Roberto Nogueira, da Brisanet: “Nascer e viver no meio do nada foi de grande vantagem para mim" (Divulgação/Endeavor)
Mariana Fonseca
Publicado em 2 de abril de 2017 às 08h00.
Última atualização em 5 de novembro de 2021 às 11h29.
São Paulo - José Roberto Nogueira nasceu em 1965, em uma zona rural de Pereiro, cidade cearense que na época tinha apenas 5.000 habitantes, em uma casa sem vizinhos: ali na região só moravam ele, os pais e os dez irmãos. A família vivia isolada, sem energia elétrica, e cultivava o próprio alimento –se não houvesse safra, passava-se fome. Uma vida sem conexão.
51 anos depois, é na mesma Pereiro, a apenas alguns quilômetros de distância, que Roberto empreende a Brisanet, empresa que permite que moradores de 115 mil residências de 150 cidades de Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba se conectem ao mundo em alta velocidade – em 95 mil delas, o acesso a Netflix, YouTube e o que for que os olhos queiram ver é por fibra óptica, tecnologia que ainda está se disseminando mesmo em grandes capitais.
O empreendedor até se foi do semiárido cearense por uns tempos, mas sempre quis voltar. “Eu nasci comendo o milho e o feijão que a gente plantava ali. Meus átomos saíram daquela terra”, conta ele. “Quando você sai da sua cidade com uma certa idade, conhece o mundo por outro ângulo e tem vontade de voltar e resolver o problema da sua região. E gerar negócio.”
De resolver problemas ele entende. E, se a questão envolver algo elétrico ou eletrônico, melhor ainda. Um conhecimento que é resultado de décadas de curiosidade e estudo: quando tinha 13 anos, o pai comprou um rádio para a família (de pilha, porque a energia elétrica não havia chegado ainda). Roberto foi logo abrindo o equipamento para entender como ele funcionava – afinal, quem é que estava falando dentro do aparelho?
Aos 15 anos de idade, ele começou a fazer um curso de eletrônica por correspondência no Instituto Universal Brasileiro. Passou a fazer pequenos consertos em forrageiros (cortadores de capim), rádios, motores, eletrodomésticos… Mas sem remuneração: o que valia era o aprendizado.
Uma bicicleta usada (pela qual ele economizou por seis anos) ganhou as hélices de um pequeno motor. Assim, ele não precisava pedalar.
Essa paixão pelo funcionamento de “geringonças” traz resultados até hoje: foi o empreendedor quem projetou e construiu torres e antenas que a Brisanet usa para levar internet via rádio, o modelo inicial da empresa, às casas do sertão. Os equipamentos de tecnologia e fabricação própria permitem que a Brisanet ofereça conexão em cidades afastadas a custos acessíveis para a população, a partir de R$ 59,90 por mês.
Entre os 15 e os 16 anos, duas tecnologias transformadoras para o empreendedor: chegaram à casa da família de Roberto a energia elétrica e a televisão. Ele adorava os programas que falavam de ciência, um em especial: Cosmos, exibido no Brasil pela Rede Globo.
Nele, o cientista Carl Sagan falava de uma ampla gama de temas, como a origem da vida, astronomia e o nosso lugar no Universo. “Isso consolidou minha vontade de estudar eletrônica”, conta o empreendedor.
Também pela TV, ele soube da existência da Embraer e nutriu a vontade de trabalhar na empresa (fabricar aviões não era o mesmo que criar naves que pudessem levar ao espaço extraterrestre, retratado por Segan na série, mas já era uma bela viagem).
Aos 21 anos, Roberto vendeu a bicicleta motorizada, comprou uma passagem de ônibus e partiu rumo a São José dos Campos, sede da Embraer, a mais de 2.700 km de distância, mas já pensava em voltar. O sonho: juntar dinheiro para montar uma oficina de conserto de rádio e televisão em Pereiro.
Ao chegar, foi vender roupa porta a porta para sobreviver e matriculou-se em um curso técnico de eletrônica para ter um diploma — no fim, achou que não valeu muito a pena do ponto de vista do conhecimento. “Como eu estudei muito tempo sozinho, já sabia muito”, conta. Mas a certificação deu frutos: um ano depois, lá estava ele trabalhando na Embraer.
Lá, seu trabalho principal era instalar painéis em aviões. Mas, para juntar dinheiro, passou a vender equipamentos eletrônicos para os colegas e começou a ser procurado por gente que estava interessada em computadores, que ele também começou a oferecer.
O bico deu tão certo virou um negócio formal. Em 1989, ele abriu uma loja de PCs que também fazia manutenção. Depois, passou a desenvolver antenas parabólicas e máquinas para fabricá-las.
Esse estabelecimento foi de fundamental importância para a Brisanet: dava tanto faturamento que financiou por muitos anos o negócio de internet no Nordeste, que levou alguns anos até andar com as próprias pernas. Afinal, era preciso abrir um mercado, um trabalho que já dura mais de duas décadas.
