Gabriel: "É preciso coragem para encerrar um negócio que não está dando certo" (Roberto Setton)
Da Redação
Publicado em 22 de agosto de 2013 às 06h41.
São Paulo - Em 2004, o paulista Rogério Gabriel, de 48 anos, teve de tomar uma decisão dolorosa — encerrar um negócio em dificuldades e recomeçar. Ele era dono de uma rede de lojas de informática no interior de São Paulo. "A empresa havia crescido nos anos 90, mas não estava mais conseguindo competir com grandes varejistas", diz ele.
Foi quando Gabriel decidiu fechar as lojas e investir no que até então era uma pequena área de treinamento do antigo negócio. Assim nasceu a Prepara Cursos, rede de escolas de informática. No ano passado, as receitas da empresa chegaram a 230 milhões de reais — hoje o grupo oferece também aulas de idiomas e reforço escolar. Neste depoimento a Exame PME, Gabriel conta um pouco de sua trajetória.
"Construí boa parte de minha trajetória no interior paulista. Nasci em Bebedouro, no norte de São Paulo. Com menos de 1 ano, minha família mudou para Catanduva, perto de São José do Rio Preto. Sou filho de um negociante. Meu pai comprava café dos agricultores e revendia para as empresas de torrefação.
Aos 17 anos, saí de casa para cursar ciências da matemática e da computação na Unicamp. Assim, comecei uma carreira na área de tecnologia. Meu primeiro emprego foi como estagiário da Alpargatas. Depois, fui contratado pela MW, uma empresa de pesquisas paulistana.
Ela estava transferindo seus sistemas de informática, que até então rodavam em grandes máquinas, para uma rede de microcomputadores, uma novidade na época. Fiz parte da equipe responsável por esse trabalho.
Pouco mais de um ano depois de começar a trabalhar na MW, fui convidado para voltar ao interior. Eu já estava com vontade de sair da capital e aceitei. Fui trabalhar numa produtora de suco de laranja em Bebedouro, minha cidade natal. A empresa também estava substituindo seus grandes equipamentos de informática por microcomputadores e queria me contratar por causa de minha experiência com esse tipo de trabalho.
Isso me ajudou a perceber que havia um mercado promissor para equipamentos de informática. Com o surgimento dos microcomputadores, pequenas e médias empresas começariam a ter recursos para investir em informatização. Comecei a pensar em abrir meu próprio negócio.
Foi desse desejo que nasceu, em 1990, a Precisão Informática, uma loja de computadores e softwares. Antes de abri-la, procurei estatísticas e pesquisas para ver onde havia um mercado mais promissor e com pouca concorrência. Acabei escolhendo São José do Rio Preto. No começo, a empresa era minúscula. Minha única funcionária era uma secretária.
Nos anos seguintes, houve um bocado de turbulência. Naqueles tempos, ainda era preciso conviver com a inflação alta. Houve o confisco da poupança no começo do governo Collor. Por outro lado, os primeiros anos da Precisão coincidiram com o fim da reserva de mercado, que dificultava a importação de computadores e softwares. Isso impulsionou o mercado e o crescimento da empresa.
No início, os principais clientes eram pequenas e médias empresas. Meus concorrentes eram os comerciantes informais que traziam equipamentos contrabandeados e os revendiam mais barato, por não pagar impostos. Também comecei a desenvolver softwares para empresas agrícolas.
Na época, havia muita resistência à tecnologia no agronegócio, mas consegui abrir um pouco desse mercado. Nos primeiros anos, meu maior desafio foi manter um bom relacionamento com os fornecedores. Era difícil conseguir empréstimos nos bancos e, para crescer, era preciso negociar bons prazos e condições de pagamento.
No fim da década de 90, o perfil do cliente começou a mudar. As pessoas passaram a comprar computadores para usar em casa, e investi para conquistar esse público.
