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Negócios contra o crime

Como cinco empreendedores fizeram suas empresas crescer no mercado de segurança ao atender necessidades específicas de grandes clientes

Agnaldo Coutinho, fundador da Poly Defensor, empresa que faz sprays de defesa pessoal e que tem crescido com a venda desse produto para policiais municipais, estaduais e empresas de segurança.  (Daniela Toviansky)

Agnaldo Coutinho, fundador da Poly Defensor, empresa que faz sprays de defesa pessoal e que tem crescido com a venda desse produto para policiais municipais, estaduais e empresas de segurança. (Daniela Toviansky)

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Da Redação

Publicado em 6 de dezembro de 2011 às 05h00.

Arrastão em restaurantes de classe média. Explosão de caixas automáticos de banco. Ladrões que se passam por clientes para fazer um test-drive numa concessionária e somem com o carro. Não falta inovação no mundo do crime. "A criatividade dos bandidos é inesgotável", diz o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, hoje consultor desse mercado.

Os especialistas afirmam que, no Brasil, a maior parte do setor de segurança — empresas privadas de serviços de proteção a indivíduos e patrimônio de pessoas e empresas — ainda é formada por grandes companhias. "Mas a importância das pequenas e médias empresas aumentou",  diz Silva Filho. "Elas vêm crescendo muito, fornecendo serviços personalizados que nem sempre as grandes podem oferecer."

Os números de alguns pedaços do mercado refletem essa movimentação. Segundo a Federação Nacional de Empresas de Segurança, em julho deste ano havia no país 2.700 empresas de vigilância — e 39 tinham começado a operar apenas naquele mês.

Nas próximas páginas, cinco empreendedores do setor contam como estão conseguindo obter altas taxas de expansão em suas empresas ao enxergar novas oportunidades. É o caso, por exemplo, de Cristiano Vargas, da paulista Vault, que adaptou a tecnologia das suas portas blindadas para um novo produto, e do paulistano Agnaldo Coutinho, que patenteou um spray de defesa inovador. 


Fábrica de fortalezas

O negócio da empresa paulistana Vault, do advogado Cristiano Vargas, de 37 anos, bem que poderia fazer parte de  um filme de suspense. A empresa transforma cômodos ou até mesmo prédios inteiros em verdadeiras fortalezas. São lugares blindados, com portas à prova de tiroteio, paredes que resistem a marretadas e alarmes que disparam por qualquer movimentação suspeita — tudo muito parecido com o bunker onde uma mãe e sua filhinha se escondem no filme O Quarto do Pânico.

Mas a Vault não tem nada de ficção. Seus principais clientes são empresas, como bancos e transportadoras de valores, que chamam Vargas para proteger seus imóveis de possíveis ataques de quadrilhas municiadas de armamentos pesados. 

A Vault foi fundada em 2003. "Com o tempo, o número limitado de potenciais clientes tornou-se um problema", diz Vargas. "Ficou pior de seis anos para cá, quando a concorrência aumentou."

Para fazer sua empresa voltar a crescer, ele adotou uma estratégia que pode ser seguida por pequenas e médias empresas de qualquer setor que, como a Vault, chegam a um certo ponto de saturação — vender produtos ou serviços relacionados com a atividade principal para os clientes já conquistados. 

Vargas percebeu que a mesma tecnologia para blindagem de portas que já dominava poderia ser adaptada para a construção de grandes cofres, como os que guardam dinheiro e joias em agências de banco. Trata-se de uma demanda que vem aumentando com o crescente acesso da parte de baixo da pirâmide social brasileira a uma conta bancária — só nos últimos 12 meses foram inaugurados 1 594 agências e postos bancários no país.


Comprados por clientes como Banco do Brasil, Santander e Correios, os cofres foram o produto mais vendido pela Vault neste ano, representando 40% das receitas, que devem chegar aos 22 milhões de reais — 83% mais que no ano passado.   

O recente aquecimento do setor de construção civil tornou a aumentar a procura pela blindagem de imóveis. "De uns tempos para cá, passamos a ser mais procurados por pessoas físicas e também por construtoras que querem blindar condomínios de luxo", diz Vargas.

"São clientes que antes nem entendiam direito o que fazemos." De acordo com a Associação Brasileira de Blindagem, nos últimos cinco anos o setor cresceu a uma média de 20% ao ano. "Grandes assaltos a casas e prédios são cada vez mais comuns", afirma Carlos Monte Serrat, presidente da Câmara Brasileira de Blindagem Arquitetônica.

Baderna sob controle

Vez ou outra, o empreendedor paulistano Agnaldo Coutinho, de 53 anos, se submete a uma situação que para a maior parte das pessoas seria extremamente constrangedora. Ele pede a um funcionário da sua empresa, a Poly Defensor, da cidade paulista de Vinhedo, que espirre jatos de uma substância  grudenta na sua cara. A gosma é o principal produto da Poly Defensor, que fabrica sprays de defesa usados pela polícia e que, com apenas dois anos de vida, deve faturar 6,5 milhões de reais neste ano.

