Laffranchi: "O próximo passo da Unopar é crescer fora do país - e para isso foi preciso encontrar um grande sócio" (Germano Lüders)
Da Redação
Publicado em 19 de junho de 2012 às 06h00.
São Paulo - O paulista Marco Antonio Laffranchi, de 76 anos, demorou um pouco para encontrar sua verdadeira vocação. Pouco depois de se formar em medicina, nos anos 60, ele abandonou os consultórios para começar uma carreira na área comercial.
Foi o início de uma trajetória que o levou a assumir um colégio endividado em Londrina, no interior do Paraná, e fazer dele a origem da Unopar, universidade especializada em cursos a distância que faturou 416 milhões de reais no ano passado. Hoje, as aulas são transmitidas por satélite para mais de 200.000 alunos no Brasil todo.
Em 2011, ele se associou ao grupo Kroton - um dos maiores negócios na área de educação já fechados no país. Neste depoimento a Exame PME, Laffranchi conta como construiu a Unopar.
"Nasci em Jaboticabal, no interior paulista. Meus pais eram professores de educação física. Eu ainda era criança quando nos mudamos para Serra Negra, quase na divisa com Minas Gerais, onde eles foram trabalhar num colégio estadual da região. Vivi lá até a juventude, quando passei no vestibular para medicina em São Paulo.
Sou o neto mais velho de uma família de italianos e quis seguir os passos de meu avô, que era médico. Ao me formar, consegui um emprego na Telespark, fábrica de rádios e televisores que não existe mais. Comecei montando uma clínica para atender os funcionários em caso de emergência. Era um tédio. Na maior parte do tempo, não tinha nada para fazer.
Sem muito trabalho na clínica, eu ia fazer hora no departamento comercial. Lá, sim, era dinâmico. Havia mais ou menos 50 funcionários, que passavam o dia inteiro fechando negócios e calculando os pedidos do Brasil todo. Fui ajudando, adquirindo conhecimento na área, tirando pedidos e passei a assumir algumas tarefas nas horas vagas.
Tomei gosto pelo trabalho e, após dois ou três anos, fui convidado para ir para o departamento comercial. Acabei abandonando a medicina definitivamente. Pouco tempo antes, ainda quando fazia estágio na faculdade, conheci a Elizabeth, uma professora de educação física por quem me apaixonei. Nós nos casamos em 1965.
O trabalho ia bem — eu já havia sido promovido a gerente comercial —, mas estava cansado da rotina em São Paulo. Costumava sair de casa às 6 da manhã e voltava só perto das 23 horas. Um dia, uma amiga convidou a mim e a Elizabeth para uma viagem a Londrina.
Era uma cidade jovem, bonita e organizada, que nos encantou imediatamente. Consegui um emprego como gerente regional numa das principais revendedoras de pneus da região e trocamos São Paulo pelo Paraná.
Em Londrina, fiz muitos amigos no Rotary Club. Certo dia, um deles me chamou para caçar codornas no fim de semana em Guarapuava, no sul do Paraná.
Aceitei o convite, que não era verdadeiro. Em vez de me levar numa caçada, ele me arrastou para um encontro do cursilho de cristandade, um movimento católico bastante popular no interior do país. Eu, que nem sabia o Pai-Nosso de cor, fiquei três dias rezando.
No cursilho, acabei fazendo amizade com o padre, que também era diretor de um dos principais colégios de Londrina. Quando soube que a escola enfrentava sérios problemas financeiros, decidi colaborar. Eu e a Elizabeth elaboramos o projeto de um curso superior de educação física. Minha ideia era usar as salas de aula, que ficavam ociosas à noite, para abrir uma faculdade e aumentar as receitas do colégio.
Deu certo, e assim surgiu a Faculdade de Educação Física do Norte do Paraná. As aulas noturnas trouxeram alívio ao caixa do colégio, embora ainda houvesse muitas dívidas para pagar. Pouco tempo depois, o padre que era meu amigo faleceu, e acabei ocupando a direção.