Busquei inspiração em grandes redes de varejo americanas, como Best Buy e Computer City, que preparavam seus vendedores para atender uma clientela pouco acostumada a ter contato com informática e permitiam aos consumidores testar os equipamentos na loja antes de fechar negócio. A primeira unidade nesse modelo foi aberta em São José do Rio Preto, em 1997.
Alguns anos depois, começaram a surgir alguns sinais de crise. À medida que os computadores se popularizavam, grandes redes de varejo começavam a entrar nesse mercado. As margens de lucro começaram a cair. Os sites de comércio eletrônico tornaram-se fortes concorrentes.
Alguns vendiam abaixo do preço de custo e ainda parcelavam em até dez vezes sem juros. Com tudo isso acontecendo, em 2002 a situação da empresa já estava bastante complicada.
Durante um bom tempo, fiquei batendo cabeça em busca de uma saída. Meu grande erro foi insistir num modelo de negócio que não funcionava mais. Eu não queria desistir. Vendi parte de meu patrimônio pessoal para manter a empresa. Fiz quase tudo o que os manuais de gestão mandam, mas nada deu certo.
Foi só em 2004 que decidi parar de insistir e seguir um novo rumo nos negócios. Eu mantinha, na Precisão, uma pequena área de treinamento, cujo papel era preparar os clientes que não entendiam muito de tecnologia. À medida que os consumidores de menor poder aquisitivo compravam mais computadores, a demanda por cursos aumentava.
Tive a ideia, então, de criar uma escola de informática para esse público. Era fundamental manter os custos baixos, para atender uma clientela que tinha pouco dinheiro.
Fechei as lojas e transformei o departamento de treinamento na Prepara Cursos. Criei um modelo que pode ser considerado um misto de ensino a distância com presencial. Numa mesma sala, pode haver vários alunos fazendo cursos diferentes e em diversos estágios de aprendizagem.
Cada um deles acompanha as aulas em seu próprio computador, mas pode tirar as dúvidas com um professor presente no local. Assim, conseguimos reduzir custos com professores e infraestrutura. Em 2004, nosso curso de informática básica custava 29,90 reais por mês, menos da metade do valor cobrado pela concorrência naquela época.
A primeira escola da Prepara foi inaugurada em 2004, em Catanduva. Como os preços eram baixos, foi possível atrair alunos de baixo poder aquisitivo. Eu calculava que, para atingir o ponto de equilíbrio, teria de ter pelo menos 180 alunos. Em seis meses, mais de 400 pessoas já haviam se matriculado.
O negócio mostrou ser bastante lucrativo e, em 2005, abri a segunda unidade, em São José do Rio Preto. Pouco tempo depois, resolvi transformar a Prepara numa rede de franquias. Os primeiros seis franqueados foram ex-funcionários, que investiram suas economias para abrir escolas da Prepara.
Hoje, a Prepara tem quase 600 escolas e 200.000 alunos, em 24 estados brasileiros. Recentemente, passei a aplicar o mesmo modelo, com base no baixo custo para os alunos, em duas novas redes de ensino. Em 2011, abri um curso de inglês, o Aprenda Idiomas, e o Ensina Mais, que oferece aulas de reforço escolar para alunos do ensino fundamental.
São dois mercados bastante promissores. Nos próximos três anos, planejo abrir mais redes de escolas. Pretendo oferecer cursos profissionalizantes, nas áreas de comércio, serviços e aprendizagem industrial, além de aulas preparatórias para estudantes que vão prestar o Exame Nacional do Ensino Médio.
Desde que me tornei empreendedor, aprendi algumas lições. Para ter sucesso, é preciso se cercar de bons profissionais e enfrentar com otimismo os momentos difíceis. É necessário, principalmente, saber a hora de parar com algo que não está dando certo e partir para outra. Meu maior desafio foi criar a coragem necessária para tomar a decisão de encerrar um negócio para começar tudo do zero mais uma vez."