(Thomas Barwick/Getty Images)
Agência Brasil
Publicado em 21 de março de 2021 às 14h00.
Informação e planejamento são as palavras-chaves para quem decide empreender, seja por necessidade ou por oportunidade de negócio. Colocar no papel informações básicas sobre o mercado consumidor e os custos são essenciais para alinhar as expectativas e garantir a sustentabilidade de uma empresa no longo prazo, em meio à concorrência.
E foi isso que a empreendedora Acza Kate Rodrigues, de 36 anos, fez. Moradora de Brasília, há cerca de dois anos ela descobriu a costura em sua vida e passou a fabricar peças para os três filhos. Ela buscou informação, fez cursos e aproveitou o conteúdo disponível na internet. Isso foi alimentando a vontade de ter a própria marca. No ano passado, encontrou a oportunidade de montar o negócio em sociedade, mesmo em meio à pandemia de covid-19.
A Gota D'água é uma marca de roupas infantis e as vendas acontecem pelas redes sociais. Atualmente, Acza e a sócia estão lançando uma nova coleção e já têm projetos para ampliar a equipe e criar um site, para aumentar as vendas online.
“O que me fez decidir e tocar o negócio foi parar de esperar pelo tempo certo, mas começar com o que eu já tinha. As condições exatas podem nunca chegar, mas as pessoas podem conseguir e ter sucesso no mercado”, disse, explicando que logo no início fez seu registro como microempreendedor individual (MEI), já pensando na expansão da empresa. “Nosso sonho é ser empreendedoras, para isso precisa ter tudo regulamentado, para que esse crescimento seja real”, explicou.
Para se ter uma ideia, em 2020, houve um recorde na formalização de novos negócios no país, com alta de 6% em relação a 2019, de acordo com o boletim do Mapa de Empresas, do Ministério da Economia. Das 3.359.750 de empresas abertas, 2.663.309, ou 79,3%, foram microempreendedores individuais (MEI), uma modalidade de empresário individual com processo simplificado para abertura de empresas, regime especial de tributação e acesso facilitado a crédito.
De acordo com o gerente da Unidade de Competitividade do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), César Rissete, a participação dos pequenos negócios no PIB (Produto Interno Bruto – soma de todos os bens e serviços) do país aproxima-se de 30%. Além disso, eles têm sido fonte de geração de emprego e representam hoje 56% dos trabalhos com carteira assinada.
A pandemia de covid-19 reforçou essa tendência de crescimento das micro e pequenas empresas, segundo Rissete, pois muitas pessoas tiveram dificuldade de colocação no mercado formal ou perderam seus empregos e tiveram que ir atrás do sustento de outra maneira. “A formalização é um passo importante, mas é insuficiente para a manutenção da empresa no mercado”, disse.
“E parte significativa de aumentar a sobrevivência do negócio vem do movimento de preparação e profissionalização do empresário”, explicou. Segundo o gerente do Sebrae, não é necessário um planejamento exaustivo, que leve muito tempo, mas o empreendedor, mesmo por necessidade, precisa ter o mínimo de conhecimento sobre sua área de atuação, o mercado e o público que vai atender.
Em geral, o empreendedor por oportunidade se dedica mais à fase de planejamento, mas para Rissete, mesmo com menos tempo é possível se preparar. Em primeiro lugar é preciso pensar no mercado consumidor e no marketing de vendas: qual público vai atender, em qual localidade, a demanda pelo serviço ou produto na região e como chegar a esse consumidor e se fazer enxergar.
“Se eu colocar as informações da empresa na internet ou nas redes sociais, o cliente está nesse canal? Ele vai me enxergar ou eu preciso fazer algum impresso físico e distribuir para que as pessoas saibam que estou oferecendo aquele serviço? Ou por meio de algum aplicativo eu consigo que as pessoas me enxerguem?”, explicou o gerente do Sebrae, sobre as questões a serem respondidas pelo empreendedor.
Para o especialista em gestão de negócios e sócio da empresa Prosphera, Haroldo Matsumoto, em muitas situações, o microempresário acaba superestimando o próprio sucesso e começando o negócio de qualquer forma sem ter certeza se vai dar certo ou não. Nesse planejamento inicial, segundo ele, é possível, inclusive, fazer testes com o produto ou o serviço a ser oferecido. “Para saber se as pessoas vão querer comprar e se, nessa compra, sobra lucro para reinvestir no negócio, porque às vezes só empata ou toma prejuízo”, disse.
