Robô e humanos: entrevistou três PMEs que trabalham com o desenvolvimento de chatbots para saber mais sobre essa tendência de mercado (Foto/Thinkstock)
Mariana Fonseca
Publicado em 18 de julho de 2017 às 06h00.
Última atualização em 18 de julho de 2017 às 06h00.
São Paulo – Identificar necessidades dos clientes e apontar soluções. Mandar mensagens falando de novos produtos, com base no comportamento que os consumidores tiveram em compras anteriores. Fazer treinamentos dos funcionários, adaptando a dificuldade de acordo com a habilidade de cada um.
Essas são tarefas que costumam ter ao menos um funcionário responsável por elas – na verdade, o mais comum é ter uma equipe inteira.
Porém, algumas startups no Brasil já estão comercializando uma solução tecnológica para centralizar tais operações: os chatbots. Esses “robôs” são, na verdade, softwares que tentam emular a linguagem humana.
EXAME.com entrevistou três PMEs que trabalham com o desenvolvimento de chatbots para saber mais sobre essa tendência de mercado: as startups brasileiras Nama e Hondana e a rede de franquias espanhola Louyt.
A tecnologia básica usada em chatbots já existe há alguns anos: um software cruza as mensagens enviadas por usuários com respostas presentes na base de dados do programa.
Assim, é possível responder de forma automática aos questionamentos mais simples: dizer em qual site comprar um produto, conferir status de compras e direcionar reclamações, por exemplo.
É mais ou menos como funciona um atendimento padronizado por ligação ou SMS, por exemplo: cada número digitado equivale a uma opção de atendimento, com respostas gravadas.
Hoje, os chatbots estão mais sofisticados. Por meio do desenvolvimento da inteligência artificial, esses robôs conseguem se atualizar e evoluir a cada nova resposta dada por uma pessoa real – um conceito conhecido como machine learning.
Em 2015, esses chatbots sofisticados começaram a aparecer em países como os Estados Unidos. “Em geral, o mercado ainda não entendia o valor que havia nessa tendência. Apenas os perfis mais técnicos prestaram atenção em tal movimento”, analisa Lúcio de Oliveria, diretor de operações da startup Nama.
A inteligência artificial aplicada à emulação da linguagem humana só ganhou mais força em terras brasileiras no ano passado, com a adesão do Facebook à funcionalidade e a popularização do termo chatbot. Para Mark Zuckerberg, a novidade permitiria conversar com robôs da mesma forma que você falaria com um amigo.
Algumas startups brasileiras já faturam por meio de chatbots – e isso só é possível ao desenvolver um produto com encaixe no mercado, como em todo negócio. “A gente não acha que chatbot é apenas uma tecnologia. É, principalmente, uma aplicação para resolver um problema real do nosso público-alvo”, diz Greg Batem, sócio da startup Hondana.
Diversas empresas já usam chatbots, aqui e no resto do mundo - como as gigantes Amazon, Bradesco e Magazine Luiza. A expectativa é que a funcionalidade se democratize com o passar dos anos.
“A gente está em um momento de romper o mercado: os negócios ainda não sabem muito como lidar com a novidade ou ver sua eficiência. Uma vez que empresas pioneiras se destaquem ao usar a tecnologia, o boom do mercado virá. Acredito que isso ocorra no ano que vem”, afirma Alessandro Ribas, CEO da empresa de marketing digital Louyt.
A Nama surgiu a partir de outra startup do empreendedor Rodrigo Scotti, que trabalhava com inteligência artificial para desenvolver atendentes virtuais por voz. Em 2013, ele percebeu que havia um crescimento de serviços de mensagens, como Facebook Messenger e WhatsApp. Então, deixou de lado a voz e aplicou seu conhecimento em inteligência artificial para textos.
“A gente via esse canal de mensageiro como uma solução mais fácil do que desenvolver uma atendente por voz. Você pode mandar de maneira muito mais rápida e dá um resultado igual ou até melhor”, afirma Lúcio de Oliveira, chefe de operações e sócio da Nama.
Assim, nasceu a plataforma Nama: nela, desenvolvedores podem usar a tecnologia desenvolvida pelos empreendedores e montar suas aplicações próprias de chatbots, de atendimento até vendas. A startup também vende soluções prontas para clientes empresariais.
A Nama, hoje, atende 15 grandes empresas – de Bradesco e Gerdau até o case mais notável da startup, que é o serviço paulistano Poupatempo.
