócios de tecnologia avaliados pelo mercado acima de 1 bilhão de dólares). Até setembro, 322 empresas de tecnologia receberam rodadas de investimento no Brasil. É quase 30% acima de 2019, um ano que já havia quebrado recordes desse tipo de transação, segundo a consultoria Distrito, dedicada ao ecossistema empreendedor.
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Se não fosse a pandemia, o ano prometia ser ainda melhor para o ecossistema de startups. Em janeiro e fevereiro, juntas, as empresas de inovação do país receberam mais de 1 bilhão de reais em aportes, 45% mais do que no mesmo período de 2019. No auge da crise sanitária, em março, as transações brecaram.
Ao contrário dos bancos, que puxaram o freio na concessão de crédito a pequenas e médias empresas por causa das incertezas, os investidores foram abrindo a carteira aos poucos.
Até agora, as startups brasileiras levantaram 2,2 bilhões de dólares em aportes, 80% do total do ano passado inteiro. A avaliação é que a reviravolta no dia a dia das pessoas por causa do isolamento social trouxe oportunidades únicas. “Estamos no olho do furacão, mas, passado o susto inicial, o consenso é que houve progressos com a digitalização antecipada de muitos setores”, diz Mate Pencz, sócio da Loft, startup de compra e venda de imóveis alvo de uma rodada de 175 milhões de dólares em janeiro — o que tornou a Loft o primeiro unicórnio do país em 2020.
Um olhar atento às maiores rodadas de investimento no Brasil em 2020 revela uma exigência crescente dos fundos. Nos últimos anos, eram comuns as histórias de jovens empreendedores com ambição de reinventar o jeitão de setores inteiros e dispostos a investir fortunas na conquista de mercado. Aí estão marcas que saíram do nada para o dia a dia dos brasileiros em menos de uma década, como os aplicativos Uber, 99, Rappi e outros tantos.
A tática ganhou até apelido no Vale do Silício, berço da cultura empreendedora: “blitzscaling”, uma junção de “blitzkrieg”, estratégia do Exército da Alemanha nazista de atacar com força o inimigo para avançar rapidamente, e “scaling”, termo em inglês para a expansão de empresas. O modelo já vinha sofrendo críticas antes da pandemia a reboque da desconfiança sobre startups como a empresa de aluguel de escritórios WeWork, cuja abertura de capital foi cancelada depois de o descontrole nas finanças ficar evidente ao longo de 2019.
A tremenda marcha a ré na economia global causada pela pandemia colocou em xeque de vez o blitzscaling. Afinal, quem quer perder dinheiro em troca de lucros num futuro cada vez mais incerto?
Em vez de negócios queimadores de caixa, os fundos estão apostando em empreendedores capazes de aliar receitas em alta com despesas enxutas — uma forma de blindar-se aos tempos bicudos. Num artigo de abril, o investidor americano Alex Lazarow, do fundo Cathay Innovation, chamou esses negócios de “camelos”, numa analogia ao fato de os mamíferos armazenarem grandes volumes de água e, assim, sobreviverem num ambiente inóspito como o deserto.
No Brasil, por causa da tradição de juros altos, as startups mais bem-sucedidas já estavam acostumadas a uma operação mais frugal em relação aos pares em mercados desenvolvidos, como os Estados Unidos e a Europa. “Ninguém crescia aqui sem pensar no caixa”, diz Marcos Toledo, sócio do fundo Canary.
A diferença é que, agora, o empresário calejado é o mais desejado pelos fundos. “Os empreendedores mais bem-sucedidos têm em média de 35 a 45 anos e experiência de pelo menos dez anos no mercado”, diz Gustavo Araújo, fundador da Distrito.