"Sou o primeiro a testar cada vez que desenvolvemos uma nova versão", afirma Coutinho. "Só evito os com odor muito forte, como um que tem cheiro de cebola, porque depois minha mulher reclama."

A ideia de fabricar os sprays surgiu há sete anos, de forma improvável. Coutinho então trabalhava na pacata controladoria de uma empresa do interior de São Paulo. Um dia, um amigo disse ter lido que a ONU estava recomendando aos países da organização que incentivassem suas polícias a contar com meios de coerção menos agressivos, além dos convencionais. "Me deu um estalo", diz Coutinho. "Vi ali uma oportunidade para ter meu próprio negócio." 


No Brasil, o que havia de mais parecido com o que Coutinho queria fazer eram os sprays de pimenta, que podem ser aplicados pela polícia em jogos de futebol e outros tipos de aglomeração se uns poucos baderneiros iniciarem alguma  confusão. "O problema é que o spray de pimenta pode respingar em pessoas inocentes que estejam próximas do suspeito", diz Coutinho.

Segundo especialistas em segurança, a consistência do spray da Poly Defensor permite atingir uma pessoa de cada vez. Quem recebe o jato não consegue enxergar direito, além de ter os músculos da face temporariamente paralisados, até que seja controlado pelos policiais. Depois, o grude é removido com um antídoto, também fornecido pela Poly Defensor.

Para tirar a ideia do papel, Coutinho demorou cinco anos e contou com o apoio de um engenheiro químico e um consultor de defesa pessoal. A invenção já foi patenteada. "Desenvolver novas tecnologias nessa área é raro no Brasil", afirma o consultor de segurança José Vicente Silva Filho. "As novidades costumam vir de fora."

No começo, os principais clientes da Poly Defensor eram empresas de vigilância e guardas municipais de pequenas cidades. Agora, o spray faz parte do equipamento das polícias do Maranhão, Rio de Janeiro e  Distrito Federal. No final de 2010, eles foram usados pelos soldados do Exército que ocuparam o Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, para expulsar quadrihas de traficantes.

Sem balas no caminho

Em setembro deste ano, o carioca Rodrigo Frota, de 28 anos, deixou sua casa no bairro do Maracanã, na zona norte do Rio de Janeiro, para hospedar-se durante quatro dias no hotel Copacabana Palace. Dono da Goal, empresa que transporta executivos em carros blindados na cidade do Rio de Janeiro, Frota estava ali a trabalho e em estado de alerta permanente.


"O presidente de uma multinacional americana estava hospedado no Copa e tínhamos de conduzi-lo a uma série de reu­niões durante aqueles dias", diz ele. 

De posse da agenda do executivo, na semana anterior ele definiu todas as rotas. Depois, percorreu-as para medir o tempo que cada farol levava para trocar de sinal e observar o tipo de gente que circula no perímetro estabelecido. Nos casos em que o trajeto e o horário aumentavam as chances de o executivo ficar parado no trânsito, Frota procurava alternativas — até definir os itinerários mais seguros.

O hotel foi transformado num quartel-general, de onde Frota coordenava a movimentação de entrada e saída do comboio do Copacabana Palace e dos locais das reuniões. Havia quatro veículos: um para os seguranças, outro para os acompanhantes do executivo e dois para o presidente. Só Frota e sua equipe sabiam qual o transportava em cada trecho.

Entre os clientes da Goal estão grandes empresas de setores como petróleo, telecomunicações e farmacêutico, além de bancos de investimento. Nos últimos meses, o movimento esquentou. "Os negócios gerados pelo petróleo do pré-sal, pela Copa do Mundo e pela Olimpíada estão atraindo uma grande quantidade de executivos ao Rio de Janeiro", diz Frota. Neste ano, a empresa deve faturar 4 milhões de reais, 60% mais que em 2010.

O Rio de Janeiro, onde a Goal atua, é o segundo estado com o maior número de veículos blindados no país, atrás apenas de São Paulo. Os dois estados concentram 88% desses veículos em circulação no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Blindagem. Filho de um português dono de uma locadora de carros, Frota começou a trabalhar por conta própria aos 19 anos, quando a empresa do pai não existia mais.

"Eu tinha um Passat e fazia bicos para outras locadoras", diz ele. Em quatro anos, Frota juntou as economias para comprar mais dois carros e fundou a Goal. Hoje, a empresa possui 30 veículos. "Só neste ano compramos dez," diz. Às vezes surgem contratos tão grandes que é necessário pedir ajuda a concorrentes, como a Classe A, do empreendedor Roberto Loureiro. "Quando é necessário, recorremos um ao outro", diz Loureiro. 


No encalço do cliente

Sempre que deseja saber o paradeiro da sua filha de 10 anos, o paranaense Silvio Torres, de 56 anos, não telefona para casa ou para o celular dela — ele  consulta o site de sua empresa, a curitibana Link. "Nosso sistema informa exatamente onde ela está", diz Torres.

