Fernanda de Lima, CEO da Gradual Investimentos (Foto/Divulgação)
Mariana Desidério
Publicado em 6 de fevereiro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 6 de fevereiro de 2018 às 06h00.
São Paulo – Fernanda de Lima é, há 11 anos, a única mulher a comandar uma corretora de valores no Brasil. Apesar dos avanços para as mulheres em diversos setores, elas ainda encontram barreiras para chegar ao topo das organizações ou verem seus negócios crescerem.
Mas, no que depender de Fernanda, isso vai mudar. Aos 50 anos, a CEO da Gradual Investimentos tem um novo objetivo: trazer outras mulheres ao topo. Para isso, criou no final do ano passado o W55, um ecossistema focado em educar, acelerar e investir em negócios liderados por empreendedoras. Afinal, em pleno ano de 2018, só 2% do private equity mundial vai para empresas criadas por mulheres.
Se o quadro é complicado hoje, imagine há três décadas, quando Fernanda começou a trabalhar.
Em entrevista concedida no escritório da Gradual, a CEO falou ao Site EXAME sobre os desafios que enfrentou numa trajetória profissional construída em ambientes majoritariamente masculinos, contou sobre sua chegada nada tranquila à Gradual, corretora fundada por seu pai, e sobre as reflexões que a levaram a fundar o W55.
Com dois irmãos homens, um diploma de matemática e outro de economia, e uma sólida carreira construída na área de fusões e aquisições no banco de investimento JP Morgan, em Londres, Fernanda nunca teve muitas colegas mulheres para dividir a vida.
“Jogava bola com meu irmão mais velho, e nunca tive espaço para essa coisa mais rosa. Sempre tive facilidade em conviver no universo masculino”, afirma.
No colégio Bandeirantes de São Paulo, onde estudou, as turmas eram divididas por sexo e área do conhecimento. No campo das exatas, sua vocação, eram sete turmas de meninos para uma de meninas.
Na faculdade, o quadro era o mesmo. No curso de matemática, Fernanda tinha duas colegas mulheres e, no de economia, só uma. “Me acostumei a viver nesses ambientes. Não era algo que me chamava a atenção. Agora, olhando para trás, deveria”, afirma.
Foi com os olhos seletivamente fechados para essas discrepâncias e para situações de discriminação que Fernanda chegou onde está.
Mas agora ela olha para os lados e sente falta das mulheres. “Fiz 50 anos e comecei a pensar em sucessão. Percebi que, nesses anos todos, eu não consegui nem trazer outra mulher para o mercado. Não fiz a minha parte”, afirma.
Foi dessa reflexão – e de uma conversa com sua filha de 14 anos, a mais nova de três – que nasceu a semente para o W55, uma parceria com a Rede Mulher Empreendedora.
“Muitas mulheres da minha geração acham que, porque a gente chegou ao topo, a outra tem que carregar pedra também. E estamos tomando consciência de que não adiantou muitas bandeiras serem levantadas se a gente como grupo não conseguir criar novas líderes”, afirma.
E põe pedra nisso. É fácil para ela se lembrar de situações em que foi discriminada em sua trajetória, e que só agora, aos 50, parou para observar com olhos de quem tem um dever a cumprir em relação às mulheres.
Teve, por exemplo, a vez em que ela recebeu um bônus menor do que merecia. “Meu chefe chegou para mim e disse: ‘Seu bônus foi super bom, inclusive a gente prorrateou e você vai receber 10/12, porque ficou dois meses fora de licença maternidade’”, conta.
“Fiquei brava, questionei: ‘Mas e as 400 milhões de horas extras que eu trabalhei, até 8 meses e 3 semanas de gravidez?’ Ele me respondeu: ‘Eu sei, mas ia ficar muito estranho uma mulher, ainda por cima grávida, ter o maior bônus da área’”.
Depois de um tempo, Fernanda deixou o JP Morgan, foi para o Merrill Lynch e de lá saiu após um desentendimento. Nessa época, choveram propostas de trabalho.
“Fui numa entrevista em um banco e a mulher do RH disse: ‘Você é uma profissional muito boa, e inclusive você já executou o seu passivo’. Demorei para entender, até que caiu a ficha. Ela estava falando do meu filho!”
Se a vida nos bancos de investimentos não foi fácil, tampouco foi mudar a cultura da empresa criada por seu pai, Paulo Cesar de Lima, na qual a grande maioria dos funcionários eram homens, e ninguém queria saber de palavras como compliance e governança.
“Eu brinco que, quando cheguei, dobrei o número de mulheres, porque éramos eu e a mulher do café. O banheiro feminino tinha virado um avanço da copa e tudo que era tralha estava lá. Foi difícil porque eu era nova e meu ex-marido foi totalmente contra eu vir”, lembra.
A chegada na Gradual aconteceu de forma inesperada, em 2006. Após anos trabalhando em Londres, Fernanda decidiu voltar ao Brasil para ficar mais perto da família. Um belo dia Fernanda foi ajudar o pai numa conversa com investidores americanos, interessados em comprar a corretora dele. Depois de duas semanas, porém, o pai de Fernanda falaceu.
