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Um negócio de torcedor para torcedor

Site criado com estratégia colaborativa planeja turbinar a audiência em ano de Copa do Mundo para faturar com anúncios

SERGIO SACCHI, DO TORCEDORES.COM: mais de 7 milhões de visitantes mensais, uma audiência que se assemelha a de portais tradicionais como o Lance! e o Esporte Interativo / Germano Lüders

SERGIO SACCHI, DO TORCEDORES.COM: mais de 7 milhões de visitantes mensais, uma audiência que se assemelha a de portais tradicionais como o Lance! e o Esporte Interativo / Germano Lüders

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Carolina Riveira

Publicado em 26 de janeiro de 2018 às 12h15.

Última atualização em 21 de fevereiro de 2020 às 23h33.

Como seria se os próprios torcedores escrevessem sobre seus esportes do coração? É assim que Sergio Sacchi, fundador da plataforma de conteúdo esportivo Torcedores.com, gosta de começar a conversa sobre seu negócio.

Com textos que vão do ex-jogador Kaká comentando a crise do São Paulo às cinco coisas que o atacante Dudu conseguiria comprar se aceitasse uma proposta milionária da China, o Torcedores poderia ser um site de notícias esportivas como qualquer outro. A diferença primordial, contudo, é que ele não funciona como uma redação jornalística tradicional: os fundadores da empresa a autoclassificam como “uma redação sem paredes”, onde quem produz o conteúdo são os próprios usuários.

Criado em 2013 em uma parceria entre brasileiros e americanos, o Torcedores publica mais de 7.000 matérias todos os meses e, para isso, faz uso da mão de obra de mais de 10.000 colaboradores cadastrados — dos quais cerca de 500 são considerados ativos. Também há produção de conteúdo nas redes sociais e em vídeos para o YouTube.

Hoje, com cinco anos de vida, o site chegou a mais de 7 milhões de visitantes mensais, uma audiência que se assemelha a de portais tradicionais como o Lance! e o Esporte Interativo.

No Torcedores, a maioria dos colaboradores são estudantes de jornalismo ou recém-formados, que não têm vínculo trabalhista com a empresa, mas recebem algum dinheiro a depender da audiência de seus textos. Antes de começar a escrever, eles têm de passar por cursos de jornalismo esportivo, oferecidos na própria plataforma, e assinam um contrato que desobriga o Torcedores a ter qualquer vínculo trabalhista. Qualquer problema sobre o conteúdo publicado também é de responsabilidade dos autores. Os mais assíduos sobem numa hierarquia interna do site e pode receber pagamentos mensais por seus textos – cerca 60 desses colaboradores recebem até 2.000 reais por mês, segundo a empresa.

O modelo é inspirado no site americano Bleacher Report, criado em 2008 nos Estados Unidos e vendido para o grupo de mídia Time Warner quatro anos depois por 275 milhões de dólares. O fundador do Bleacher, Bryan Goldberg, é um dos sócios do Torcedores.

A grande sacada desse formato é que, com tanta gente diferente produzindo, é possível oferecer matérias sobre absolutamente qualquer coisa — e usar o grande volume de conteúdo para aumentar a audiência. No Torcedores, além dos temas mais populares, há espaço para assuntos que não costumam ser muito abordados na imprensa esportiva tradicional, como futebol feminino, esportes olímpicos ou automobilismo para muito além da Fórmula 1. A lista de opções é grande.

“Enquanto todos os veículos esportivos estão concentrados na mesma coisa, eu posso me dar ao luxo de colocar gente para passar um mês pesquisando a vida do Gabriel Jesus em plena Copa”, explica Sacchi. É a cauda longa da internet aplicada à cobertura esportiva, um nicho que não vai muito além dos ídolos da vez e dos gols da rodada.

A ideia de tentar emplacar o formato do Bleacher no Brasil veio do também americano Derek Hall, que depois convidou Sacchi, que é brasileiro e já tinha experiência em empresas de internet e esportes. Em 2013, os dois contataram Goldberg, que àquela altura já havia vendido o Bleacher para a Warner e aceitou trazer sua expertise para o negócio.

Para Goldberg, o Brasil é o “país perfeito” para replicar o modelo que consagrou o Bleacher. Ele aponta que esportes como futebol ou a modalide de lutas MMA, em que o Brasil é líder em audiência, eram muito populares quando ele coordenava o site americano. “Não consigo pensar em nenhum país onde o esporte seja mais central para a cultura do que o Brasil”, diz. “São 200 milhões de pessoas, e elas nunca se cansam de consumir esporte.”

Brasil, o país dos esportes

Números do Ibope mostram que os conteúdos relacionados a esportes são a maior audiência dos canais de TV Globo e da Record, superando até mesmo as tradicionais novelas do horário nobre. No Censo de 2010 do IBGE, cerca de 150 milhões de brasileiros se diziam fãs de futebol.

