Estados Unidos: engenheiros e dentistas brasileiros estão em falta (foto/Thinkstock)
Mariana Fonseca
Publicado em 8 de fevereiro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 8 de fevereiro de 2017 às 15h22.
São Paulo – Você provavelmente ouviu esta história há alguns anos: um conhecido comprou um imóvel nos Estados Unidos, talvez no estado da Flórida, como uma forma de investimento para o futuro. O ano era 2011; uma época de dólar valia pouco mais do que o real. Com o passar dos anos, você viu a moeda americana se valorizar cada vez mais – e aquele conhecido lucrou muito ao vender o imóvel de antes.
Agora, a situação é diferente. Não só a alta do dólar freia o investimento imobiliário, mas o perfil de brasileiro que coloca dinheiro nos Estados Unidos mudou: esse empreendedor não quer apenas investir, mas sim fazer as malas e se mudar, junto com o negócio, para os EUA.
Segundo dados do consulado americano em São Paulo, o investimento brasileiro nos Estados Unidos aumentou 89% nos últimos cinco anos – e a tendência é que os aportes continuem a crescer.
“É fundamental para qualquer governo fomentar a produtividade econômica – e uma parte importante de tal fomento é atrair investimentos internacionais, sejam eles simplesmente capital ou boas ideias de negócio”, afirma Ricardo Zuniga, cônsul-geral dos Estados Unidos em São Paulo, em entrevista para EXAME.com na Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham).
Nos últimos anos, o aporte dos criadores de negócios brasileiros cresceu especialmente por conta do quadro de crise econômica: eles perceberam que precisam diversificar seus mercados. “Ao entrar nos Estados Unidos, eles ganham tanto um enorme mercado quanto uma receita em dólares – o que é um hedge natural para a recessão brasileira”, analisa Pedro Drummond, da consultoria Drummond Advisors.
Mas só a fuga da crise não justifica a decisão de se mudar completamente – incluindo todo o processo de imigração do Brasil. Manuel Mendes, especialista em estratégia pela Universidade Harvard e executivo da consultoria Boston Innovation Gateway, elenca diversos outros motivos empresariais para apostar no país.
“Do ponto de vista da empresa, temos o fato de os Estados Unidos serem um país claro e estável quanto à legislação de investidores e negócios. Também são um polo de atração de mentes brilhantes e de transferência tecnológica, o que é uma vantagem na hora de contratar”, explica Mendes.
“Além disso, os EUA são um país com grande potencial de mercado: investir em um nicho pode significar atender praticamente um país, pensando em números de consumo. Quando o negócio consegue vencer nessas condições, ele automaticamente valoriza sua marca no Brasil. Isso é especialmente notado em alguns setores, como moda.”
Não há como descartar também fatores ligados à própria vida do empreendedor: é comum ouvir histórias de quem se mudou buscando uma melhor educação profissional ou melhores condições de vida para sua família. Ou, simplesmente, identifica-se mais com a cultura dos Estados Unidos, inclusive ao fazer negócios.
1 — Procure ajuda especializada
Assim como existem casos de brasileiros que fizeram sucesso em terras estadunidenses, existem casos de fracasso retumbante. Se você realmente quer empreender nos Estados Unidos, o primeiro passo é procurar programas especializados de apoio à imigração.
Felizmente, há diversas iniciativas federais, estaduais e municipais de apoio a quem quer abrir um negócio no país. O SelectUSA, por exemplo, é o maior programa nesse sentido: feito por iniciativa governamental, é um agregador de consultorias e contatos de mercado de diversas regiões e setores estadunidenses, públicos e privados.
“O SelectUSA é o primeiro ponto de contato para que os empresários identifiquem em qual mercado irão atuar. A partir daí, indicamos programas, agências e câmaras de comércio correspondentes ao tipo de negócio”, diz o cônsul-geral Ricardo Zuniga.
As legislações de cada estado variam muito: algum deles pode ser um polo de atração do seu futuro mercado ou, por outro lado, pode oferecer incentivos fiscais para que você seja pioneiro na região.