Roberto tentou vender apenas um computador em sua região-natal em 1991. Nada feito: não havia ninguém interessado na máquina no raio de 300 km que ele visitou. No ano seguinte, voltou com 30 PCs. A ideia era criar uma escola de informática para preparar a população para usá-los.
A cidade escolhida para instalar a escola foi Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, distante 40 km de Pereiro e com uma população maior (hoje, 30 mil habitantes), além de ser polo na região. O empreendedor conseguiu convencer prefeitos de várias cidades a mandar pessoas para fazer o treinamento, sob a justificativa de que essa mão de obra seria importante no futuro.
Em 1996, a internet começou a operar de forma comercial no Brasil. Roberto se animou rapidamente. Primeiro, se associou a um colega que tinha um provedor de internet discada para oferecer o serviço em São José dos Campos, mas sempre tendo Pereiro em mente: queria levar a rede para lá, mas pensava em como fazer isso, já que na época o sistema disponível era o de conexão discada. Na região, pouquíssimas casas tinham linha telefônica.
Foi aí que o empreendedor colocou novamente sua versão “professor Pardal” para funcionar: pegou placas de rádio e as instalou nas antenas que ele fabricava para o sistema de televisão. Assim, era possível transmitir o sinal de internet a longas distâncias. Foi testando o sistema em São José e conseguindo fazer a rede chegar cada vez mais longe.
O negócio ia bem na cidade paulista, já tinha clientes, mas um grande player chegou à região para oferecer algo parecido, com milhões para investir. Roberto tinha os recursos vindos da loja de informática.
Inicialmente, o plano era levar o negócio de internet para o sertão no ano 2000, mas a chegada do concorrente e um encontro um tanto inesperado o fizeram apressar o passo. Ele foi visitar em uma feira de informática na cidade de São Paulo e topou com uma pessoa que dizia ter planos bem parecidos com os seus. Era hora de acelerar a conexão.
Durante muito tempo, Roberto trazia moradores de Pereiro para São José dos Campos para treinar mão de obra na loja de computadores. Resolveu, então, sugerir que alguns voltassem para o Nordeste para montar a operação da Brisanet. Irmãos dele também deram um gás à parte comercial e se tornaram sócios. Em 1998, o sistema começou a funcionar.
“O maior desafio foi fazer a expansão sem muitos recursos. O dinheiro que a gente tinha era o da loja de informática e também um pouco de recurso dos irmãos sócios. A Brisanet teve de crescer organicamente”, conta o empreendedor.
Ele foi administrando o negócio a distância, ou na ponte aérea São José-Pereiro até 2007, quando o negócio estava maduro o suficiente.
Deu certo: em 2010, a Brisanet já era a maior operadora de internet a rádio do Brasil, com 30 mil clientes em 150 cidades.
Dava até para se acomodar, certo? Nada disso. O empreendedor sabia que, com o crescimento para mais regiões, e mais antenas distribuídas entre elas, poderia começar a haver problemas de interferência. Para suportar o expansão da empresa, era preciso ir atrás de uma tecnologia melhor. Pesquisando com fornecedores, chegaram à fibra óptica.
Hoje, a Brisanet leva esses cabos tecnológicos para a frente de milhares de casas na região. Ao todo, é uma rede de mais de 18 mil quilômetros. Ela se conecta a cabos submarinos que chegam à Praia do Futuro, em Fortaleza, e permitem que os clientes tenham acesso à internet a ótimas velocidades, além de TV a cabo e telefone.
“O semiárido tem uma necessidade extrema da internet. Não tem cinema, shopping, mas tem internet. Queremos ser a principal operadora do Nordeste fora das capitais, inovando sempre.”
Roberto conseguiu realizar seu sonho de gerar em impacto em Pereiro. A Brisanet emprega, apenas na cidade, de 16 mil habitantes, mais de 400 pessoas – são outras 900 nas outras regiões em que a empresa atua. Uma mão de obra treinada especialmente pela companhia para realizar seu trabalho.
Por ser um exemplo tão claro de impacto nos negócios, Roberto acaba de se tornar o novo Empreendedor Endeavor! Ele passou por um rigoroso processo seletivo e foi avaliado por grandes especialistas em negócios até ser aprovado no dia 17/03, no Painel Internacional de Seleção (ISP) da Endeavor no Rio de Janeiro.
No ISP, a última fase de seleção, são avaliados três principais fatores: o empreendedor - ou seja, a capacidade que ele possui de levar a empresa a um outro patamar, e de se tornar um exemplo para inspirar a futura geração; o negócio, que diz respeito ao tamanho do problema que ele está resolvendo, à inovação, à escala, e ao potencial de geração de empregos; e o timing, que avalia a maturidade do modelo de negócio e se a empresa está em um ponto de inflexão para o crescimento. No Brasil, são prospectadas anualmente cerca de 5.000 empresas e menos de 1% chega até o Painel Internacional.
Como alguém pode sair de tão pouco para tanto? Roberto tem um palpite. “Nascer e viver no meio do nada foi de grande vantagem para mim. Se tivesse em conforto, não teria desenvolvido tantas habilidades.”