Mas como transformar essa paixão em dinheiro? O modelo do Bleacher e do Torcedores, no fim, é o mesmo de qualquer empresa de mídia: vender espaço para anúncios. Assim como o Bleacher, que tem 60 milhões de visitantes mensais, o Torcedores espera usar sua audiência crescente para atrair os anunciantes.

Financeiramente, o negócio ainda engatinha. O Torcedores faturou 3 milhões de reais em 2017, e os anúncios representaram mais de 90% da receita, incluindo mídia programática (quando o anunciante escolhe o perfil do usuário ao invés do site) ou branded content (quando o veículo produz algum conteúdo sobre a propaganda e a publica como uma matéria comum). Para 2018, a expectativa é triplicar o faturamento, chegando a pelo menos 9 milhões.

Depender da publicidade para bancar a produção de conteúdo é sempre arriscado. O maior problema nesse meio tornou-se competir com empresas de tecnologia como Google e Facebook: as duas abocanharam incríveis 99% de todo o crescimento da publicidade digital entre 2015 e 2016 nos Estados Unidos, segundo um estudo da Pivotal Research Group citado pela Reuters.

“De certa forma, uma empresa como essa não tem de ser melhor do que os concorrentes na mídia esportiva; têm de disputar com o Facebook”, Henrik Örnebring, professor da Universidade de Karlstad, na Suécia, e autor de estudos sobre plataformas de conteúdo colaborativo no jornalismo, incluindo o Bleacher.

O Torcedores acredita que há espaço para todos, sobretudo porque o mercado de anúncios digitais no Brasil ainda tem muito a crescer. Em 2017, os anúncios em mídia digital (incluindo em celulares) representaram um faturamento de 3,47 bilhões de dólares no Brasil, o equivalente a apenas 23,6% do total de anunciantes em mídia, segundo a consultoria de marketing eMarketer.

No mercado brasileiro, o domínio da TV ainda é grande, com mais de 50% do faturamento de publicidade na mídia. Já nos EUA, os anúncios digitais superaram os da TV e em 2017 responderam 40,5% do total de publicidade em mídia, rendendo 83 bilhões de dólares.

O site Torcedores tem parcerias com dezenas de empresas, como a cervejaria Ambev e o banco Bradesco, que patrocina uma área de automobilismo.

“Esporte é gigante, e sempre vai fazer muito dinheiro. A Warner não comprou o Bleacher à toa”, diz a professora Mary Sheffer, da University of Southern Mississippi e autora de estudos sobre mídia esportiva nos Estados Unidos. Para ela, um site mais moderno no formato do Bleacher é capaz de atrair uma audiência mais jovem – 80% do público do site tem menos de 34 anos. Mas as concorrentes estão aprendendo. “Hoje a ESPN, por exemplo, é gigante no Snapchat. Os veículos tradicionais estão se adaptando”, diz.

A briga com os grandes

Pedro Daniel, especialista em gestão esportiva e responsável pela área de esportes da consultoria BDO, afirma que anunciar no esporte é um mercado valioso, por envolver a paixão da torcida. Mas que ainda falta ao Torcedores se consolidar melhor na área. “Ninguém vai querer associar a marca a um veículo que não transmite credibilidade”, diz.

Segundo dados do site de estatísticas de audiência Alexa, em portais como o GloboEsporte.com e o Lance!, grande parte dos usuários ainda chega às notícias digitando o link do portal, e somente cerca de 20% chegam às páginas via busca — ainda assim, a maioria buscando termos que remetem à marca, como “Globo” ou “Lance”. No Torcedores, a fatia dos que chegam ao site por buscadores é de 53,5%.

“Dá para viver de publicidade, é o que todos estão fazendo. Mas o modelo do Torcedores vai precisar construir uma marca que faça o leitor voltar, coisa que os grandes da mídia tradicional já têm”, diz um concorrente.

Para seguir aumentando as receitas e depender menos de anunciantes, o Torcedores também pensa em passar a oferecer pacotes de assinaturas que poderiam ir de produtos entregues em casa a games estilo fantasy e também cursos online para um público mais variado, que não necessariamente queira escrever na plataforma.

Com tudo isso somado, ganhar dinheiro em larga escala num mercado como o brasileiro vai continuar sendo difícil. Por isso, tal qual sua inspiração americana, o Bleacher, um dos principais objetivos do site é incomodar os grandes a ponto de virar um alvo de aquisição. Para Goldberg, a audiência e o orçamento gordo que a Warner agregou ao Bleacher foi “bom para todo mundo”. “Em algum momento as grandes empresas e os anunciantes passaram a nos levar a sério, quando perceberam que íamos crescer e não íamos desistir”, diz.

Para 2018, as expectativas são altas, e Sacchi aposta que a Copa na Rússia será a grande alavanca do Torcedores. Para cobrir a competição, a empresa fechou uma parceria com o jornalista Marcelo Tas. “Em 2014, ainda estávamos começando. A Rússia será a nossa Copa”, diz. O grande desafio não será necessariamente conquistar a audiência, mas ganhar dinheiro com ela.

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