Alexandre Casanova, dono da ListenX: "Tenho de manter uma sala só para armazenar papéis velhos" (Daniela Toviansky)
Da Redação
Publicado em 26 de abril de 2012 às 06h00.
São Paulo - Diante das dificuldades para cumprir as normas no Brasil, muitos empreendedores se perguntam por que há tanta burocracia — e o que impede que esse mal seja combatido.
Num país em que já houve até um Ministério da Desburocratização, comandado pelo economista Hélio Beltrão do final dos anos 70 ao início da década de 80, não faltam iniciativas para diminuir os problemas causados pelo excesso de procedimentos legais e pela morosidade dos órgãos públicos.
O problema é que, quase sempre, as boas intenções andam mais devagar do que deveriam. É o caso da reforma tributária, que há mais de 15 anos patina pela falta de acordo entre governo federal, estados e municípios sobre quem deve recolher quais impostos. Nas próximas páginas, Exame PME mostra cinco pontos que precisam ser atacados com urgência para diminuir o excesso de procedimentos legais e a morosidade dos órgãos públicos, mas que ficam emperrados em algum ponto do caminho.
1 A abertura de empresas
Não há exagero em dizer que o primeiro desafio dos empreendedores brasileiros é formalizar a abertura da empresa. Antes de poder fazer suas primeiras compras, abrir conta no banco e atender os clientes, é preciso percorrer diversos órgãos públicos para pagar taxas e obter alvarás.
É uma via-crúcis que faz a abertura de um negócio no Brasil demorar, em média, 119 dias — quatro vezes o tempo que se leva nos demais países do Bric (sigla que designa Brasil, Rússia, Índia e China), segundo o estudo Doing Business, do Banco Mundial.
O que está sendo feito
Desde 2007, o governo federal mantém a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), um programa para diminuir a burocracia na abertura e no fechamento de empresas. Quem possui um negócio cuja previsão é faturar até 36 000 reais por ano pode abrir uma empresa no Portal do Empreendedor — tudo é feito pela internet, sem a necessidade de comparecer a algum órgão público.
O objetivo é ampliar o conceito do programa para, no futuro, permitir que empresas de maior porte também possam tratar seus assuntos de uma forma menos complicada do que hoje, em que boa parte das pendências acaba tendo de ser resolvida pessoalmente nas juntas comerciais.
Um projeto piloto desse tipo já está funcionando em Minas Gerais. O engenheiro de alimentos Pedro Prates, de 28 anos, conseguiu abrir sua empresa em oito dias. Ele é dono da Certum, consultoria ambiental especializada em análises de solo, água, sementes e resíduos de agrotóxicos.
"Registrar minha empresa foi mais rápido do que eu esperava", afirma ele. "Seria ótimo se os empreendedores de todo o país pudessem ter a mesma facilidade que eu tive."
Onde estão os gargalos
Por enquanto, oito estados, além de Minas Gerais, estão em fase de implantação da Redesim em nível estadual e municipal: Santa Catarina, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Maranhão, Rio Grande do Sul, Amazonas, São Paulo e Piauí. O próximo passo é a integração dos sistemas estaduais com a Receita Federal.
O que atrasa o avanço da Redesim é a necessidade de uniformizar o emaranhado legal que rege a abertura de empresas pelo país afora. Em Minas Gerais, foi preciso unificar as normas municipais dos bombeiros e da vigilância sanitária. Iniciativas assim nem sempre são tarefa fácil.
"O maior gargalo na implementação da Redesim costuma vir dos municípios, nem sempre dispostos a padronizar os procedimentos necessários", diz Inês Schwingel, gerente adjunta da unidade de políticas públicas do Sebrae Nacional.
2 A reforma tributária
Reforma tributária é daqueles assuntos que há anos entram e saem do cardápio do brasileiro como se fossem frutas de estação. Agora, por exemplo, está na época de novo. Enquanto isso, às empresas brasileiras continua sendo servida, diariamente, uma indigesta salada tributária.
Burocracia fiscal, legislação confusa e mudanças constantes nas regras são os seus principais ingredientes. Uma das maiores complicações para as pequenas e médias empresas está num regime chamado substituição tributária, que transfere para o início da cadeia produtiva o recolhimento do ICMS das demais fases até o consumidor final.
