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O veterano empreendedor

Rudolf Fritsch já tinha quase 60 anos de idade e 40 de carreira quando largou tudo para erguer a Aços Favorit, que hoje fatura 247 milhões de reais ao ano

A Aços Favorit hoje fatura 247 milhões de reais ao ano vendendo barras e tubos de aço (Mark Puplava/stock.xchng)

A Aços Favorit hoje fatura 247 milhões de reais ao ano vendendo barras e tubos de aço (Mark Puplava/stock.xchng)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

É preciso fôlego para acompanhar o alemão Rudolf Fritsch, de 72 anos, ao percorrer os pavilhões da distribuidora de Aços Favorit, em Cachoeirinha, na Grande Porto Alegre. Como ele, há um bocado de gente com cabelos brancos pela empresa. "Muita gente acha que os jovens são mais produtivos, mas nem sempre isso é verdade", diz ele. Fritsch tinha 58 anos e trabalhava há quase 40 como funcionário da filial gaúcha de uma multinacional quando, em 1996, a matriz encerrou as atividades no Rio Grande do Sul. Ele decidiu abrir a Aços Favorit para continuar vendendo os mesmos produtos para seus antigos clientes. Em 2010, a empresa deve faturar 247 milhões de reais. Neste depoimento a Exame PME, Fritsch conta como a infância na Alemanha arruinada pela Segunda Guerra Mundial o ensinou a superar obstáculos do dia a dia e fala sobre seus planos para o futuro.

Nasci em Berlim em 1938. Sou filho de um técnico metalúrgico que morreu num bombardeio feito pelos soviéticos quando o Exército Vermelho ocupou a cidade, no final da Segunda Guerra. Nos anos seguintes, passei fome e vi minha irmã caçula morrer por falta de atendimento médico. Para fugir desses horrores, minha mãe emigrou para o Brasil, onde ela e meu pai já haviam morado por uns tempos. Cheguei aqui em Porto Alegre com 10 anos de idade.

Desde cedo, gostava de fazer pequenos negócios. Ainda era garoto quando comecei a juntar sucata para vender no ferro-velho. Aos 14 anos, consegui um emprego de office-boy numa empresa de representações. Ao mesmo tempo, fazia bicos e, no tempo livre, percorria os arredores de Porto Alegre para colher orquídeas, que depois vendia nos bairros da cidade.

No final dos anos 50, uma usina de aços austríaca, a Böhler, abriu uma filial em Porto Alegre. Vi um anúncio no jornal dizendo que a empresa precisava de vendedores que fossem fluentes em alemão. Em casa, eu só falava alemão com minha mãe e minhas irmãs. Eu me candidatei e fui contratado. Tinha 19 anos e fazia um pouco de tudo. Até chão eu lavei.

A Böhler vendia aço em barras para outras empresas, que transformavam o material em peças e ferramentas. Pedi a meus chefes que me deixassem viajar pela Serra Gaúcha e pelo norte do Rio Grande do Sul em busca de novos clientes. Já tinha ouvido falar de empresas bastante promissoras que estavam surgindo, como a fabricante de máquinas agrícolas SLC, de Horizontina. Nessa primeira viagem, vendi o equivalente a mais de um mês inteiro em Porto Alegre e comecei a me destacar.

Minha carreira na Böhler durou quase 40 anos. Nesse período, coordenei a abertura de filiais no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Por muito tempo, também fui responsável pelas compras de matéria-prima de grandes siderúrgicas brasileiras até que, em 1996, os executivos da Böhler mandaram fechar todas as filiais no país. Restou apenas a unidade de São Paulo, que passou a vender somente aços importados da matriz austríaca para mercados específicos.

Naquele momento, eu tinha 58 anos e podia me aposentar. Havia investido parte das minhas economias em galpões industriais que me garantiriam uma boa renda mensal em aluguéis. Eu sempre tive vontade de ter meu próprio negócio, mas, como ganhava muito bem como funcionário, fui adiando esse sonho ao longo dos anos. Enfim, tinha chegado a hora.