“Conhecemos o Poupatempo através de uma iniciativa de inovação do governo de São Paulo chamada PitchGov. Apesar de o Poupatempo ser um órgão de referência, eles tinham dificuldade em fornecer informações sobre os mais de quatro mil serviços que oferecem e também não conseguiam achar um processo menos burocrático do que o site deles para fazer agendamentos online”, explica Oliveira.
A Nama lançou um chatbot chamado Poupinha em dezembro de 2016 para fazer tais serviços pelo site e pelas redes. De lá para cá, 6 mil agendamentos são feitos por dia e 15 milhões de mensagens já foram trocadas.
“Até os próprios atendentes deixaram de utilizar o sistema do Poupatempo para usar o atendimento pelo chatbot”, afirma o sócio. “Outro ponto interessante é que 20% das pessoas que fazem o agendamento terminam agradecendo o robô.”
A Nama está em um mercado com uma competição de peso, que vai do Google à IBM. Para Oliveira, o diferencial da Nama é ter uma tecnologia de linguagem natural focada na língua portuguesa, enquanto tais gigantes focariam mais um atingir diversos países.
“Funcionamos muito bem em português. Quem contrata o Google, por exemplo, quer contratar também outros serviços junto - o chatbot é mais para composição de portfólio dessas grandes empresas.”
O próprio Google está de olho na startup: a Nama virou residente do espaço de empreendedorismo Google Campus no ano passado. A startup também captou um financiamento na agência governamental DesenvolveSP, para acelerar o crescimento do negócio.
Flavio Waiteman, diretor de criação da empresa de publicidade Tech And Soul, é um dos clientes da Nama.
“Partimos da premissa que quase ninguém vê site de agência, então a ideia era ter uma maneira diferente de apresentar a empresa. Por isso, criamos o primeiro site sem menu, no qual a Betty, nossa bot, conversa com quem acessa o endereço e apresenta a agência, seus sócios, a filosofia da empresa e trabalhos”, explica Waiteman.
“A Betty está começando na publicidade. Ela vai aprendendo aos poucos, conhecendo as áreas, os jargões da profissão e dando respostas cada vez mais completas.”
A Hondana é um exemplo de aplicação de uma plataforma de chatbots, como a produzida pela Nama: a startup resolveu apostar no mercado de treinamento de funcionários.
“A gente não acha que chatbot é apenas uma tecnologia, e sim uma aplicação para resolver um problema real. Focamos em uma lacuna muito grande, que é a capacitação de pessoas”, afirma o fundador Greg Bateman.
A Hondana já trabalhava com treinamentos há dois anos, em empresas como a rede Leroy Merlin. Um dia, a gigante informou à startup que sua principal dificuldade era capacitar os funcionários que estavam na base da empresa.
“Paramos três meses e fizemos um processo de Design Thinking, entrevistando e observando dezenas de grandes empresas.”
A startup percebeu que esses negócios não estavam usando plataformas digitais de treinamento nessa fatia de funcionários. Ao mesmo tempo, os gerentes de cada área passavam informações de produto e vendas aos seus funcionários por meio de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp.
“Vimos como o nível de engajamento no WhatsApp era maior do que em qualquer outra maneira de comunicar e capacitar pessoas. Será que poderíamos criar uma maneira de fazer tais processos de forma mais profissional e escalável?”, questiona Bateman.
A Hondana fez um produto experimental de sua solução e verificou um engajamento 15 vezes maior em relação às soluções do momento, com checagem diária por parte dos funcionários.
Com a resposta, a startup desenvolveu um mínimo produto viável (MVP) e mediu o sucesso do serviço em algumas empresas. “Em um cliente nosso, reduzimos a rotatividade de membros em três vezes e as vendas aumentaram em 25%, por ter mais funcionários capacitados.”
Ainda que a Hondana tenha começado por meio de um aplicativo tradicional, logo percebeu que essa ferramenta funcionava melhor para profissionais de nível sênior. Para os funcionários de base, o chatbot surgiu como alternativa.
“Até então, ninguém havia aplicado isso em treinamento da empresa. Já víamos chatbots B2C, de atendimento e de vendas, e pensamos em como aplicar isso internamente, com um foco no B2B”, afirma Bateman.
O diferencial do chatbot, de acordo com a Hondana, é a coleta de dados: o robô pode fazer perguntas e, a partir das respostas, saber o nível de entendimento daquele funcionário.
Imagine um cliente do ramo de telecomunicações que lançou um novo produto técnico. O chat começaria a ensinar para cada colaborador os aspectos do novo item. Se ele entende, o chatbot apresenta perguntas mais avançadas. Se ele erra muitas perguntas, o robô passa perguntas mais fáceis.