"Vejo se a van do transporte escolar está andando ou parada e quanto tempo deve levar para chegar em casa." Na mochila da filha está um dos rastreadores vendidos pela Link. Parecido com um controle de portão de garagem, o aparelhinho é uma versão reduzida, para pessoas físicas, dos rastrea­dores que a Link instala em carros e caminhões.

Neste ano, a empresa deve faturar 6 milhões de reais — quatro vezes mais em relação ao resultado obtido em 2010. "Esse crescimento veio da expansão por franquias, que começou em março do ano passado", diz Torres. Desde então, foram inaugurados 22 pontos em nove estados. Cada um tem a sua própria central de controle. "Já fechamos contratos para abrir outras 38 até 2012", diz.

A Link nasceu em 2009, depois de Torres já ter trabalhado na Sascar e na Positron, duas grandes empresas que vendem equipamentos de rastreamento de veículos. "Percebi que havia espaço para uma empresa que atuasse no Brasil todo com o modelo de franquias", diz ele.

Entre seus clientes estão transportadoras preocupadas com a segurança de suas cargas em rodovias e concessionárias de veículos interessadas em evitar o roubo de carros em test-drives — um tipo de golpe que tem se tornado comum. As empresas que contratam a Link têm acesso a uma página na internet que informa onde o  veículo está e a que  velocidade.


"Se o cliente notar algo estranho, como um caminhão numa rua ou estrada fora da rota, ele entra em contato conosco", diz Torres. A Link, então, despacha uma equipe para seguir o carro. "Se estiver em posse de um ladrão, ficamos por ali até a polícia detê-lo", diz Torres. Desde que a Link foi fundada, em 2009, 14 veículos de clientes foram roubados. "Somente um não foi recuperado", diz Torres.

As empresas respondem por 70% das receitas da Link. O restante vem dos rastreadores vendidos a pessoas físicas. "Muitos funcionários de nossos clientes acabam comprando rastreadores para colocar em seus próprios carros", diz Torres. "Há um grande espaço para crescer com o consumidor final."

Um dos atrativos para conquistar esses clientes é reduzir o valor pago por eles às seguradoras de veículos. "Os descontos podem chegar a 30%", diz Marcelo Sebastião, diretor de seguros da Porto Seguro. "O índice de recuperação de carros roubados é 50% maior quando os veículos são rastreados."  

O vigilante rodoviário

Todos as manhãs, quatro funcionários da Buonny, empresa paulista de gestão de risco no transporte de cargas, esmiúçam uma série de planilhas com dados sobre a criminalidade nas estradas brasileiras. Eles querem saber que tipo de carga tem sido roubada com maior frequência, como e onde. 


Com base nessas informações, eles montam mapas que permitem saber quais são as estradas e ruas mais perigosas naquele dia. As análises são repassadas para os clientes — a maior parte formada por transportadoras de cargas de alto valor e muito visadas pelos ladrões — e acompanhadas de um diagnóstico que aponta os caminhos mais seguros. "Determinamos até os locais mais confiáveis para o caminhoneiro descansar", diz o administrador Cyro Buonavoglia, de 62 anos, dono da Buonny. 

Estima-se que neste ano o faturamento da Buonny chegue aos 45 milhões de reais — cerca de 25% mais do que no ano passado. Entre os clientes que Buonavoglia conquistou ultimamente estão empresas que transportam eletrônicos, medicamentos e cigarros — as mercadorias que mais atraem a atenção de assaltantes e que responderam por boa parte dos 880 milhões de reais em cargas roubadas nas estradas brasileiras em 2010.

"São produtos facilmente vendidos no mercado negro", afirma Mauro Henrique Pereira, da Associação Brasileira de Logística. 

Com o aquecimento econômico, o trânsito de produtos pelas estradas vem aumentando e, com isso, o roubo de cargas. Segundo a Associação Nacional de Transporte de Cargas, em 2011 o valor das cargas roubadas deve chegar a 1 bilhão de reais — 13% mais do que no ano passado.

"Transportar carga ficou perigoso", diz Buonavoglia. De alguns anos para cá, ele passou a oferecer aos clientes serviços de escolta armada.  Há casos em que esse apoio é feito de maneira ostensiva, com motos possantes e seguranças que parecem do Bope.

"Mas muitas vezes o cliente pede discrição máxima", diz. "Nesses casos, eles se vestem como motoqueiros comuns." Os serviços de escolta são executados por outras empresas, que Buonavoglia contrata conforme a necessidade. 

Na origem, a Buonny era uma administradora de um grande banco de dados com um cadastro de motoristas e seus históricos de viagens. As informações do banco são consultadas pelo cliente, que procura evitar motoristas que tenham sido assaltados várias vezes seguidas — a suspeita é que ele esteja mancomunado com os assaltantes.  "A escalada da violência tornou esse controle insuficiente”, diz Buonavoglia. “O mercado começou a demandar serviços mais completos ."    

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