Como a única da família com conhecimento de mercado financeiro, Fernanda assumiu a corretora, abortou a venda para os americanos e passou a olhar a Gradual como seu próprio negócio. No entanto, para isso ela precisou lidar com cerca de dez sócios, todos amigos de seu pai.
“Meu pai tinha vários sócios, que eram os amigos dele. Eles faziam club deals e investiam juntos. Governança era uma palavra que não existia, era algo muito informal. Às vezes entrava um dinheiro na conta, eles ligavam para o meu pai e descobriam que era dividendo de um investimento. Aí de repente eu tenho um monte de sócios que me conheciam desde criança e confiavam no meu pai. Era um ambiente hostil, a média de idade das pessoas era de 45 anos, todo mundo fumava. Minha mãe falou: ‘você tem que se livrar dessa corretora’”, lembra.
A executiva não ouviu o conselho da mãe e optou por ficar com o negócio. Acostumada ao estilo britânico, viu-se frente a um modelo de gestão que estava longe de ser o seu.
“Meu pai foi meu melhor amigo, mas nós éramos muito diferentes em algumas coisas. Ele sempre foi empreendedor, nunca trabalhou para ninguém, nunca teve celular, era uma pessoa totalmente caótica, sem muitos processos. Era o oposto do meu avô. Meu avô era o perfeito executivo, ajudou a formar o Banco Real, estava sempre todo arrumado, de terno. Meu pai já acordava bagunçado”.
O tempo foi passando e lentamente ela conseguiu impor um estilo mais comportado à Gradual, até que, em 2009, comprou a parte da empresa que estava nas mãos dos outros sócios e se tornou a única dona. Escolada em processos fusão e aquisição, a CEO classifica essa como a pior negociação de que participou.
“Foi a pior aquisição da minha vida, demorou 9 meses, com pessoas que eu conhecia e que ficaram ofendidas quando eu tratava a coisa numericamente, no limite que eu conseguia porque também tinha o lado emocional.”
Apesar dos percalços, a executiva conseguiu transformar a empresa. Em contraste com ambiente caótico de anos atrás, a Gradual hoje fica num espaço amplo, com paredes de vidro e estética sóbria com tons de cinza e marrom no 19º andar de um edifício na zona sul de São Paulo.
Em quase 12 anos, a empresa que administrava 50 milhões de reais passou a ter 5 bilhões de reais sob sua administração. Em 2017, teve um faturamento de 50 milhões de reais.
Hoje são 170 funcionários, sendo que praticamente metade são mulheres. A principal exceção fica por conta do departamento de tecnologia. “Faço um esforço sobre-humano para encontrar mulheres nessa área, mas os currículos nem chegam”, desabafa. Recentemente, a Gradual contratou também quatro refugiados.
Outro tema que dá bastante trabalho para Fernanda é o imbróglio envolvendo a Gradual Investimentos e a gestora Incentivo. O tema já saiu nos jornais e a Gradual chegou a ser alvo de uma investigação da Polícia Federal, batizada de Operação Papel Fantasma. A acusação é de que a Gradual comprou debêntures emitidos por uma empresa fantasma, a ITS, usando dinheiro de fundos de previdência.
A Gradual nega que a ITS seja uma empresa fantasma e afirma que a investigação é resultado das falsas acusações feitas pela gestora Incentivo, em represália por sua destituição da administração de fundos de investimento em favor da Gradual.
Apesar de ter dedicado a vida ao mercado financeiro, Fernanda atesta que, para ela, o dinheiro não é um fim em si mesmo.
“Tenho o pensamento diferente do financista tradicional. Não acredito em algumas empresas, por mais rentáveis que elas sejam. Apesar de ser bem analítica, quando eu olho para um negócio, penso em empatia, em propósito”, afirma.
É essa postura que pauta a atuação de Fernanda no W55, que atualmente está montando um material em vídeo para educação de empreendedoras, com o objetivo de posteriormente acelerar e investir em seus negócios.
Um dos projetos é criar uma plataforma de equity crowfunding para empreendedoras, com a possibilidade de fomentar um mercado secundário para quem quer investir, com precificação de acordo com a situação da empresa investida.
Traduzindo: é como uma mini bolsa de valores, mas com foco em pequenas empresas. A grande vantagem é que assim o investidor (e, por que não, a investidora) pode “vender suas ações” quando precisar do dinheiro, sem precisar esperar anos por um retorno do investimento.
Isso porque, segundo ela, não é só a empreendedora que tem dificuldade em conseguir investimento. A mulher investidora também tem problemas ao escolher no que investir. Para Fernanda, as mulheres precisam urgentemente se apoderar do tema finanças.
“As características do líder moderno são características femininas, de comunicação, empatia, empoderamento. Mas elas também precisam olhar para as finanças. A sua independência passa pela independência financeira. Quando vemos mulheres em situação de vulnerabilidade, é muito devido à falta de independência financeira. O lado financeiro passa pelo lado humano.”
Nesse quesito, Fernanda tem a habilidade de unir os dois mundos. De fala calma e um pensamento analítico que vai aos mínimos detalhes, ela quer usar esse conhecimento para incentivar mais mulheres a fazerem investimentos, buscarem investidores para seus negócios, se envolverem com o dinheiro de forma geral.
Quem sabe assim, daqui alguns anos, Fernanda terá mais colegas mulheres à mesa.