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Os brasileiros quebraram? Então vamos vender aos chineses

A empresa do gaúcho Valentino Reichert nasceu para fazer componentes e materiais adesivos para sapatos. A concorrência asiática o levou a procurar clientes também em outros setores. Hoje é sua empresa que fornece para a China

Reichert: "Eu me reúno toda semana com os funcionários para ter ideias" (Rodrigo Baleia)

Reichert: "Eu me reúno toda semana com os funcionários para ter ideias" (Rodrigo Baleia)

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Da Redação

Publicado em 23 de julho de 2013 às 08h57.

São Paulo - O grupo FCC, do empreendedor gaúcho Valentino Reichert, de 66 anos, produz 2.000 materiais, presentes em calçados, automóveis, móveis e escovas de dentes. Reichert está à frente do Grupo FCC, de Campo Bom, no interior gaúcho. A empresa foi fundada há quatro décadas para vender partes de sapatos para as indústrias calçadistas da região.

A concorrência dos chineses acabou com boa parte dos clientes da empresa e obrigou Reichert a reinventar o negócio. Quase um terço dos 344 milhões de reais que a empresa faturou em 2012 veio de produtos lançados há menos de dois anos. "Descobrir novos mercados é o que me mantém atento", diz ele. Neste depoimento a Exame PME, Reichert conta sua trajetória e seus planos. 

"Nasci em Campo Bom, no polo calçadista gaúcho. Meu pai e dois tios eram sócios de uma fábrica de calçados, a Reichert. Aos 8 anos, eu passava meu tempo livre encaixotando sapatos. Eu ficava fascinado com o  movimento das máquinas na fábrica. Aos 15 anos, passei a lubrificar as peças desgastadas dos equipamentos em troca de uma mesada de meu pai. Já moço, eu os desmontava para entender seu funcionamento. 

Em 1966 comecei a estudar engenharia mecânica em Porto Alegre. A partir do terceiro ano de faculdade, me dediquei a melhorar a linha de produção da fábrica. Naquela época, as empresas estavam começando a confeccionar os calçados em etapas. Primeiro, a parte de cima. Depois, o solado. Em 1969, a Reichert e outra calçadista, a Schmidt Irmãos, criaram a FCC para fornecer componentes do solado, como o salto e a palmilha, aos calçados feitos pelas duas empresas e reduzir gastos com material. 

Três anos depois, fui trabalhar na FCC como gerente da produção. Fiz adaptações nas máquinas para que elas cortassem com mais eficiência o couro que ia nas peças. Reduzi a quase zero o desperdício de matéria-prima.

Com isso, passei a fazer partes para três sapatos com o mesmo material que antes só dava para um. O ganho de produtividade permitiu atender mais clientes. Com o negócio crescendo rápido, pedi para me tornar sócio em 1974. Comprei 10% das ações, quitadas em cinco anos com bônus e  dinheiro emprestado de meu pai. 


A partir daí, a FCC passou a fabricar adesivos que unem saltos, forros, palmilhas e outras partes de um calçado. Na época, havia pouca variedade de adesivos no mercado. Acontece que cada parte exige qualidades diferentes. Unir o salto à sola, por exemplo, requer resistência às pisadas.

Já o adesivo que vai no revestimento do salto precisa ser fino para não estragar o acabamento. A FCC passou a criar materiais específicos às necessidades de cada cliente. Deu certo. Em menos de dez anos, os adesivos respondiam por 30% das receitas da FCC.

As pesquisas para os novos adesivos levaram à criação de mais produtos. Fomos um dos pioneiros no país a fazer elastômeros termoplásticos, derivados de plástico e de borracha. 

Eles podem formar o solado de um calçado e também são usados em escovas de dente, mangueiras e dutos de ar-condicionado para carros, protetores de ouvido, botões de eletrônicos. Eu mesmo ia para a fábrica e criava os materiais pedidos pelos clientes. 

A empolgação com os negócios também me fez cometer erros bem primários. No início dos anos 90, resolvi montar sapatos para exportação. Pesou a favor da decisão um pedido recusado pela Reichert e pela Schmidt Irmãos. Imaginei que saberia atender àquela demanda. Errei feio. A FCC fornecia para as maiores exportadoras de calçados na época.

Ao me tornar um concorrente delas, irritei muitos de meus clientes. Além disso, a FCC não tinha experiência na fabricação de calçados, como os concorrentes tinham. Acabei com a operação após cinco anos. Nunca consegui torná-la lucrativa. Mas não perdi a vontade de desbravar outros mercados. A vontade de arriscar foi importante para os novos rumos que eu daria para a FCC nos anos seguintes. 

A partir dos anos 90, as indústrias calçadistas do país passaram a enfrentar a concorrência feroz dos fabricantes chineses. Vários de nossos clientes fecharam as portas ou mudaram de atividade. Entre eles estão a Reichert e a Schmidt Irmãos, que hoje em dia se dedicam ao agronegócio.


Eu percebia que a FCC só sobreviveria se diversificasse os clientes. A partir de 2005 criei um departamento para desenvolver produtos e prospectar clientes em outroa áreas. Para isso, contratei profissionais de setores em que poderia haver interesse por nossos produtos. Foi o caso, por exemplo, de um vindo do departamento comercial de uma indústria automobilística . Ele tinha ótimos contatos no setor de autopeças. Hoje é difícil encontrar um carro fabricado no Brasil que não tenha materiais da FCC.

A busca por novos mercados levou à internacionalização. Temos fábricas no Uruguai e na Argentina e um centro de distribuição na China, que fornece materiais para empresas do setor calçadista — justamente elas, que haviam ganhado o mercado que era de nossos clientes.

Além disso, fornecemos componentes de solado para a Itália, onde há diversas fábricas de calçados de luxo. O resultado é que atualmente 15% das receitas da FCC vêm de exportações. Há oito anos, elas representavam menos de 2% . 

Em quatro décadas, dei muita atenção a acionistas, clientes e funcionários. Eu sempre reservei um espaço importante na minha agenda para discutir novas ideias com eles. Essas reuniões acontecem todas as terças-feiras. É nelas que encontramos soluções criativas para todo tipo de problema. Vou dar um exemplo. Antigamente não tínhamos condições de comprar máquinas para produzir os adesivos. Esses equipamentos precisam suportar líquidos a altas temperaturas.

Na época, ficamos sabendo de uma empresa de geleias que estava vendendo três máquinas de aço resistente à água quente. Tivemos a ideia de adaptar o equipamento, instalando pás para misturar os componentes químicos que formam os adesivos. Funcionou direitinho. 

Nossa linha de produtos está permanentemente em processo de renovação. Hoje, nenhum dos 2.000 tipos de material vendidos pela FCC é o mesmo dos tempos de início da empresa. E 30% do faturamento vem de produtos criados há menos de dois anos.

Um deles é um adesivo para assentar tijolos que permite construir uma casa numa velocidade três vezes mais rápida do que com argamassa. Com produtos inovadores para construção civil e outros mercados, espero que as receitas da FCC atinjam 1 bilhão de reais em dez anos.

Em 2010 adquiri a parte dos outros sócios na FCC. Meses depois, deixei a execução dos negócios. Hoje sou presidente e devo liderar o conselho de administração daqui a algum tempo.

Estou com 66 anos e preciso dar espaço aos profissionais jovens e talentosos. Meus dois filhos já trabalham na empresa. Pretendo ter mais tempo para coisas que me dão prazer. Adoro todas as atividades ligadas à água. Tenho dois barcos, participo de pescarias na Amazônia e pratico mergulho há 20 anos. "

Com reportagem de Arlete Lorini

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