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O rei do turismo é o fundador da CVC

Em quatro décadas, Guilherme Paulus, fundador da CVC, transformou uma pequena agência do interior paulista numa operadora de turismo que faturou mais de 3 bilhões de reais e transportou 2,6 milhões de passageiros no ano passado

Paulus: "Não quebramos porque os fornecedores nos apoiaram. Foi importante tê-los como parceiros"   (Divulgação)

Paulus: "Não quebramos porque os fornecedores nos apoiaram. Foi importante tê-los como parceiros" (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2012 às 17h49.

São Paulo - O empreendedor Guilherme Paulus tinha 23 anos quando, em 1972, criou com um sócio a agência de turismo CVC. Quatro anos depois, comprou a outra parte e assumiu sozinho a empresa. Durante as décadas seguintes, Paulus fez da CVC a maior rede de varejo de turismo do país — hoje com 700 lojas próprias e parcerias com 8.000 agências que revendem seus pacotes. No ano passado, a CVC  faturou mais de 3 bilhões de reais e transportou 2,6 milhões de passageiros.

Desde 2009, quando vendeu dois terços das ações para o fundo de investimento americano Carlyle, Paulus ocupa a cadeira de presidente do conselho de administração da CVC. Nesta entrevista a Exame PME, Paulus, hoje com 62 anos, conta como foi sua trajetória. 

Comecei trabalhando em agências de viagens de São Paulo. Com 23 anos, já estava no terceiro emprego, quando fui designado para acompanhar um grupo de brasileiros que participava de um cruzeiro num navio francês. O jantar era servido às 7 da noite, tinha uma sessão de cinema às 9 horas e, pouco depois das 10, todo mundo ia dormir. Brasileiro é animado, não gosta de dormir cedo. Resolvi promover um bingo.

Depois de alguns dias, até os franceses estavam participando. Inventei umas gincanas, com homem vestido de mulher, e um concurso de simpatia. Essas iniciativas impressionaram muito um passageiro, o então deputado estadual Carlos Vicente Cerchiari. Ele me procurou e contou que queria abrir uma agência de viagens (CVC são as iniciais do nome dele) na sua cidade, Santo André, e me convidou para trabalhar lá.

Expliquei que trocar de emprego não estava nos meus planos e que tinha vontade de ter um negócio próprio. Depois de quatro meses de conversas, ele ofereceu um terço da sociedade, que eu pagaria com meu trabalho.

Meu pai me apoiou. Minha mãe e minha noiva foram contra. Fui, então, pedir conselho a meu patrão. Ele me disse que era uma grande chance e que eu deveria aceitar. Perguntei se poderia voltar caso desse errado. "Comigo não tem esse negócio de voltar", ouvi. Eu não podia desistir diante dos desafios que me esperavam dali para a frente. 


Em 1976, o governo criou o depósito compulsório, espécie de confisco temporário imposto a quem viajasse para o exterior. Foi um baque grande. A CVC dependia de emissão de passagens aéreas, reservas de hotel e viagens para a Europa. Expliquei ao deputado a situação. Ele me disse: "Olha, você acabou de casar e, como não pude te dar uma atenção especial, vou te dar a agência de presente". Tive de me virar sozinho.

As grandes agências do ABC paulista faziam turismo rodoviário, mas era difícil competir naquele mercado, pois não tínhamos ônibus. Para economizar com aluguel, inventei alguns passeios de um dia para cidades próximas, como São Lourenço e Bertioga. O ônibus saía às 4 da manhã e voltava somente no final da tarde.

Começamos a ficar conhecidos e não demorou muito para conseguirmos condições muito camaradas de aluguel de ônibus para pacotes com alguns dias. Nossa primeira viagem desse tipo foi para Blumenau, em Santa Catarina. 

Uma estratégia que deu muito certo foi vender pacotes nas fábricas do ABC paulista, por meio dos departamentos de recursos humanos das empresas, que descontavam o preço da viagem na folha de pagamentos. Vender para os trabalhadores era muito bacana e me fez aprender que é preciso oferecer serviços de qualidade mesmo em produtos econômicos.