Também é preciso entender a evolução do produto ou serviço, segundo o especialista, e trabalhar pelas recomendações dos clientes. “Tem que ouvir muito a opinião do cliente e ir aprimorando até que o nível de satisfação seja muito bom a ponto do cliente repetir a compra e começar a indicar seu produto ou serviço”, diz Matsumoto.
Para os especialistas, é indiscutível que buscar orientação profissional é fundamental no início do negócio e há soluções gratuitas disponíveis. Os portais do Empreendedor e do Sebrae possuem um conteúdo amplo de informações para quem quer começar o seu negócio. Há ainda iniciativas como a organização Endeavor Brasil, que apoia empreendedores em diversas partes do mundo, e outros grupos de empresários e instituições que fazem esse trabalho.
Além disso, segundo o gerente do Sebrae, é preciso fazer o mínimo de contas e ter claro o custo para entrar no mercado. “Essa é chamada de gestão financeira, que é pensar quanto tenho de previsão ou perspectiva de comercializar, quanto o mercado está pagando pelo meu serviço ou pelo produto que vou comercializar, quanto vai custar e a quanto vou vender, quanto tenho que ter para me preparar, para ver se tenho fôlego financeiro para aguentar a entrada nesse mercado”, diz Rissete.
Matsumoto também explica que é importante ter uma reserva financeira pessoal, já que o negócio próprio pode levar de um a dois anos para começar a dar um resultado positivo e o empresário conseguir fazer suas retiradas. “Para quem abriu a empresa por necessidade, por causa da pandemia, isso é um complicador”, destacou.
Nesse sentido, por exemplo, o governo oferece crédito facilitado para micro e pequenas empresas e, ano passado, criou o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que instituiu linhas de crédito para que os pequenos negócios pudessem acessar capital de giro durante a pandemia. Matsumoto, entretanto, alerta que é preciso cuidado com esse tipo de financiamento.
“O empreendedor não sabe se vai ter retorno para pagar a parcela, mesmo o Pronampe que tem carência de seis meses, não dá pra ter absoluta certeza. Mas se ele não tem outra saída, não tem outro recurso com juros tão baixos, só é preciso tomar cuidado para que isso não se torne um pesadelo, tem que saber o que fazer com esse dinheiro”, explicou.
Outra dica clássica e que sempre vale a pena lembrar, segundo Matsumoto, é não misturar a conta pessoal do empresário com a da empresa. “É importante para saber quanto o negócio está dando de lucro ou prejuízo. Às vezes a empresa é lucrativa, mas se o proprietário tira muito dinheiro aí não há empresa que aguente”, argumentou.
E para quem vê na internet e nas redes sociais um caminho mais fácil para começar o seu negócio, Rissete alerta que, da mesma forma que o empreendedor tem o mundo online à disposição, os clientes também se perdem mais facilmente e podem não enxergar o produto ou serviço oferecido. “Na medida que se tem muita opção, é preciso se diferenciar. Tirando os produtos e serviços mais disruptivos, que surgem e não tem ninguém oferecendo no momento, muitos entram [nas vendas online] para oferecer algo que já existe, que já tem um concorrente”, explicou.
Segundo o gerente do Sebrae, nesse sentido, é preciso aplicar o conceito da inovação, adaptável aos pequenos negócios. “O que eu faço para me diferenciar e fazer com que a pessoa que compra de determinado estabelecimento me olhe e me coloque na sua lista de decisão, e decida por mim? No canal digital isso é mais forte porque lá a concorrência é maior, há mais opções, então a diferenciação é fundamental”, disse.
“Tem muita gente que tem o online muito fortalecido. Aqui era o contrário, o físico é melhor, mas com a pandemia, precisei fortalecer esse canal e foi difícil”, disse, explicando que passou a vender as roupas pela internet, enquanto buscava por capacitação e cursos à distância para impulsionar o negócio online. “Mas as pessoas não estavam comprando roupa, não era o momento para aquilo ali, mesmo fazendo campanhas de frete grátis, facilitação de trocas e outros recursos que eu utilizei”, contou.
O caminho foi aprender outro ofício e, então, passou a fazer trufas em casa. “Pensei: vou vender alguma coisa de comida, porque isso as pessoas estão consumindo. Por mais que a situação esteja difícil e tudo mais que estamos vivendo, você consegue tirar um dinheiro para comer um doce”, disse. E o negócio de trufas deu tão certo que Bruna já pensa, um dia, em colocar um ponto fixo de vendas. “Por conta ainda dessa incerteza [com os rumos da pandemia] não vou montar uma doceria agora porque não é o momento de aumentar despesas com outro aluguel e funcionários”, explicou.