Ao final do processo, o chatbot pode dizer quanto o empregado evoluiu. Com tal checagem sendo feita diariamente, a empresa pode identificar grupos que vão bem e grupos que podem melhorar. “Essa captura de métricas é algo que não pode ser feito com o WhatsApp”, defende o empreendedor.
“Também oferecemos como diferencial um ambiente seguro, já que a informação dessas grandes empresas está em jogo. Por fim, precisávamos de uma solução mais legal, no sentido trabalhista: temos maior controle de uso do que serviços como o WhatsApp, podendo limitar horas de uso e permissão de acesso.”
Hoje, a Hondana atende dez grandes empresas dos ramos de telecomunicações e varejo. A expectativa é expandir os serviços oferecidos para esses clientes, e não apenas conquistar novas contas.
“Vimos que a oportunidade é bem maior do que a gente esperava. Avaliamos que o mercado de treinamento pelo celular, só no Brasil, é de mais de um bilhão de dólares. No mundo, é de 40 bilhões de dólares”, defende Bateman.
A Hondana entrou para a segunda turma de residentes do Google Campus, depois da Nama. Daqui alguns anos, a marca não descarta realizar uma venda da startup. “Vamos esperar um exit grande, por acreditarmos no potencial de solução.”
Cristina Bonello, gerente comercial de franquias da LATAM Travel Brasil, explica como a empresa usa os serviços da Hondana. Diariamente, os franqueados recebem atualizações, capacitações e conteúdos no segmento de turismo e aviação. O objetivo é dar um melhor atendimento aos clientes e, assim, fazer vendas de produtos e serviços mais efetivas.
“Buscamos os bots como mais uma opção de nos comunicar com nossa rede para atualizar e trocar informações, resultando em uma forma de interação democrática e eficiente”, explica Bonello.
“Acreditamos que essa tecnologia favorecerá muito a comunicação com as lojas parceiras para consolidar as fortalezas da marca, adquirir clientes, promover novos serviços e atualizar procedimentos.”
A espanhola Louyt adotou um posicionamento diferente da Nama e da Hondana: a rede de franquias de marketing digital resolveu comercializar suas soluções, incluindo seu chatbot com inteligência artificial, para os pequenos e médios empreendedores.
O projeto de chatbot começou em 2013, na Espanha, e levou entre dois a três anos para ser desenvolvido. O lançamento foi em outubro de 2016 no mercado europeu. A solução chegou às franquias brasileiras da Louyt em abril deste ano.
“A ideia surgiu da necessidade do mercado de, cada vez mais, chegar aos consumidores de forma mais direta – ou seja, pelo celular nas mãos dos usuários”, explica Alessandro Ribas, co-fundador da Louyt.
Para o empreendedor, a adoção do chatbot foi uma progressão natural da estratégia da Louyt e da relação do consumidor com os serviços: o negócio foi de SMS para landing pages [anúncios que redirecionam para sites] para storytelling [publicidade por meio de história] para, finalmente, chatbots.
A base do nosso negócio, desde a fundação, é um modelo de comunicação mobile, via smartphones e tablets. “A evolução natural era ter mais interatividade: saber o que o consumidor está querendo e dar uma resposta imediata aos questionamentos”, diz Ribas.
A Louyt fornece soluções para pequenas e médias empresas, especialmente nas áreas de suporte comercial e técnico para clientes (B2C). Os franqueados são responsáveis por entrar em contato com possíveis clientes e oferecer as funcionalidades – incluindo o chatbot.
O foco desse robô é em reduzir o trabalho dos humanos, por meio de uma comunicação eficiente. “Nosso chatbot tem semântica, ou seja, identifica as perguntas mesmo que a pessoa não escreva exatamente aquilo que foi programado. Ele também tem inteligência artificial: a cada resposta, ele fica mais preciso e inteligente.”
Cerca de 70 clientes da Louyt usam chatbots. A expectativa é chegar a mais de 200 robôs ativos até o fim deste ano. A marca também quer dobrar seu número de franquias, que hoje está em 55 unidades.
Wagner Oliveira, CEO da empresa de tecnologia em gestão de RH e educação corporativa Woli, conta que a empresa implementou o chatbot da Louyt há 90 dias. Desde que o robô começou, cerca de 15 a 20 perguntas novas são feitas por dia sobre os cursos que a empresa oferece.
"O nível de complexidade das perguntas é alto, porque não é um tipo de negócio simples. Já temos uma grande quantidade de informações armazenadas e isso nos ajuda a responder com agilidade nossos clientes".