Era para ser provisório, até que um novo padre viesse me substituir no comando. Cerca de seis meses depois, fui procurado por uma comitiva de religiosos, que me fizeram uma proposta - se eu assumisse as dívidas, poderia ficar com a escola. Resolvi aceitar. Era fevereiro de 1972, isso faz 40 anos.
O início foi bastante difícil. Eu e a Elizabeth nos desdobrávamos para tocar o colégio. Ela cuidava da direção pedagógica, enquanto eu me concentrava na administração e nas finanças. Tudo o que ganhávamos era reinvestido ou usado para pagar dívidas. Por isso, durante muitos anos mantive paralelamente o emprego na empresa de pneus.
Para sair do vermelho, decidi investir no ensino superior. Nas décadas de 70 e 80, abrimos novos cursos, como fonoaudiologia e odontologia. Em 1992, criamos um projeto de universidade para integrar as seis faculdades que já estavam em funcionamento. Cinco anos depois, a Universidade do Norte do Paraná foi reconhecida pelo Ministério da Educação.
Nessa época, eu já procurava alternativas para expandir a empresa. A ideia de investir em ensino a distância surgiu no fim da década de 90. Minha intenção era fazer convênios com escolas de outras cidades e instalar nesses locais equipamentos para receber aulas transmitidas de um estúdio montado em nossa sede, em Londrina. Em 2003, o MEC aprovou nosso primeiro curso a distância, o de magistério em nível superior.
Sempre tive fé no ensino a distância. Eu via nesse sistema uma alternativa para levar cursos superiores a locais onde não havia condições de manter a estrutura de uma faculdade, e a um custo acessível para os alunos. Mas, para o negócio deslanchar, era preciso encontrar parceiros que cedessem salas onde os alunos pudessem assistir às aulas. Comecei a visitar escolas em várias cidades do Paraná. O problema era que muitos donos de colégio ainda viam o ensino a distância com desconfiança. Alguns não queriam nem ouvir minha proposta.
Foi então que mudei minha forma de abordá-los. Em vez de sair de Londrina para visitar as escolas, passei a pagar a passagem e a estadia para que parceiros em potencial conhecessem a Unopar. Aos poucos, fui vencendo a desconfiança e consegui fechar os primeiros contratos.
Com o tempo, montei uma boa estrutura de ensino a distância. Hoje, a empresa tem 11 estúdios de transmissão, dos quais um em Brasília, dois em São Paulo e o restante em Londrina. As aulas podem ser transmitidas por satélite para toda a América Latina.
O número de alunos cresceu, de 1.800, em 2003, para mais de 200.000, no ano passado. As aulas são acompanhadas em 469 polos de ensino, que é como chamamos as escolas e faculdades parceiras, que cedem suas salas à noite para as aulas a distância e, em troca, recebem um percentual da mensalidade paga pelos alunos.
No ano passado, recebi uma proposta do Kroton, grupo educacional que tem como sócio o fundo de investimento Advent. Eu, que já havia recusado ofertas de vários investidores, decidi aceitar. Fizemos uma associação e eu fiquei com 20% da empresa e o direito a duas cadeiras no conselho de administração. Dizem que foi o maior negócio na área de educação já fechado no país.
O negócio com o Kroton foi muito bom para mim. Estou com 76 anos e o trabalho estava ficando muito puxado. Percebi que, sem um grande sócio, enfrentaria dificuldade para crescer. A Unopar tem hoje 16 cursos de graduação e 15 de pós-graduação a distância, mas é preciso fazer pesados investimentos para a expansão.
Um dos próximos passos é aumentar a oferta de cursos e crescer fora do país. A empresa já tem um convênio com universidades na Espanha para distribuir suas aulas para cinco países.
O fato de não ter sucessores para o comando da Unopar também pesou na minha decisão. Minhas duas filhas têm outros interesses. A mais velha estudou administração e mora em São Paulo. A outra fez veterinária e me ajuda nas fazendas de gado, negócio que toco paralelamente à Unopar.
Recentemente, numa exposição em Londrina, meus animais conquistaram nove primeiros lugares. Fiquei feliz como um garoto. Para mim, a vida é uma escola mesmo. "