Além dos negócios com as roupas e os doces, com as boas vendas de final de ano, Bruna reformou a sua loja, passou a vender acessórios esportivos e montou a Meus Acessórios, também com atendimento online e na loja física. “O importante é não perder a esperança mesmo. Tem muita gente que quebrou, o comércio abalou demais. Mas a gente tem que estar preparado, o mundo do empreendedorismo é isso. Sempre vai ter alguém que goste e está disposto a comprar o seu produto, então não precisa desistir ou ter vergonha de vender”, disse.
De acordo com Matsumoto, após ter o negócio consolidado, o empreendedor receberá dois sinais que apontam a necessidade de ampliar a empresa: a insatisfação pessoal e a limitação de conhecimento.
“A primeira situação é quando o trabalho deixa de ser prazeroso, satisfatório, e virar um castigo, uma preocupação. É sinal que ele precisa se profissionalizar. Até um certo ponto, o dono consegue tocar sozinho, mas quando começa a crescer e isso passa a atrapalhar os controles, a qualidade, então é hora de evoluir”, explicou.
O segundo momento, de acordo com o especialista, é quando a vontade de crescer existe, mas o empreendedor não tem todos os conhecimentos. “Às vezes ele é bom em fazer um produto ou serviço, mas não é bom no marketing ou venda ou gestão de pessoas. É o momento em que ele percebe que sozinho não tem as competências necessárias para a empresa crescer e começa a buscar outros colaboradores ou até uma consultoria”, disse.
Para o especialista em gestão, com as incertezas sobre a pandemia ainda não é possível definir os rumos do mercado, então, os empreendedores devem tentar entender o próprio cenário, o produto ou serviço que oferecem e se precisam fazer adaptações para se manter ou continuar crescendo no mercado. “Obter informações e transformá-las em algo que ajude na empresa ou mesmo se atentar para outras oportunidades que surgiram com a nova reconfiguração social”, disse.
A empreendedora Maíra da Costa, de 39 anos, ficou atenta e também precisou reinventar seu negócio no ano passado. A partir de pesquisas com os próprios clientes, conseguiu manter a Free Soul Food em funcionamento em São Paulo (SP). “Acho que o empreendedor tem que ter bem claro que é o cliente que ajuda a te nortear quando acontecem essas coisas [no caso, a pandemia], é preciso entender o que o cliente está fazendo e o que ele precisa”, disse.
Há cinco anos no ramo da gastronomia, Maíra toca com a mãe a empresa que oferece alimentação para pessoas com restrições alimentares, veganos e vegetarianos e também atuava com serviço de buffet completo para eventos sociais e grandes clientes corporativos, como coffee breaks e coquetéis. Com as mudanças impostas pela pandemia e a adoção do trabalho remoto em muitas corporações, foi necessário explorar outros modelos de negócios. “Tínhamos vários eventos agendados para o segundo semestre [de 2020] e simplesmente foram cancelados”, disse.
No primeiro momento, elas passaram a oferecer cursos para pessoas físicas e jurídicas, entre eles, de panificação, proteína vegetal e alimentação saudável. No segundo momento, por demanda dos clientes, foi a vez de explorar as vendas online e o serviço de delivery.
Hoje, elas oferecem cestas de refeições pré-prontas e alimentos cortados e fracionados para serem feitas em casa. “Todos estavam tentando se virar, a maioria em home office, para dar conta da alimentação da família; muitos estavam perdidos sobre o que comprar e como preparar as refeições. Então, a partir de uma pesquisa, lançamos a cesta inclusiva”, explicou. Os pedidos são feitos pela internet, com entrega para diversas regiões da cidade de São Paulo.
Além da cesta para atender as famílias, elas também queriam uma alternativa para manter o atendimento às pessoas jurídicas e perceberam que os eventos continuavam acontecendo em um modelo diferente, com equipes reduzidas e transmissões online. Dessa forma, também foi criado o coffee break na caixa.
“Parte dessas mudanças não foram em processos simples, ficamos quase quatro meses com a empresa fechada. Fizemos a pesquisa e começamos a oferecer os cursos para não perder o contato com o cliente. Além disso, participei de capacitações de entidades diferentes para podermos nos adaptar. A gente entende que o normal, como conhecíamos, não existirá mais, as pessoas vão precisar se adaptar”, explicou Maíra.