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O empreendedor relutante

O paulista Washington Umberto Cinel era um policial militar com o sonho de ser promotor. Até que passou a receber propostas de empresas que queriam ser suas clientes. Foi preciso sair da zona de conforto para virar empresário

Washington Umberto Cinel: “Mesmo com toda a tecnologia, as pessoas ainda são o coração da empresa” (Daniela Toviansky / EXAME PME)

Washington Umberto Cinel: “Mesmo com toda a tecnologia, as pessoas ainda são o coração da empresa” (Daniela Toviansky / EXAME PME)

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Da Redação

Publicado em 6 de novembro de 2014 às 05h00.

São Paulo - Há no Google Images uma porção de fotografias de uma pessoa igualzinha ao empreendedor paulista Washington Umberto Cinel em situações sociais, como festas e cerimônias. Outra busca usando seu nome, desta vez passando pelo Google Maps, pode dar na imagem da fachada de uma casa numa rua bacana do Jardim Europa, em São Paulo.

“É difícil manter a privacidade hoje em dia”, diz Cinel. De qualquer forma, deve ser uma casa muito bem guardada. Ele é fundador da Gocil, um dos maiores grupos de prestação de serviços de segurança do país. Perto de completar 60 anos, Cinel é um caso exemplar de um tipo de empreendedor — aquele que desbrava novos mercados. Conheça sua trajetória inspiradora:

Nasci em Reginópolis, uma cidade próxima de Bauru, no interior de São Paulo. Meu pai era corretor de imóveis. Minha mãe, cabeleireira. Comecei a trabalhar bem cedo, como engraxate. Depois, vendi roupas. Quando tinha uns 16 anos, peguei o dinheiro que havia conseguido juntar e comprei uma lanchonete falida.

Aos 18 anos quis fazer vestibular para ser engenheiro-agrônomo. Tentei três anos. Enquanto fazia o cursinho, prestei uma prova para a Academia de Polícia do Barro Branco, em São Paulo, para ser cadete. Em 1976, eu estava na república em que morava com uns amigos, quando recebi a notícia de que havia passado na prova escrita.

Fui correndo me apresentar no dia seguinte em São Paulo para os exames psicotécnico, oftalmológico e de educação física. Entrei em 2 de fevereiro de 1976. Fiz um curso intensivão, com folga apenas no domingo. Dois anos depois fui declarado aspirante a oficial e comecei a trabalhar em São Paulo. Mas não queria continuar na capital. Pedi transferência e voltei para Bauru, já como segundo- tenente. Morava e comia no quartel. No terceiro ano comecei a fazer direito, pois queria ser promotor ou juiz.

Já trabalhava como policial quando fui atender a um chamado na então Rede Globo local. Um cara tinha tentado explodir a rede de transmissão. Veio gente do Exército, da Polícia Civil, da Federal. Fui, representando a Militar. Foi quando recebi uma proposta da Globo para tomar conta do edifício.

Meu superior disse que eu poderia pegar o trabalho — se fosse para quebrar um galho por um mês ou dois. Mas muita gente me conhecia na cidade. Quando o pessoal ficou sabendo que eu estava cuidando do patrimônio da Rede Globo, muitas outras empresas me procuraram para oferecer o mesmo tipo de serviço.

Claro que havia uma oportunidade ali. Mas a verdade é que eu relutava em empreender. Sabe quando você é funcionário público e tem aquela garantia? Tinha conseguido me formar para poder ser promotor. Acabei chamando um amigo que também era oficial e propus que montássemos uma empresa de segurança.

Em 1985 nascia a Gocil. Começamos a crescer. Ganhamos uma licitação para fazer a segurança da Sabesp, nossa cliente há 30 anos. Hoje trabalhamos em dez estados. Atualmente existem 2 400 empresas de segurança no país. Mas na época esse mercado era virgem. Havia em torno de 120 empresas. E só as grandes podiam pagar por um serviço desses, de alto nível. Era um privilégio.

Uma parte de nosso crescimento veio de outros serviços que passamos a prestar, a pedido dos próprios clientes. Hoje fazemos de tudo um pouco num prédio corporativo, como recepção nas portarias, jardinagem, limpeza. Essa parte de serviços gerais já é 35% do faturamento.