Enquanto os Estados Unidos oferecem programas de atração de investimentos, o governo brasileiro possui programas de expansão internacional. Segundo Drummond, o principal órgão nesse sentido é a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).
2 — Tenha a ideia de negócio
O primeiro cuidado que o futuro empreendedor deve ter é justamente identificar uma ideia de negócio e ter uma estratégia clara de como será sua entrada no mercado. Isso envolve entender claramente quais são suas vantagens competitivas, em relação aos negócios já estabelecidos nos Estados Unidos.
“Lembre-se de que um diferencial no curto prazo, como preços baixos por conta de a matéria-prima ser cotada em reais, é algo de curto prazo. Invista em outros aspectos, como um bom pós-venda, capacidade de inovação ou produto de qualidade”, ressalta Mendes.
Segundo o consultor, muitos recorrem a empreendimentos já testados, como as franquias, para reduzir o tempo dessa curva de aprendizagem.
3 — Faça um plano de negócios convincente
Segundo o cônsul-geral Ricardo Zuniga, é importante ter um plano de negócios estruturado antes de começar negociações e fazer as malas para os Estados Unidos. É preciso mostrar que você possui a capacidade, estrutural e financeira, de arcar com essa operação internacional.
“O primeiro passo é fazer um planejamento tributário: entenda qual o custo de fazer negócios lá. O sistema de impostos dos Estados Unidos pode, por exemplo, alterar a margem de lucratividade que você possui hoje no Brasil”, explica Drummond.
Depois, vem o planejamento societário: um gestor será responsável apenas pela operação americana ou todos irão administrá-la? Como será a divisão das participações?
4 — Entenda as especificações de visto
No aspecto migratório, entra uma questão que costuma gerar dúvidas: dá para empreendedor com o mesmo visto que se usa para viajar para negócios ou para lazer?
Antes, é preciso saber que os vistos americanos se dividem por categorias. Os vistos mais importantes para empreendedores são os de categoria B, que servem para visitas de negócio e de lazer; e os de categoria L, para transferência de executivos com conhecimento especializado.
O principal visto das empresas que expandem é o L1, que é o de transferência de empresário – é preciso que ele esteja na empresa brasileira há mais de um ano, alerta Drummond.
Mas dá para empreender com o mesmo visto que você usa para viajar ou para fazer reuniões executivas, por exemplo? Apenas se o seu negócio estiver no plano das ideias.
“Há atividades que se podem ser feitas através de um visto comum, o B1 ou o B2, como reuniões. Mas, para estabelecer a presença de uma pessoa física nos Estados Unidos e levar à cabo o negócio, é preciso obter outros vistos. Temos várias formas de fazer isso, então é importante consultar especialistas. Essa é a parte inicial para o estabelecimento de uma empresa”, diz Zuniga.
Essas formas podem ir desde o visto L1 até a obtenção do desejado “green card”: a residência permanente em solo americano. Além de familiares, pedidos de asilo e sorteios aleatórios entre solicitantes, é possível consegui-lo por meio da comprovação de trabalho ou atividade produtiva nos Estados Unidos.
Para essa categoria, chamada de EB-5, é necessário investir 500 mil dólares (cerca de 1,5 milhão de reais, pela cotação atual) em áreas prioritárias pré-estabelecidas ou 1 milhão de dólares (cerca de 3 milhões de reais) em qualquer região, além de criar ao menos 10 empregos diretos no prazo de dois anos. Segundo Mendes, esse é um dos vistos menos buscados – compreensivelmente, diante do tamanho do investimento necessário.
5 — Vá ao mercado!
Uma dica simples: depois de todo esse processo, que pode levar vários meses, é a hora do famoso “go to Market”.
Caso você ainda não tenha feito seu mínimo produto viável na etapa do plano de negócio, contate seu público-alvo e faça uma pesquisa prévia de aceitação do produto ou serviço.
Então, fale com parceiros comerciais e lance o MVP. Caso a aceitação seja novamente positiva, é hora de investir na implantação do empreendimento nos Estados Unidos (o que pode incluir aportes vultosos, como a construção de uma fábrica, por exemplo).