É isso mesmo: um imposto que incide sobre a venda do produto é recolhido na etapa da fabricação. Veja como a substituição funciona no caso da Sanaj, fabricante paulista de cosméticos e produtos de higiene pessoal e perfumaria que faturou 11,5 milhões de reais no ano passado.
Como a Sanaj é uma fábrica, tem de recolher o imposto devido por ela, pelo distribuidor e pelo lojista que irá colocar seu produto na prateleira. "O maior impacto é nos itens mais populares", diz Tennyson Moreira, sócio da empresa. "A margem é menor e o cliente sempre pede desconto."
Como é possível saber hoje quanto pagar de imposto se o cálculo é feito sobre o preço pelo qual o produto será vendido amanhã? A margem para cálculo do imposto é definida em pesquisas de mercado contratadas por entidades de classe dos próprios setores ou por institutos como Fipe e FGV.
"As contas são feitas com valores médios das categorias de produto, o que causa sérias distorções", afirma Moreira. “Um hidratante corporal pode custar entre 4 e 120 reais."
Empresas que fabricam produtos cujo preço real é maior do que a média precisam recolher para o Fisco a diferença no mês seguinte. E quando o produto é vendido por um preço inferior àquele sobre o qual houve a tributação? Pois é, nesse caso fica por isso mesmo.
O que está sendo feito
Há 15 anos, projetos de reforma tributária tramitam no Congresso Nacional, mas nenhum foi aprovado. Agora, há uma nova tentativa. Desta vez, a reforma foi dividida em partes.
Entre as propostas está a criação do imposto sobre o valor agregado, que passaria a ser cobrado pela Receita Federal em substituição ao ICMS. Além disso, a reforma unificaria IPI, PIS, Cofins e Cide — tributos federais pagos pelas empresas — num só imposto.
Onde estão os gargalos
Até agora, todas as tentativas de reforma tributária fracassaram por não conseguir fazer com que os governos de estados e municípios concordem com as mudanças. O principal entrave foi justamente a questão do ICMS — imposto que incide sobre o consumo de bens e serviços e responde por quase metade da arrecadação no país.
Como é um tributo estadual, cada estado define as próprias regras. "O Brasil é um dos únicos países do mundo cujo principal imposto é estadual, e não federal", diz o deputado Claudio Puty (PT-PA).
3 O código comercial
O empreendedor brasileiro precisa conviver com normas que poderiam estar num museu. Promulgado em 1850, o Código Comercial Brasileiro é do tempo que a economia era baseada na mão de obra escrava. Boa parte de suas normas já foi revogada. Alguns temas do direito empresarial, como processos de falência e sociedades anônimas, hoje são regidos por leis próprias.
O código caduco é um problema para empreendedores inovadores. Empresas com algum tipo de comércio eletrônico, por exemplo, não se encaixam direito nas classificações. O código obriga as empresas a arquivar cópias em papel de cada nota fiscal e orçamento emitido para um cliente por um prazo de cinco anos.
Por causa disso, o empreendedor Alexandre Casanova, de 31 anos, mantém uma sala abarrotada de caixas na sede de sua empresa, a ListenX, que instala sistemas de som e faz a programação musical do som ambiente de restaurantes, lojas e hotéis. A empresa tem 40 funcionários e ocupa um prédio de três andares na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo.
"Numa cidade em que o espaço custa caro como São Paulo, tenho de manter uma sala de 50 metros quadrados só para armazenar papéis velhos", diz Casanova.
O que está sendo feito
Em julho do ano passado, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) apresentou um projeto de lei com uma proposta para um novo Código Comercial. O texto está aberto à discussão pública até o começo de abril. No projeto, existem normas determinando o fim da obrigatoriedade de guardar a informação empresarial em papel. Há ainda um capítulo para tratar das regras do comércio eletrônico.
Onde estão os gargalos
Agora, é preciso aguardar o processo legislativo, que pode ser um bocado lento ao analisar projetos complexos. A atualização do Código Civil, aprovada em 2001, por exemplo, tramitou durante 30 anos na Câmara dos Deputados e no Senado.
4 A concessão de patentes
A internet já faz parte do dia a dia das pessoas e das empresas há quase duas décadas, mas as mais de 150 000 solicitações de patentes que tramitam no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) ainda circulam — durante boa parte do processo — em papéis, de mão em mão, pelos corredores do órgão.
