Newton de Oliveira, da IBG: A passagem por várias áreas da empresa funciona como um atrativo (Daniela Toviansky)
Da Redação
Publicado em 4 de dezembro de 2011 às 08h00.
Aanedota é conhecida: quando algo dá errado numa empresa e ninguém tem coragem de assumir a responsabilidade, de quem é a culpa? Só pode ser do estagiário — geralmente um jovenzinho que passou por ali correndo e nem está mais na empresa quando o problema é descoberto.
A piada foi inventada para ilustrar a falta de transparência e o ambiente de medo que ainda existe em algumas grandes companhias — mas indica também um contexto em que o estagiário é visto como alguém que não sabe fazer nada direito e, quando tenta, não acerta.
"No Brasil, a maioria das empresas trata o universitário como mão de obra desqualificada", afirma o consultor Wilson Trevisan, que atende pequenas e médias empresas. "Mas quase sempre o desempenho insatisfatório é culpa de um mau chefe, que encheu o estagiário de tarefas bobas e nem explicou como executá-las."
Nos últimos tempos, essa cultura vem mudando, sobretudo nos pequenos e médios negócios. Um número cada vez maior de empreendedores passou a enxergar nos estágios um jeito de atrair mão de obra que, depois de treinada, tem mais condições de desempenhar papéis importantes numa empresa em crescimento — sem ser obrigados a arcar com salários que, dependendo da profissão e do setor, vão muito além do que podem pagar.
Neste ano, em que falta mão de obra de qualidade para as vagas criadas com o aquecimento econômico, essa lógica ganhou ainda mais força. Recentemente, a consultoria de recursos humanos Manpower fez um levantamento para medir o tamanho do problema. O estudo revelou que 57% das empresas brasileiras têm dificuldade para conseguir pessoas com preparo suficiente para ocupar posições consideradas cruciais — e não há sinais de que a situação vá melhorar muito no futuro próximo.
"Quem conquistar bons estagiários hoje deve sofrer menos com o apagão de talentos no médio prazo”, diz Márcia Almström, diretora da Manpower. “Por isso, as pequenas e médias empresas deveriam investir mais em programas que atraiam os melhores alunos e ter uma estratégia para mantê-los."
É o que acontece na paulista Apdata, que deve faturar 26 milhões de reais em 2011 com a venda de softwares para gestão de recursos humanos. "Selecionamos nossos estagiários de acordo com a possibilidade de realmente contratá-los", afirma Luiza Nizoli, de 50 anos, sócia da empresa.
Na Apdata, a criação de vagas para estagiários é precedida de um estudo que aponta as áreas em que é mais provável faltar gente conforme a empresa cresce. Quem poderá ser promovido e quando? Quem deverá ser transferido? Com base nesse planejamento, a Apdata verifica em que partes da empresa o efeito dominó provavelmente deixará um espaço que poderia ser ocupado por um jovem logo após o final do estágio. "Em 95% dos casos, nossos estagiários continuam conosco, como funcionários", diz Luiza. Hoje, a Apdata tem 28 estagiários e 280 funcionários.
A estratégia da empresa tem dado certo porque tudo funciona como numa operação casada. Se a probabilidade é de que determinada vaga venha a ser desocupada ou criada daqui a, digamos, seis meses, o estágio relacionado a ela não deve durar muito mais que isso. Se o plano é para daqui a um ano, o tempo de estágio deve ser maior.
"É possível fazer planos para até dois anos, que é o prazo máximo de estágio permitido em lei", diz Márcia, da Manpower. "Assim, candidatos que de antemão não se encaixem no perfil desejado para seguir carreira na empresa devem ser eliminados logo de cara."
Empreendedores interessados em aprimorar seus planos de estágio ou que vão começar a montá-los agora devem levar em conta que a disputa pelos melhores candidatos aumentou. "Até há pouco tempo só cuidávamos dos processos seletivos de grandes companhias, que requisitam dezenas de estagiários", afirma Carla Esteves, da Companhia de Talentos, empresa paulista especializada em recrutamento de jovens.
"Nos últimos cinco anos, a procura de pequenas e médias empresas pelo nosso serviço aumentou, e tivemos de criar programas para contratar quatro ou cinco pessoas."
Dispor dos serviços de uma empresa especializada em recrutamento de profissionais jovens, como a Companhia de Talentos, pode ser um jeito ágil de obter os melhores estagiários. Como as agências de emprego tradicionais, essas empresas contam com bancos de dados para pinçar o candidato com o perfil mais próximo do solicitado.
O empreendedor pode pedir, por exemplo, para que a lista seja filtrada por faculdade ou por quanto tempo falta para a formatura. O preço desse serviço costuma girar em torno de 1.700 reais por vaga preenchida.
Há cinco anos, o empreendedor Newton de Oliveira, de 60 anos, achou melhor recorrer a uma ajuda desse tipo para encontrar bons estagiários para sua empresa, a distribuidora de gases industriais IBG. Sediada em Jundiaí, no interior de São Paulo, a IBG tem 15 unidades em nove estados. "Era complicado achar gente realmente boa espalhada em tantas cidades", diz ele.
Oliveira procurou então o Centro de Integração Empresa-Escola — uma instituição filantrópica que administra um banco de dados com informações de milhares de estudantes de diversas faculdades do país. Hoje, a IBG, que deve faturar 140 milhões de reais neste ano, tem 350 funcionários e 48 estagiários.
"Muitos dos atuais empregados vieram dos nossos programas de estágio", diz Olveira. É esse o caso do administrador de empresas Hélio da Fonte Júnior, de 26 anos, que acabou de ser efetivado no departamento de logística, em Jundiaí. "Antes disso, passei por uma porção de departamentos durante o período do estágio", diz ele. "Isso me ajudou a ter uma visão muito mais completa do que a empresa faz."
Planejar um rodízio pelos departamentos da empresa, como faz a IBG, pode ser conveniente para muitas pequenas e médias empresas em crescimento que, quase sempre, precisam de flexibilidade para transferir funcionários mais experientes para dirigir novos negócios.
"Nesses casos, o estágio é uma maneira de descobrir em quais atividades o candidato será mais produtivo e de que forma poderá contribuir mais para o crescimento da empresa", diz Márcia, da Manpower. "Além disso, permitir que o estagiário experimente diversas áreas é um atrativo para os jovens agitados de hoje em dia."