Achou tudo isso muito complicado? Então, inspire-se com as histórias de quem está no caminho ou já conseguiu ser bem sucedido em solos estadunidenses:
Como comentamos anteriormente, apostar em negócios franqueados ou licenciados pode ser uma forma de empreender nos Estados Unidos com maior segurança, por ter incluída a experiência de um sucesso anterior – o do franqueador ou licenciador da marca.
Mas e quando empreendedores brasileiros fazem tanto sucesso que fundam tais modelos para outros aspirantes – inclusive americanos? Veja alguns casos:
Adapte-se (de verdade) ao mercado estadunidense
Pillar Desouza conhece bem os Estados Unidos: sua família foi ao país quando ela tinha seis anos de idade, nos anos 2000. Seus pais eram empreendedores e queriam dar mais oportunidades e segurança para a família.
Na hora de criar um negócio, inspirou-se nos sabores das frutas europeias (e, depois, brasileiras).
“Fiz uma viagem com meus pais para a Europa em 2010, e sempre fui apaixonada por milk-shakes. Provamos muitos deles lá, especialmente na Itália. Já de volta, tomei um milkshake em Nova York e percebi como os sabores eram ruins e sem variedade, em comparação. Então, abri minha própria loja, em Boston”, conta.
A I Love Milkshakes abriu em novembro de 2013, enquanto Desouza estava no segundo ano da faculdade de administração. Ela investiu entre 80 e 100 mil dólares, com a ajuda dos pais empreendedores (entre 240 mil e 300 mil reais, aproximadamente).
O diferencial do empreendimento, segundo Desouza, é o foco na qualidade de vida e nos sabores únicos: o cliente pode customizar o milkshake do jeito que quiser, com as frutas batidas na hora. “Isso veio muito do Brasil. Lá, os sucos e sorvetes costumam ser feitos com a polpa. Aqui é tudo muito à base de caldas industrializadas”, explica.
O maior desafio da empreendedora foi a elaboração de um cardápio adaptado aos estadunidenses – manter seu diferencial, mas sem simplesmente copiar o que ela viu em outros países.
“A marca e o produto passarão por um procedimento demorado de adaptação: é preciso entender exatamente quais as demandas e oferecer itens condizentes. Nessa hora, é importante contatar uma empresa de consultoria do estado em que você vai atuar”, recomenda.
Na I Love Milkshakes, há hoje sabores típicos do Brasil, como açaí e maracujá. Outros são misturas brasileiras e estadunidenses, como o milkshake de banana com Nutella.
O sucesso foi tanto que Desouza abriu uma unidade da I Love Milkshakes em Vitória, no Espírito Santo. A filial brasileira é administrada pelo tio da empreendedora.
O negócio também começou a planejar a expansão por franqueamento, no ano de 2015. “Eu vi que tinha um grande potencial de crescimento na área de milkshakes, além de a operação ser simples.”
O primeiro quiosque irá abrir este mês, também em Boston. “Iremos avaliar os resultados da primeira unidade antes de atender os outros pedidos de franqueamento. Talvez, no meio do ano, comecemos a vender outras franquias”, diz Desouza.
O investimento de uma unidade franqueada fica entre 150 e 250 mil dólares (entre 450 mil e 750 mil reais), variando entre os formatos quiosque e loja, e o prazo de retorno é de 24 meses.
A I Love Milkshakes faturou 400 mil dólares (cerca de 1,2 milhão de reais) em 2016. Para 2017, o empreendimento pretende atingir um faturamento de 500 mil dólares (1,5 milhão de reais), no mínimo.
Inove ou feche as portas
É o caso do italiano naturalizado brasileiro Federico di Franco, por exemplo. Em 2014, ele se mudou com a família para os Estados Unidos. “Fomos de São Paulo para Miami e montamos um negócio em cerca de cinco meses: a Bianco Gelato, que produz sorvetes artesanais tanto para lojas próprias quanto outros pontos de venda”, explica di Franco.