Chamei os funcionários que seriam demitidos e perguntei se gostariam de trabalhar para mim. Minha proposta era seguir vendendo barras e tubos de aço para os clientes que a Böhler iria deixar de atender. Eles toparam. Peguei o equivalente a 300.000 reais em dinheiro de hoje, fiquei com 400 toneladas de aço que restaram do estoque da Böhler e fundei a Aços Favorit, que passou a funcionar num dos meus galpões em Cachoeirinha, na Grande Porto Alegre.

A primeira preocupação que um empreendedor deve ter é com a qualidade de seus vendedores. Não adianta se preocupar em fazer um depósito ou uma loja bonita se os profissionais da área comercial não tiverem talento para trazer clientes para a empresa. Eu confiava no meu pessoal e achava importante mantê-lo motivado. Sabia que levaria um tempo até a Favorit chegar ao mesmo patamar de vendas da Böhler e não queria que os vendedores desanimassem ao receber comissões menores do que estavam acostumados. Por isso, nos primeiros tempos ofereci a eles um complemento de salário durante mais ou menos um ano, até a empresa engrenar.

Existem ocasiões em que o empreendedor precisa estar na linha de frente do negócio para transmitir confiança aos clientes e aos fornecedores. Os primeiros estágios de uma empresa fazem parte desses momentos. Por isso, achei necessário visitar pessoalmente os principais clientes para apresentar a Favorit, explicar meus planos e pedir que continuassem fazendo negócios comigo. Por isso, no primeiro ano da empresa, passei boa parte do tempo viajando.

Três anos depois, a Favorit já faturava o mesmo que a filial da minha antiga empregadora. Em parte, o crescimento foi rápido porque conseguimos ver uma oportunidade. As grandes indústrias estavam terceirizando parte de suas necessidades para pequenos e médios fornecedores. Mas, ao contrário das grandes empresas, que possuíam seu próprio maquinário para transformar as barras de aço em produtos finais, os pequenos clientes precisavam que entregássemos o material já no formato certo. Por isso decidi investir muito em equipamentos de corte. O tempo mostrou que eu estava certo. Hoje nossa receita está bastante pulverizada em muitas pequenas empresas e dependemos menos de grandes clientes. 


Foi importante ter acumulado experiência antes de me tornar empreendedor, porque isso ajuda a manter os pés no chão. Em mais de 40 anos de trabalho, aprendi que é preciso serenidade para lidar com os altos e baixos do mercado. Entre 2007 e 2008, por exemplo, a demanda de aço estava aquecida, os preços não paravam de subir e os negócios da Favorit dispararam. Logo em seguida, a recessão
no mercado internacional fez a nossa produção cair pela metade. Não me desesperei. Eu tinha aproveitado aqueles anos bons para capitalizar a empresa. Para enfrentar a queda nas vendas, apenas suspendi os grandes investimentos. Não precisei demitir ninguém. Fiquei esperando o mercado mudar. Em 2010, nossa produção voltou a crescer e agora está maior que a de 2008.

Hoje, meu desafio é fazer da Favorit uma empresa com atuação nacional. Isso é fundamental para manter os negócios em crescimento. A cada ano, as siderúrgicas exigem um volume mínimo de compra de aço cada vez maior. Precisamos de escala para continuar competindo. Hoje, mais de 80% do nosso mercado ainda está na Região Sul. Por isso, aos poucos, estamos ampliando nosso foco de atuação. Abrimos uma filial em São Paulo no ano passado. Planejo abrir unidades no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte nos próximos três anos para manter um crescimento em torno de 10% ao ano daqui para a frente.

Daqui a dois ou três anos, quero me afastar aos poucos da direção da empresa e passar o comando para os meus filhos Betina, de 47 anos, e Huberto, de 46, que são diretores. Tenho cinco netos — o mais velho tem 19 anos —, que ainda não trabalham na empresa. Para trabalhar na Favorit, primeiro eles precisam ganhar experiência em outras companhias. É uma regra que criei há muitos anos. Filho de dono não é dono. É empregado. Por isso, deve trabalhar em outra empresa, longe da família, por uns tempos para aprender a obedecer.

Olho para trás e fico muito satisfeito com o que construí. Nunca quis voltar a morar na Alemanha, pois sempre encontrei muitas oportunidades no Brasil. Muita gente reclama das dificuldades que existem aqui, mas eu não ligo. Sempre lembro os tempos que vivi na Alemanha após a guerra. Depois que você passou fome, não existe nenhum problema que seja grande demais.

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