Bonamichi: "Pelo menos metade das receitas dos próximos três anos deve vir das áreas que não produzem remédios" (Daniela Toviansky/EXAME PME)
Da Redação
Publicado em 6 de agosto de 2013 às 14h18.
Um edifício com janelas de vidro espelhado chama a atenção de quem passa pelo quilômetro 298 da rodovia Anhanguera, próximo à entrada da cidade paulista de Cravinhos. É ali a sede da Ourofino, uma das maiores fabricantes de medicamentos para saúde animal do Brasil.
O prédio não se parece em nada com as antigas instalações da empresa, distribuídas num punhado de casas alugadas na periferia da cidade vizinha de Ribeirão Preto. “Este lugar significa um sonho realizado”, diz o técnico em zootecnia Norival Bonamichi, de 54 anos, que fundou a Ourofino nos anos 80 com um amigo de infância, o advogado Jardel Massari.
Neste depoimento a Exame PME, Bonamichi conta como foi a trajetória de crescimento da Ourofino, que deve faturar 300 milhões de reais em 2010, e os planos para continuar avançando num setor com grandes concorrentes.
Passei a infância num sítio de Inconfidentes, que pertencia à cidade de Ouro Fino, no sul de Minas Gerais. Quem nasce na roça, como eu, pega no trabalho cedo. E cabia a mim, o mais velho de nove irmãos, dar o exemplo ajudando meus pais na lavoura e tocando a bezerrada no lombo de um cavalo xucro. Minha família não tinha condição de me pagar um bom colégio.
Quando fiz 17 anos, em 1974, meus pais me deixaram morar em Muzambinho, também em Minas, onde havia um internato com cursos técnicos de graça. Escolhi zootecnia.
Depois de conseguir o diploma, tive três empregos, cada um numa cidade diferente. Dei assistência a produtores de leite da Nestlé, administrei duas fazendas e fui supervisor de vendas de ração animal de uma grande empresa.
Nesse último trabalho, visitava clientes no Brasil todo.Mesmo assim consegui cursar direito, à noite. Se a carreira de vendedor não desse certo, com um curso superior seria mais fácil conseguir outra ocupação ou prestar concurso público.
Em 1986, recebia o equivalente a dez salários mínimos como comissão sobre as vendas. Calculei que, se eu mesmo comprasse e revendesse os produtos, seria possível ganhar o triplo. Chamei um amigo de Inconfidentes, o Jardel Massari, e abrimos nossa empresa, a Ourofino.
A Ourofino começou como uma distribuidora de medicamentos veterinários em Ribeirão Preto. Os contatos do meu emprego anterior abriram as portas para grandes empresas, como Sadia e Perdigão.
Um ano depois, pensei: se eu fabricar meus próprios medicamentos, posso triplicar minha renda de novo. O pessoal nos chamou de loucos. Como é que uma empresa de fundo de quintal conseguiria concorrer com multinacionais que há anos dominavam esse mercado?
Fomos em frente. O primeiro remédio foi simples de fazer. Era um antibiótico em pó para problemas respiratórios em aves e suínos. Pegamos um produto para humanos e o adaptamos para consumo animal. Um ano depois, esse produto representava 70% das receitas da Ourofino.
Foi quando decidimos parar de vez com a distribuição de remédios de terceiros e começar a desenvolver outras fórmulas próprias mais complexas.
Como ainda não tínhamos um portfólio grande e a marca Ourofino era desconhecida, ninguém queria representar nossos produtos. Tivemos
de contratar vendedores, que batiam na porta dos comerciantes de produtos veterinários. Hoje, todo mundo no setor sabe o que é a Ourofino.
Durante mais de uma década, reinvestimos todo o lucro da Ourofino em pessoas, tecnologia e novos produtos. Eu e Jardel tirávamos apenas o suficiente para viver com dignidade, sem extravagâncias.
Só seis anos atrás comprei uma casa, onde moro até hoje. Um empreendedor que não faz isso tem uma empresa no presente, mas não a terá no longo prazo. O mercado evolui e é preciso acompanhá-lo investindo sistematicamente.