O empresário conta que queria dar uma experiência diferente da vivida no Brasil para sua família. Mesmo assim, houve também uma razão empresarial para entrar no mercado americano.
“Entendi que o mercado de sorvetes saudáveis estava em expansão lá. Também não havia no Brasil a matéria-prima para o meu negócio em quantidades escaláveis e preços viáveis, como o leite de amêndoa orgânico, por exemplo. Aqui, nosso negócio consegue ser democrático e não de elite, como seria no Brasil.”
80% dos produtos da Bianco Gelato estão no ramo de sorvetes orgânicos, enquanto os outros 20% são produtos panificados orgânicos, veganos e sem transgênicos. A esposa de di Franco, Carla, inventa as receitas e cuida da marca. Ele gerencia os aspectos administrativos do negócio.
O empreendedor conta que empreender nos Estados Unidos é mais divertido – e, mesmo assim, mais difícil. “O americano está acostumado a ver de tudo, enquanto tudo parece novidade no brasil. Aqui, você deve fazer algo realmente inovativo; se fizer o de sempre, fechará as portas. Nesses dois anos e meio, vi dez sorveterias encerrarem as atividades.”
O esforço se reflete na rotina da Bianco Gelato: di Franco afirma que trabalha das 7h da manhã até a meia-noite, vendendo sorvetes na loja e fora delas. “A produção começa às 8h. A loja fica aberta entre 11h da manhã e 11h da noite. Depois disso, ainda tem o fechamento da sorveteria.”
Agora, a Bianco Gelato está começando seu franqueamento e irá aumentar sua capacidade de produção, com a inauguração de um laboratório maior na metade de 2017. Quatro unidades franqueadas estão em fase de abertura e irão inaugurar este ano, também no estado da Flórida. O investimento inicial de uma loja é de 150 mil dólares (cerca de 450 mil reais).
Com tudo isso, a expectativa é que o faturamento total da Bianco Gelato passe de 550 mil dólares (cerca de 1,7 milhão de reais) para cerca de 700 mil dólares (cerca de 2,1 milhões de reais), em comparação anual.
Não tente dar um jeitinho nos contratos (mesmo)
Gina Alencar possui anos de experiência no mundo do empreendedorismo. Seu negócio, a Boxmania, foi criado em 1998 no Brasil. A empresa tentou expandir para a Colômbia e para o México – mas não obteve sucesso, e aprendeu com a lição.
“A gente percebeu que, especialmente no começo da expansão, precisamos morar algum tempo no país de destino e ficar em cima da implantação”, conta.
Segundo Alencar, a expansão é uma opção de investimento internacional, diante de momentos complicados no país-sede. “Não podíamos ficar esperando para ver como iria ficar a situação econômica do Brasil. Eu tinha interesse no mercado dos Estados Unidos e resolvemos expandir.”
A empreendedora ressalta como o processo de obter um visto não é simples – ela possui um de categoria L. “Não é apenas chegar e fazer. É preciso mostrar como seu projeto está empregando americanos, qual o seu vínculo com o país. Eles pedem muitos documentos e comprovações do que você está fazendo, separando quem é empresário de quem apenas quer morar nos Estados Unidos”, conta.
No fim, ela conseguiu fundar a Boxmania USA. Enquanto a empresa brasileira foca mais em itens de organização para residências, a americana resolveu focar em um mercado que está em ascensão lá, segundo Alencar: as malas.
“Criamos uma marca de licenciamento, chamada Perfect Travel Bag, como um novo conceito de organização para viagens. Dentro das malas você encontra diversas soluções - nécessaires e sacos plásticos para roupas íntimas e molhadas, por exemplo. Parece frescura, mas você percebe a diferença ao montar e desmontar a mala”, afirma.
A Perfect Travel Bag foi idealizada em 2014, mas só começou a operar em fevereiro de 2016, na Flórida. O investimento inicial foi de 400 mil dólares (cerca de 1,2 milhão de reais) e, hoje, há uma loja e um quiosque próprios.
