Muitos podem ter escolhido empreender mesmo sem terem sido demitidos, mas, em sua maioria, trata-se de uma ocupação "mais volátil" (Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 17 de maio de 2015 às 10h30.
São Paulo - O emprego tradicional, com carteira assinada e patrão, está perdendo terreno para formas mais precárias de ocupação. A falta de vagas no mercado de trabalho, que vem despontando com mais força neste ano, empurrou boa parcela dos brasileiros para os serviços por conta própria, normalmente mais voláteis, imprevisíveis e com menor remuneração.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, mostram que, entre março do ano passado e março deste ano, 868 mil pessoas passaram a trabalhar por conta própria, ampliando para 21,773 milhões o contingente nessas condições.
Na contrapartida, 740 mil pessoas perderam a condição de empregados, restando um saldo de 46,1 milhões de trabalhadores no setor privado, com e sem carteira assinada.
Não fosse essa substituição, somada ao aumento de 359 mil empregados no período, o índice de desemprego no País, que chegou a 7,9% em março, teria ultrapassado os 9%, calcula o pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Eduardo Zylberstajn.
"Se todas as pessoas que optaram pelos serviços por conta própria estivessem procurando emprego, a taxa iria para 9,2%", diz Zylberstajn.
Ele pondera que muitos podem ter escolhido esse tipo de trabalho mesmo sem terem sido demitidos, mas ressalta tratar-se, em sua maioria, de uma ocupação "mais volátil, imprevisível e que prejudica o rendimento familiar".
Por um lado, essa situação contribuiu para que o saldo da população ocupada no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2014 continuasse positiva - cresceu 0,8%, para 92 milhões de pessoas. Por outro, traz mais instabilidade e reduz o índice de confiança dos consumidores.
"Normalmente, o trabalho autônomo é mais precário que o emprego. O fluxo de rendimento é menos previsível, há uma incapacidade de projetar o futuro, de comprovar renda e, portanto, de obter crédito. É uma regressão", afirma o pesquisador da Fipe.
"Esse movimento não é o empreendedorismo como conhecemos; é um espelho da perda de ritmo da formalização", diz Rafael Bacciotti, economista da Tendências Consultoria.
"A pessoa sozinha ou com algum auxiliar começa um empreendimento como alternativa, já que o mercado de trabalho está muito ruim", observa.
Para Zylberstajn, esse quadro "reforça a leitura de que o mercado de trabalho finalmente sentiu a desaceleração econômica que vem ocorrendo desde 2011".
Em sua opinião, o ciclo de deterioração do emprego deve se manter por um tempo considerável. "Com certeza, antes de 2016 não sairemos dessa situação", prevê.
Por sete anos Ulisses Santoro rodou a cidade de São Paulo todos os dias em busca de clientes para a empresa de telecomunicações na qual trabalhava.
Hoje, aos 50 anos, continua rodando por aí, mas numa missão diferente: fazer entregas de seu próprio serviço de marmitex e congelados.
"Hoje, meu raio de atuação é 1 quilômetro. Antes, era a cidade toda", conta ele. Após ser demitido com outros colegas, no início de 2014, montou com a esposa Teresa o próprio negócio de delivery, chamado Mama Maria Refeições - uma homenagem à sogra. "Não sou o melhor marido do mundo?", brinca.
O negócio funciona no próprio apartamento do casal, na Vila Mariana, zona Sul de São Paulo. Eles contrataram uma cozinheira e, aos poucos, passaram a investir em equipamentos, como freezers e uma balança de precisão.
"No total, gastei uns R$ 3 mil. Nem precisou de tanto investimento, é mais coragem, porque você fica meio receoso", diz.
A escolha da investida na área da alimentação não foi à toa. "Queria algo no ramo de comida, porque pode vir crise, pode parar a construção civil, o ramo de automóveis, pode mandar todo mundo embora, mas sempre alguém vai precisar comer."
Ulisses afirma que, apesar de o negócio ainda estar no início, ele consegue um faturamento próximo ao que tirava como empregado. Para ele, no momento atual do mercado, pensar numa alternativa é necessário. "O sistema de aposentadoria, por exemplo, é pífio. As pessoas têm de se virar, pensar num plano B, seja qual for a profissão."
Camisetas. Formada em moda, Renata Barbosa, que mora em Sorocaba (SP), não via grandes perspectivas na cidade para sua profissão. "Aqui há apenas duas confecções grandes. Eu já passei por ambas, e tinha duas opções: ou trabalhava no comércio ou ia para São Paulo", diz ela, que tem 33 anos. Renata foi para a capital em busca de emprego, mas o alto custo de vida a fez retornar a Sorocaba, onde migrou para o comércio.
Para complementar a renda enquanto trabalhava como vendedora de uma loja de roupas, começou a confeccionar camisetas estampadas para amigos. Por falta de tempo, teve de parar com o negócio. Em abril, porém, foi demitida do emprego.
Com o dinheiro da rescisão, cerca de R$ 2,5 mil, decidiu investir de vez no ramo de camisetas.
"Comprei uma máquina, tecido e fiz parceria com a estamparia de amigos. Faço a modelagem, corto e costuro, além da arte da estampa", diz. Renata não sabe ainda quanto vai obter de renda, e conta que tem vários amigos na mesma situação.
"Na semana que vem haverá um bazar só para esse tipo de coisa: terá brechós, gente com a própria marca de roupas, gente que faz bijuteria. Cada um está se virando como pode, porque este ano a economia está bem complicada", diz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.