Temos convênio com 18 universidades que desenvolvem pesquisas e testes com nossos veterinários e cientistas. Desenvolvemos um vermífugo específico para camelos, que atende o Oriente Médio. Em breve, vamos comercializar uma vacina contra um tipo de doença hepática em bovinos, caprinos e ovinos.
Como consequência do investimento maciço em inovação e tecnologia, ganhamos mercado no exterior. Nossa empresa é uma das poucas num país em desenvolvimento com credenciamento das agências reguladoras da Europa e dos Estados Unidos.
Começamos a exportar em 2000 e hoje 10% da produção de remédios vai para 30 países da África, da América Latina, da Ásia e do Oriente Médio.
Conforme os negócios avançavam, alugávamos casas ao lado do galpão principal. Chegou um ponto que a empresa estava muito dispersa, com departamentos em várias quadras. Juntamos toda a fabricação num grande terreno de Cravinhos, a 25 quilômetros de Ribeirão Preto.
A parte administrativa mudou no ano passado. Num dos turnos a fábrica produz medicamentos de multinacionais concorrentes da Ourofino. É uma estratégia para diminuir a ociosidade e representa menos de 10% do faturamento. Conforme a Ourofino crescer, a oferta desse serviço vai diminuir.
Queremos transformar a Ourofino na maior provedora de insumos para o agronegócio brasileiro — pecuária e agricultura. Para isso, abrimos
várias frentes de expansão nos últimos anos. Como não dava para financiar tudo ao mesmo tempo apenas reinvestindo o lucro, buscamos parceiros. Em 2007, o BNDESPar colocou 100 milhões de reais na empresa em troca de 20% de participação.
Usamos esse dinheiro para levantar em Uberaba uma fábrica de defensivos agrícolas. Em pouco tempo, queremos estar entre os cinco maiores fornecedores de herbicidas, inseticidas e fungicidas do país.
Em Cravinhos já está quase pronta uma unidade de vacinas contra aftosa, e para os próximos anos planejamos produzir doses contra raiva e outras doenças que prejudicam a produtividade do rebanho.
Também investimos em medicamentos para bichos de estimação e em sementes para pastagens. A intenção é que os novos negócios
ajudem a triplicar o faturamento nos próximos três anos. Pelo menos metade das receitas deverá vir de áreas que não produzem remédios.
Já faz tempo que eu e Jardel não damos conta de administrar tudo sozinhos. Como fazer os funcionários se engajar mais na empresa? Na época em que eu era vendedor, meu maior estímulo era saber que meus ganhos aumentariam conforme eu gerasse mais resultados. Dez anos atrás, quis oferecer algo parecido a meus funcionários.
Pegamos 10% das ações e as distribuímos ao vice-presidente e aos três principais diretores das áreas técnica, industrial e financeira. Não foi difícil dispor de parte do negócio para eles. Acredito em dividir para multiplicar e prefiro ser dono de uma parte menor de algo maior.
Formamos uma holding em que estão eu, Jardel, os quatro executivos e o BNDESPar. Abaixo dela vêm as unidades de negócios, como saúde animal, linha pet e defensivos agrícolas. Cada uma é liderada por um grupo de sócios. Depois disso, não tive mais dor de cabeça. Quando tenho dúvidas, pergunto diretamente aos responsáveis por cada unidade.
Minha família e a do Jardel ainda têm a maior parte do negócio. Mas isso não significa que algum de nossos filhos vá nos suceder no comando. Essa é uma decisão que cabe ao conselho de administração. Uma empresa que atinge o tamanho da Ourofino não pertence mais ao fundador. Aqui trabalham mais de 1 000 pessoas. A empresa agora são elas.
Enquanto estiver vivo, não pretendo me aposentar nem fazer outra coisa. Se me afastar da Ourofino, vou fazer o quê? Nem que seja para cuidar da horta que mandei plantar nos fundos do escritório, virei aqui todos os dias até morrer.