No meio do caminho, Alencar conta que teve novamente de se adaptar aos processos do país. “O fechamento de aluguéis, contratos, negócios e seguros são feitos de forma diferente: são acordos mais frios, sem muita amizade e jeitinho. São aspectos que só se aprendem com adaptação e experiência prática, e isso leva pode levar de seis meses a um ano de vivência local sobre como os sistemas funcionam”, diz Alencar.
A Perfect Travel Bag trabalha por meio de licenciamento, com pontos de venda que comercializam os produtos da marca. “Nosso plano é trabalhar também com a venda dentro de grandes redes, mas mantendo a ideia de que a mala possa ser divulgada como conceito e marca, e não no meio de outros vários produtos.”
Hoje, são três licenciados, sendo que um é brasileiro. “Estamos lançando novos itens para 2017 e negociando algumas expansões, inclusive para interessados em licenciamento no Panamá e no Equador.”
Um quiosque licenciado da Perfect Travel Bag custa cerca de 50 mil dólares (cerca de 150 mil reais), enquanto uma loja pequena sai por 100 mil dólares (cerca de 300 mil reais). A perspectiva de retorno do investimento fica entre 18 e 24 meses. O negócio espera chegar a 20 licenciados este ano.
Mas nem só de negócios em setores mais tradicionais vivem os brasileiros que foram empreender nos EUA: alguns estão querendo competir com as famosas startups do Vale do Silício.
EXAME.com entrevistou três startups brasileiras, cada uma com sua história: uma empresa que expandiu para os EUA após anos de atuação; uma empreendimento relativamente novo, que entrou no país há poucos meses; e, por fim, uma startup que ainda planeja sua chegada a solo americano.
Abandone um pouco a idealização e coloque os pés na realidade
É o caso da UPX Technologies, uma empresa brasileira de soluções de segurança e performance na internet. O negócio surgiu em 2002 e atende desde grandes empresas, como o Bradesco, até pequenas emissoras de rádio.
A chegada aos Estados Unidos só ocorreu 12 anos depois, em janeiro de 2014.
“A expansão se deu a partir do momento que detectamos que o que fazíamos no Brasil já estava sofisticado o suficiente para nos tornarmos globais”, explica Bruno Prado, CEO da UPX. “Nós pensamos que o nosso produto pode ser vendido em qualquer parte do mundo, por ser uma solução tecnológica. Se a economia de um país está ruim, outro pode colaborar com nossos resultados.”
A UPX começou seu planejamento com um teste de mercado, por meio da venda terceirizada em um marketplace americano: o negócio anunciava em um site que reúne vários serviços, e os clientes poderiam optar pela solução da UPX. Isso provou que havia demanda, e a startup brasileira resolveu investir mais pesado em 2014.
Esse foi o início de um longo processo de estruturação, que levou um ano e meio. Primeiro, a UPX adaptou sua plataforma para espanhol e inglês e contratou pessoas fluentes no idioma. Depois, falou com um advogado local e com uma consultoria para entender como funcionam os contratos de contabilidade, de contratação de funcionários e do mundo jurídico dos Estados Unidos.
“Com isso, reestruturamos nosso plano de negócios para estabelecer toda a operação fora do Brasil. Também contratamos um profissional local de canais de venda, que conhece bem o mercado e tem aberto diversos canais de negociação abertos”, diz Prado.
A UPX assinará seu primeiro canal de vendas próprio neste mês, e pretende captar 50 clientes americanos até o fim de 2017. O negócio fechou 2016 com um faturamento de 36 milhões, e pretende recuperar o valor investido na expansão internacional em até seis meses.
Como conselho a quem também que chegar aos Estados Unidos, Prado recomenda não se deixar levar apenas pelos sonhos. “Quando você tem uma startup e recebe um aporte de capital, o seu aspecto emocional costuma ficar na frente do racional. Eu já vi vários negócios que foram aos EUA e alugaram o melhor escritório da cidade, investiram em mobília e contrataram profissionais caros. Todo o dinheiro foi embora, e eles não duraram nem um ano. É preciso agir com cautela.”