Esse sistema é bem interessante. Uma empresa pode ser nossa cliente mesmo que não possa pagar pelos pacotes mais completos de serviços de segurança, que continuam a ser o foco do negócio.

Se o cliente atravessar um momento difícil, é possível reformular o contrato e mudar um pacote mais completo por serviços de menor custo, como porteiro. Não é a mesma coisa, mas não perdemos a ligação com o cliente, que pode voltar a comprar um pacote de soluções com maior valor no futuro.

O modelo que adotamos não é oferecer mão de obra, simplesmente. Vendemos um projeto inteiro de segurança. Um consultor vai até o lugar a ser protegido e analisa quais são os riscos e como reduzi-los, respeitando o orçamento que o cliente pode pagar.

Alguns pontos vulneráveis de um prédio, por exemplo, podem ser monitorados com câmeras e uma central, o que reduz o número de especialistas demandados. Onde eram necessários cinco homens, posso colocar dois ou três e completar com aparelhagem. A disseminação desse tipo de tecnologia foi fundamental para a expansão de nosso mercado, pois reduziu custos, o que permitiu praticar preços acessíveis a mais clientes.

O outro lado da tecnologia é que pode dar a impressão de que qualquer um pode montar sua central e contratar qualquer sujeito vestido com colete. Mas é perigoso. Se não for um profissional regularizado e treinado, pode não estar pronto para agir se precisar. Pior: pode até passar informações a quem não deve, até sem querer.

Pessoas ainda são o coração da empresa. Na maior parte das vezes, nossos profissionais são vigilantes de outras empresas que passam por uma seleção. Quem é aprovado faz um curso específico para o posto que irá ocupar. Se for num magazine, vai ser treinado para prevenir e detectar pequenos furtos. Numa metalúrgica, aprenderá que o objetivo provável do marginal é roubar cobre.

A missão do segurança encarregado da maternidade de um hospital como o São Luiz, em São Paulo, é garantir que nenhuma criança seja trocada no percurso do berçário até o quarto da mãe. Quem ficar lá tem de ser delicado. Sua abordagem precisa ser muito diferente da usada nos estádios sob nossa responsabilidade durante a Copa do Mundo.

Em qualquer caso, ensinamos que a arma é o último recurso a ser utilizado. O primeiro é evitar o fator surpresa. Para isso, a melhor arma são os olhos. O marginal escolhe quem está desprevenido. É a lei do menor esforço e menor risco para ele. Existe uma grande chance de uma pessoa desencorajar alguém que tenciona assaltá-la apenas com um olhar direto. É bem possível que o sujeito escolha outra vítima.

Se estivermos fazendo direito nosso trabalho, o segurança quase nunca — ou nunca — usará a arma. É como um bom goleiro num time com uma boa defesa. Ao mesmo tempo, tem de estar em total forma para a eventualidade de precisar usar. Por isso, nossos profissionais passam por reciclagens constantes.

Também há moda em nosso setor. Vem uma onda de assaltos a joalherias, depois outra de arrastões em restaurantes. Criminosos formam uma comunidade como qualquer outra. Eles se conhecem, copiam do outro o que está dando certo, como numa rede. E eles têm bastante tempo para planejar.

Por isso, no programa de treinamento há um espaço para disseminar o conhecimento obtido no dia a dia. Se um tipo de delito começa a acontecer com certa frequência numa área — mesmo que seja numa propriedade não atendida por nós —, aumentamos o nível de alerta para as outras equipes ficarem espertas com aquele modus operandi.

É treinamento o tempo todo — daí o maior desafio da Gocil ser não perder o funcionário após todo esse investimento. Workshops e programas de motivação não são um remédio para ganhar o comprometimento das pessoas. Nada substitui o diálogo entre o funcionário e seu chefe para que cada um perceba sua importância na organização.

Acredito no poder dessa atitude para liberar no ser humano o que nele há de bom. Também é preciso não esquecer que toda pessoa tem méritos e defeitos. Se estivermos no caminho certo — e acredito que estamos —, nossos funcionários têm muito mais méritos do que defeitos. O que devemos fazer é enaltecer os méritos e minimizar os defeitos.

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