Loja da MadeiraMadeira em Curitiba, aberta antes da pandemia: vendas de móveis online no Brasil subiram mais de 200% em maio e junho (MadeiraMadeira/Divulgação)
Carolina Riveira
Publicado em 24 de julho de 2020 às 06h00.
Última atualização em 24 de julho de 2020 às 09h05.
O isolamento e o home office forçados pelo novo coronavírus levaram uma massa de trabalhadores a passar mais tempo em casa e um dos resultados indiretos foi a maior compra de móveis pela internet -- tanto para adaptação à nova rotina de trabalho quanto para renovar e decorar a casa. A alta nas compras dessa categoria no online continua, mesmo passado os primeiros meses da pandemia.
O número de pedidos de móveis subiu 207% no acumulado em maio e junho na comparação com 2019, com 2,5 milhões de pedidos, segundo levantamento exclusivo feito pela empresa de inteligência de e-commerce Compre&Confie à pedido da EXAME. O faturamento do segmento na internet subiu 196% no período, para 1,5 bilhão de reais.
Tanto a alta em vendas na comparação com o ano anterior quanto o número de pedidos no biênio maio-junho foi inclusive maior do que em março-abril, no começo da pandemia. Em março e abril, a alta havia sido de 92% ante 2019, com 1,5 milhão de pedidos e 900 milhões de reais em faturamento (alta de 82%).
O levantamento engloba mais de 80% das compras feitas online no Brasil. Em ambos os biênios, os itens mais vendidos foram guarda-roupa, cadeira, sofá, cama e colchão. O ticket médio por compra fica em pouco mais de 600 reais.
"Logicamente não sabemos quando dessa penetração vai ficar, mas acreditamos que muito não vai voltar", diz Daniel Scandian, presidente e co-fundador da startup especializada em venda online de móveis MadeiraMadeira. "O espaço para crescer segue grande: ainda num cenário super otimista, de 15% de penetração do e-commerce, ainda haverá 85% das pessoas no offline".
Na MadeiraMadeira, o mês de abril foi 60% melhor do que março em vendas. Móveis para escritório e para quartos cresceram cerca de 90%. Já eletrodomésticos subiram 250%, com destaque para aparelhos de ar e ventilação e eletroportáteis.
Para dar conta da demanda, a Madeira vem contratando cerca de 100 pessoas por mês, e a projeção informada à EXAME no mês passado era chegar a mais de 300 novas contratações. A equipe tem hoje mais de 900 funcionários.
A crise e a necessidade de investimento em algumas frentes pegou a empresa num momento propício: a MadeiraMadeira havia acabado de receber, em setembro de 2019, um aporte de 110 milhões de dólares liderado pelo grupo japonês Softbank.
Na Mobly, também especializada no setor, outro destaque apontado foram as mídias sociais: houve até maio um aumento de 60% nas vendas provenientes de redes sociais na comparação com a projeção feita antes da pandemia.
A empresa vem usando a bem-sucedida estratégia de lives na quarentena também para os móveis, levando os clientes a visitas por apartamentos instagramáveis. Para atrair os compradores às transmissões, a empresa entrega cupons exclusivos. Os posts com maior engajamento nas redes sociais são ainda os da campanha #MoblyDoMeuJeito, que mostra casas de clientes usando os produtos da empresa. A busca de um móvel por imagem, lançada no ano passado pela empresa, cresceu mais de três vezes neste ano.
As empresas do setor também estão entre as startups que mais cresceram em buscas no Google durante a pandemia. A MadeiraMadeira teve alta de 70% em buscas entre março e abril de 2020, segundo estudo do Google, e a Mobly, de 52%.
Nas buscas, as startups de móveis ficaram à frente de empresas como a PetLove, de e-commerce de itens para animais de estimação, e Beleza Na Web, de cosméticos.
Na outra ponta, o crescimento trouxe também desafios, como o aumento do volume e buracos na cadeira logística -- que, para móveis, já é mais complexa do que em alguns outros setores devido ao volume dos itens. "Vimos muitos desafios principalmente no começo da pandemia, muitos municípios com indústria fechada e tivemos que retirar produto do site, ou muita transportadora que fechou diante da crise. Mas nossa indústria conseguiu absorver isso", diz Victor Noda, co-fundador e presidente da Mobly.
Com as lojas físicas fechadas, a participação do online nas vendas totais de móveis teve um salto. A fatia, que ficava abaixo de 10% antes da pandemia, chegou a quase 21% em maio, segundo cálculos da Mastercard compilados pelo banco BTG Pactual. Na média do e-commerce, a penetração foi menor: chegou a 12%, ante cerca de 6% antes da pandemia.
Agora, para a retomada do comércio, as empresas também se voltam a suas estratégias multicanal, que já haviam sido iniciadas nos últimos meses.
A Mobly abriu em julho do ano passado sua primeira loja física, em São Paulo, que funciona como mostruário de alguns móveis e tem algumas centenas de peças menores em estoque.
Desde então, inaugurou também outra dezena de espaços, incluindo outlets (em que também são vendidos produtos que foram devolvidos por clientes ou com pequenas avarias) e lojas menores em bairros. A Mobly tem hoje lojas em bairros mais afastados do centro de São Paulo e cidades nos arredores, como Campinas e Guarulhos.
Os espaços das lojas podem atuar como estoque avançado para entrega expressa, outro fator que as empresas esperam usar para impulsionar a qualidade e aceitação das vendas online.
Antes da pandemia, a MadeiraMadeira também havia lançado neste ano em Curitiba sua primeira loja física, no modelo de showroom, sem estoque.
A Leroy Merlin, de materiais de construção, móveis e decoração, também afirma que prevê crescer de 7% a 8% neste ano, com vendas chegando a 6 bilhões de reais, segundo entrevista anterior à EXAME. Em uma das lojas, na zona norte de São Paulo, o movimento dobrou em relação a antes do isolamento, mesmo durante a quarentena, incluindo com estratégias multicanal. O e-commerce ainda responde por só 6% do faturamento, mas também foi um dos grandes destaques na pandemia: os pedidos online foram de 80 por dia antes da quarentena para 700 diários.
O setor de móveis também enfrenta os desafios inerentes à crise econômica, como o desemprego no Brasil, a retração da economia e o foco dos consumidores em bens essenciais, como alimentação e saúde. Comprar um sofá novo, nesse contexto, pode ser um plano classificado com a alcunha de supérfluo no médio prazo.
No acumulado do ano, a categoria de móveis tem queda de 9,3% nas vendas entre janeiro e maio, segundo os últimos dados da Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE, divulgada neste mês. No acumulado da categoria móveis e eletrodomésticos, a queda cai para 7,1%.
Contudo, após o fundo do poço de março e abril, a categoria cresceu 47,5% em maio na comparação com abril. Podem ser sinais de uma retomada mais consistente do varejo como um todo, que cresceu acima das expectativas dos analistas em maio (últimos dados disponíveis do IBGE).
Para as empresas que apostam no crescimento do comércio eletrônico, a expectativa é que a retomada do setor aconteça, mas mantendo o interesse dos clientes pelas compras na internet.
"Eu vi recentemente uma análise muito interessante: a tecnologia crescia em uma velocidade exponencial, mas não a adaptação das pessoas à tecnologia", afirma Scandian, da MadeiraMadeira. "Agora, no e-commerce e em muitos produtos digitais, houve uma aceleração da frente de adaptação das pessoas, o que é essencial não só agora mas para o nosso futuro."