Construa um produto realmente de qualidade, sabendo ouvir
O negócio dos empreendedores Fernando Pavani e Stefano Milo também começou com perspectivas globais: em 2014, eles inauguraram uma plataforma de compra de moeda estrangeira online, chamada BeeCâmbio.
Hoje, a BeeTech se transformou em uma startup de soluções financeiras tecnológicas – incluindo tanto a BeeCâmbio quanto a Remessa Online, um serviço para mandar dinheiro a outros países.
Segundo os empreendedores, a startup pratica um spread (diferença entre taxa cobrada e taxa de captação do valor) menor do que os bancos tradicionais para esse tipo de transferência, além de oferecer uma plataforma mais fácil de se usar. O spread médio da plataforma é de 1,6% ao mês.
Hoje, a BeeTech possui 20 mil clientes, sendo que 5 mil usam a Remessa Online. A maioria dos consumidores é de classe alta, e envia dinheiro para contas no exterior e para pagar a educação internacional dos filhos, por exemplo.
“Como somos um serviço que atravessa fronteiras, ter um alcance global é fundamental. Vemos que muito do capital que entra no Brasil vem dos Estados Unidos, e lá há muitas corretoras tecnológicas com as quais podemos fazer integrações e parcerias”, explica Milo.
A BeeTech chegou aos EUA há dois meses, e está justamente procurando parceiros americanos que possam indicar a startup aos seus clientes que enviam dinheiro internacionalmente.
Há atualmente duas corretoras parceiras da BeeTech em solo americano. “A opção de mandar e receber dinheiro pelos Estados Unidos, no site dessas corretoras, funciona com a Remessa Online. Os clientes delas já fazem um cadastro simplificado na nossa plataforma, com dados preenchidos automaticamente.”
A BeeTech, hoje, está desenvolvendo uma ferramenta para centralização não apenas o envio de dinheiro, mas o recebimento – hoje, o recebimento é vinculado a corretoras parceiras.
Como dica a futuros empreendedores nos Estados Unidos, Milo recomenda ter uma abordagem muito profissional, com foco em detalhes. "A diferença entre o regular e o excepcional é a atenção dada ao detalhe. Você tem que mostrar que tem realmente algo de qualidade. Pode parecer besteira, mas assim seus clientes e parceiros percebem que você tem um time diferenciado por trás do negócio, e isso faz toda a diferença para um imigrante."
Não queira dominar os Estados Unidos de uma vez: ataque nichos
A MidiaMobi, plataforma brasileira de gestão de conteúdo para o marketing e para as redes sociais de empresas, foi criada em 2014 pelos empreendedores João Gonzalez e Martius Haberfeld.
O negócio atende 100 clientes hoje: desde pequenas empresas até grandes clientes, como o grupo Hypermarcas. Ao todo, cerca de mil usuários usam a plataforma.
Assim como a UPX, a MidiaMobi também tinha pretensões globais em seu planejamento. “Já na nossa pesquisa de mercado, pensamos em como nossa solução se encaixaria em outros países. Olhamos para empresas que fizeram sucesso lá fora sem terem surgido de grandes potências econômicas, como Mercado Livre [argentina] e Spotify [Suécia]. Como a gente é uma empresa de software, nosso foco é o mercado global”, explica Gonzalez.
No momento, a MidiaMobi está estudando a burocracia para se estabelecer nos Estados Unidos e em países da América Latina e procurando parceiros locais para a venda online do serviço. “Buscamos empreendimentos complementares, porque assim podemos distribuir melhor nossa solução em um mercado tão grande quanto o dos Estados Unidos. Por exemplo: empresas como MailChimp e Zendesk atendem o mesmo público que nós, mas possuem serviços que não competem com o nosso.”
O empreendimento ainda está estruturando sua expansão para os EUA: a ideia é ter o planejamento pronto no fim de 2017, para começar a operar as parcerias em 2018.
É algo que leva tempo. “Temos de buscar contatos no mercado, ainda que já tenhamos alguns, e elaborar um plano de negócios contundente. A maior dificuldade é elaborar uma estratégia diante de variáveis tão específicas em cada estado americano, como o perfil de consumidor. Antes de tomar ações específicas, estudaremos bastante”, diz Gonzalez.