Dessa forma, o tempo médio de espera para a obtenção de uma patente registrada em 2011 foi de 8,3 anos. O prazo no Brasil é mais que o dobro do registrado nos Estados Unidos, onde o processo de registro de propriedade intelectual demora três anos e meio. Com a informatização de parte dos trâmites iniciada no ano passado, a expectativa é que os 30.000 novos pedidos que devem chegar em 2012 ao Inpi fiquem na fila por um tempo menor, em torno de 5,5 anos.
"O processo que vigorou até o ano passado, além de lento, volta e meia resultava no extravio de documentos", diz Júlio César Moreira, diretor de patentes do órgão. A lentidão atinge em cheio as finanças dos pequenos e médios negócios.
A despeito dos investimentos necessários para gerar inovação nas empresas, somente depois de finalizado o processo é possível faturar com a cobrança de royalties sobre os produtos ou as tecnologias patenteados.
O que está sendo feito
No final do ano passado, o Inpi aposentou os malotes internos. Agora, todos os funcionários acessam as informações necessárias por meio de um software recém-instalado nos computadores do órgão. Na próxima etapa, com início previsto até julho, empresas e inventores poderão realizar seus pedidos de patentes pela internet.
Onde estão os gargalos
Apesar das melhorias, os novos processos por si sós não darão conta do recado. "Estamos no limite da capacidade com o sistema informatizado", afirma Moreira, do Inpi. Para atingir a meta de examinar patentes em quatro anos até 2015, o órgão estima que será necessário aumentar de 242 para 942 o número de profissionais do Inpi.
Mesmo com as contratações — que ainda dependem de autorização para realizar um concurso público —, os problemas não serão rapidamente resolvidos. "A formação de um examinador de patentes é lenta", afirma Moreira. "Um profissional como esse só atinge um bom nível de produtividade depois de três anos de serviço."
A meta do Inpi é que o tempo de espera por um registro de patente se aproxime da média internacional até o final de 2014.
5 A legislação ambiental
Pequenas e médias empresas que necessitam lidar com os órgãos ambientais encontram, quase sempre, um ambiente hostil — com o perdão do trocadilho. É o caso, por exemplo, de indústrias que administram resíduos de produção e atividades com potencial poluidor, como postos de gasolina e empresas de mineração.
Para pôr uma fábrica em funcionamento, são necessárias três licenças: uma para aprovar o projeto da fábrica ou das instalações da empresa, outra autorizando o início das obras e uma última para permitir que a nova unidade entre em operação.
"O Brasil é um dos poucos lugares no mundo em que se exigem três licenças", afirma Edivan Costa, sócio da Sedi, consultoria especializada no licenciamento de empresas, com sede em Belo Horizonte. "A maioria dos países resume o processo a duas autorizações: uma para aprovar o projeto e outra ao final das obras, para verificar se o planejado foi cumprido."
A lei também não faz distinção entre pequenos negócios e grandes companhias — uma pequena empresa que extrai areia de um rio é submetida às mesmas exigências de uma grande mineradora, como a Vale.
"Em alguns aspectos, a legislação brasileira é tão confusa que, em vez de biólogos e engenheiros ambientais para cuidar dos projetos, os empreendedores precisam é de advogados", afirma Ivan Dutra Faria, doutor em gestão ambiental e consultor legislativo do Senado Federal.
O que está sendo feito
No final do ano passado, o governo federal lançou um pacote de medidas para regulamentar o licenciamento ambiental de obras de infraestrutura, como rodovias, portos, hidrelétricas e obras para exploração de gás e petróleo.
O objetivo é descomplicar o processo em áreas estratégicas para o crescimento do país — medida que pode beneficiar pequenas e médias empresas que estejam nas cadeias de produção desses setores. Além disso, estados como São Paulo dispensaram o licenciamento ambiental para algumas atividades de empreendimentos com pequeno potencial poluidor, como é o caso dos pequenos estabelecimentos rurais.
Onde estão os gargalos
Embora existam algumas iniciativas para simplificar o licenciamento ambiental, ainda não há um grande projeto de lei federal que possa valer para empreendedores de todo o país, independentemente de sua área de atuação.