Para isso, procurei hotéis cinco estrelas que costumavam operar com alguma ociosidade, como o Hotel Glória, no Rio de Janeiro. A CVC se propunha a ocupar metade do hotel em determinado fim de semana em troca de um desconto que chegava a até 50%, pois pagávamos à vista. Outra ideia que funcionou foi incluir nos pacotes shows da Elis Regina, do Roberto Carlos e da Maria Bethânia. 

Naquele tempo, as passagens aéreas eram muito caras. Em 1989, fiz uma negociação com a finada Vasp. Comprei, por um preço bem camarada, 100 000 lugares para ser ocupados ao longo de um ano. Era metade dos assentos da Vasp. Foi uma coisa tão diferente que a notícia saiu até no jornal francês Le Monde. Seis meses depois, já tínhamos vendido tudo. 

Fui procurar destinos pouco visitados naqueles tempos. Resolvi ir até Porto Seguro, na Bahia, pois foi ali que a história do Brasil começou — minha ideia inicial era promover excursões para escolas.

No começo dos anos 90, em parceria com outras agências, passamos a fretar aviões para levar turistas até o aeroporto de Ilhéus, que fica a 1 hora de ônibus de Porto Seguro. Em pouco tempo, só os passageiros da CVC estavam ocupando quatro voos a cada fim de semana. Até hoje mandamos uma loucura de gente para Porto Seguro, que acabou até ganhando um bom aeroporto.


As agências de viagens fechavam às 6 da tarde. Havia um mercado a ser explorado entre os consumidores jovens — gente solteira que trabalha de dia e pode sair à noite. Achei que fazia sentido abrir agências da CVC em shoppings. Mas eles não se interessaram.

O shopping Plaza Sul, no bairro paulistano do Jardim da Saúde, foi o primeiro a acreditar na proposta — quer dizer, pelo menos em parte, pois fomos alojados na área de serviços, junto com a agência lotérica. Com o tempo, a situação se inverteu e passamos a ser procurados. Hoje estamos em shoppings do Brasil inteiro. Em alguns, temos duas lojas.

Boa parte dos representantes — pontos que operam com a marca CVC — foi formada com ex-funcionários. O primeiro caso foi em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Era uma loja nossa, e a gerente vivia me chateando para contratar mais gente. Propus a ela que comprasse o ponto, pagando só pelas instalações, e recebesse uma comissão sobre as vendas.

Sabe que ela mandou todo mundo embora e conseguiu fazer o trabalho inteiro sozinha por um bom tempo? Hoje ela é dona de uma cadeia de 40 lojas no Rio de Janeiro.

Quase quebramos na época da hiperinflação. A gente vendia, vendia — só que a moeda se desvalorizava depressa. Nas vendas a prazo, quase tudo tinha virado pó quando o dinheiro entrava no caixa. Ao mesmo tempo, era um caminhão de contas para pagar. Recebi uma ajuda muito grande dos fornecedores, que sempre aceitaram negociar nossas dívidas.

Eu dizia: "Agora não tenho como pagar. Mas vou continuar vendendo, e aí pago". Eles me apoiaram, continuaram a me fornecer e cumpri minha palavra. Aprendi quanto esse tipo de parceria é importante para o crescimento de uma pequena ou média empresa. 

Entre 1999 e 2002, o câmbio do dólar oscilou bastante. O real se desvalorizou bruscamente em diversas ocasiões. Alguns concorrentes, que dependiam muito do turismo internacional, como a Soletur, quebraram. A CVC resistiu porque nunca deixei que concentrasse as receitas num só tipo de viagem, por mais rentável que fosse. Mesmo nos melhores momentos do turismo externo, as viagens nacionais chegavam a até 40% de nossas vendas. 

Nenhum empreendedor pode deixar passar uma boa oportunidade. Em 2007, comprei a Webjet e a expandi. Cinco anos depois, a Gol nos fez uma oferta pela Webjet. Aceitei. Foi um ótimo negócio. Em 2008, estávamos preparando a abertura de capital na bolsa. No caminho, o fundo Carlyle propôs comprar parte da empresa por um valor que me interessou.

Hoje, tenho 36% da CVC. E gostei da proposta de continuar participando da gestão como presidente do conselho. Continuo atento ao dia a dia do mercado e sugerindo melhorias. Agora, meu papel é perpe­tuar a empresa que criei.  

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