As regiões desejadas são Nova York, por ter um forte mercado de comunicação; Califórnia, por concentrar fundos de investimento, uma opção de alavancagem futura; e Boston, por também ser um hub de startups.
Mesmo atuando em locais tão conhecidos, a estratégia que a MidiaMobi tomará é achar pequenos nichos para se tornar relevante. “Por exemplo, queremos ser relevantes para os designers de Los Angeles, e então tentar expandir. É um trabalho de formiguinha mesmo: ter como meta dominar metade do mercado americano é uma loucura, por exemplo.”
Para este ano, a MidiaMobi pretende aumentar sua base de clientes para 400 empresas e 3000 usuários ativos.
Donald Trump provocou muitas polêmicas durante o processo das eleições americanas. Uma das mais conhecidas diz respeito à imigração: ele afirmou que retomaria os projetos de construção de um muro que separaria os Estados Unidos do México. Há poucas semanas, assinou o projeto e oficializou sua promessa.
Com tal posicionamento, surgem muitas dúvidas sobre como será a relação de Trump com os imigrantes ao país. Será que os brasileiros que querem abrir negócios nos Estados Unidos serão afetados?
Os empreendedores consultados por EXAME.com deram análises mistas: há quem diga que Donald Trump será melhor para a economia americana do que o último governo. Também há aqueles que afirmam não ter visto grandes alterações no seu mercado de atuação.
Por fim, há os que defendem que o maior controle sobre os imigrantes pode afetar a operação de muitos negócios para pior – pode haver menor diversidade na hora de contratar funcionários brilhantes e em atrair consumidores, como ressalta o governador do estado de Delaware, por exemplo.
“Quais CEOs responsáveis e inovadores alienariam grandes fontes de talentos e consumidores? Nenhum, porque seus quadros administrativos os demitiriam na hora. Mas Trump alienou latinos (o poder de compra deles nos Estados Unidos: mais de um trilhão de dólares) e muçulmanos (mais de 125 bilhões de dólares”, analisou Jack Markell, que também é empresário, à Forbes.
Já segundo os especialistas ouvidos por EXAME.com, o brasileiro pessoa física que entra nos Estados Unidos pode enfrentar agora mais problemas do que antigamente – o que é um obstáculo para quem ainda está na fase de ideação do empreendimento.
“O governo americano é muito bem aparelhado, e já estamos vendo mais fiscalização e prazos mais longos na hora de conceder os vistos. Vários clientes têm sido parados e questionados na imigração, o que antes não acontecia. Os EUA sabem que o volume de pedidos brasileiros já cresceu muito e vai crescer ainda mais, o que acende um alerta”, afirma o especialista Manual Mendes.
Donald Trump assinou recentemente algumas mudanças no controle migratório que reforçam tal fiscalização. A concessão de vistos para brasileiros mudou: agora, todos os solicitantes deverão passar por entrevista pessoal. Antes, quem renovasse seu visto na mesma categoria, em até 48 meses após o vencimento, não precisaria refazer essa etapa.
Mesmo com esse obstáculo na pessoa física, Pedro Drummond analisa que os empreendedores já legalizados não sofrerão o mesmo impacto.
“As mudanças imigratórias mais significativas, até o momento, estão voltadas para estrangeiros de outros países, não o Brasil. Não há nada que indique que, no futuro, teremos maior dificuldade para o processo de visto de executivos brasileiros transferidos para cuidar do empreendimento a ser estabelecido nos Estados Unidos.”
Mendes concorda com a análise: para quem já se preparou para abrir um empreendimento que traga investimentos para os Estados Unidos, a tendência é que as portas estejam abertas.
“Baseado no que existe no plano de governo e no que a gente escuta, há uma política de incentivo forte à captação de investimento e do fortalecimento do pequeno negócio americano. A empresa que quer realmente criar raízes vai ser beneficiada”, explica. “Agora, quem quer somente exportar seus produtos para os Estados Unidos pode enfrentar obstáculos, como mudanças tarifárias e protecionismo.”