Cofrinho (Stock.xchng)
Da Redação
Publicado em 22 de julho de 2011 às 18h10.
São Paulo - De carona no sucesso de iniciativas estrangeiras, empreendedores brasileiros estão se aventurando no crowdfunding, modelo que permite que indivíduos ou empresas financiem seus projetos através de doações coletivas.
A premissa é relativamente simples: o autor da ideia apresenta sua proposta em uma plataforma online e diz quanto quer captar. Através deste sistema, indivíduos que se interessem em apoiar o projeto fazem doações – cada um dá o que quer ou o que pode. Em troca, o dono do projeto oferece uma recompensa – se o projeto anunciado for um filme, por exemplo, os “investidores” podem receber uma cópia gratuita em primeira mão.
Se o projeto conseguir captar os recursos desejados, os donos da plataforma repassam a verba aos responsáveis pelo projeto, ficando com uma comissão – em geral, 5%. Se a meta de arrecadação não for atingida, o dono da ideia sai sem nada e os investidores recebem o dinheiro investido de volta - em alguns casos, não em espécie, mas em forma de crédito para investir em outros projetos.
Uma das referência mais importantes em crowdfunding, o site americano Kickstarter já permitiu que mais de 380 mil pessoas buscassem recursos para colocar suas ideias em prática – desde filmes independentes até discos produzidos e gravados em casa. Mais de 30 milhões de dólares em recursos foram solicitados por meio da plataforma, sendo que alguns projetos chegaram captar mais de 100 mil dólares.
Versões brasileiras
Aprovada lá fora, a ideia começa a ser testada por aqui. O site brasileiro Catarse estreou esta semana com a mesma proposta – financiar ideias criativas. Com cinco projetos no ar, a plataforma aceita doações de 10 reais até 10 mil reais. O objetivo é abrir até 600 projetos para captação de recursos por meio do site ainda este ano. As áreas prioritárias incluem arte, música, design e produtos inovadores em geral.
“Como o critério ‘criatividade’ é muito subjetivo, incentivamos que enviem todo tipo de projeto para nossa avaliação”, diz Diego Reeberg, estudante da FGV-EAESP que criou o serviço junto com o colega Luis Otavio Ribeiro e com a empresa de tecnologia Softa. A iniciativa é abertamente inspirada no Kickstarter. Assim como na versão estrangeira, quem colabora com os projetos tem direito a recompensas exclusivas.
Quem patrocinar o livro “Uma Breve História do Amor” (descrito pelo autor como “uma narrativa com elementos de ficção científica sobre o amor”), por exemplo, pode ter desde seu nome estampado na dedicatória do livro, se doar 10 reais, até uma consultoria do próprio autor na busca do amor verdadeiro se fizer uma generosa doação de 1 mil reais ou mais. O autor pede 5,5 mil reais para viabilizar o projeto – até o fechamento desta matéria, já tinha arrecadado 160 reais.
Mas o Catarse não ficará sozinho por muito tempo neste mercado. Outras iniciativas estão em vias de estrear, entre elas o Motiva.me, que tem uma proposta bem parecida. Criada por um casal – ele designer, ela relações públicas – durante uma temporada nos Estados Unidos, o projeto está no forno e deve entrar no ar até o final da próxima semana.
Dos Estados Unidos, onde faz os ajustes finais no sistema encomendado a programadores locais, Luiz Antonio da Luz fala sobre o perfil dos projetos que vão estrear na plataforma. “Recebemos propostas que vão desde um gerador de hidrogênio para economizar gasolina no carro até livros e documentários”, conta o sócio-fundador do Motive.me.
Além das doações de pessoas físicas, o site permitirá que empresas patrocinem os projetos, associando um banner à ideia apoiada. Embora qualquer um possa fazer doações, o executivo acredita que grande parte dos recursos virá de pessoas envolvidas com a iniciativa, “Possivelmente 70% das doações virão de pessoas que já estão ligadas de alguma forma ao projeto”, explica Luz. Assim como no Catarse, a comissão cobrada pela plataforma será de 5%, caso o financiamento seja viabilizado.
Celeiro de startups
Outra iniciativa que está em fase de gestação é o Love Money, que permitirá o financiamento de startups, especialmente as do ramo de internet. O projeto está sendo desenvolvido pelo Instituto Inovação, que apóia jovens empreendedores brasileiros de alto impacto. “A ideia é que o crowdfunding viabilize o primeiro investimento, que normalmente vem da família e dos amigos, antes até do capital semente”, explica Felipe Matos, responsável pelo projeto.
A ferramenta deve estrear ainda no primeiro semestre. Segundo Matos, um dos aspectos que ainda está sendo equacionado é como permitir que, além das recompensas, os investidores possam ter retorno financeiro. “A legislação no Brasil não está preparada para este modelo”, explica. Apesar do atraso nas leis, ele acredita que o brasileiro está pronto para embarcar na onda do crowdfunding.
“É um modelo que reflete uma tendência do nosso tempo: dar poder para os consumidores e os transformar em produtores. É um movimento que começa no Linux e que está por trás de outros serviços de grande sucesso como a Wikipedia e o YouTube”, argumenta.
Investidores do bem
Também com a estreia marcada para esta semana, o Senso Incomum pretende mobilizar o crowdfunding para causas do bem. A plataforma deve entrar no ar com três projetos que demandam recursos de 100 reais até 5 mil reais. “A ideia é dar espaço para projetos de todos os portes, desde indivíduos não-governamentais até organizações propriamente ditas. Estamos falando desde professores que dão aulas em comunidades carentes e precisam e uma lousa branca até o Greenpeace, se precisar de um barco para fazer campanha contra a caça a baleias”, exemplifica Eduardo Sangion, co-fundador da iniciativa.
Assim como as demais plataformas, os responsáveis pelo ferramenta ficam com uma comissão pela intermediação do negócio (8%), mas em vez de repassar os recursos a Senso Incomum entrega aquilo que o empreendedor social pediu – no caso do professor, a lousa; no caso do Greenpeace, o barco. O modelo de contrapartida aos investidores também será diferente. “Ainda estamos estudando, mas a ideia é que o empreendedor apoiado possa fazer um agradecimento criativo, já que ele não tem um produto para oferecer”, explica Sangion.
Pioneiros
No ar há mais tempo, os sites Queremos e Vakinha indicam que o crowdfunding tem potencial para dar certo no Brasil. O primeiro permitiu que os fãs dos artistas Mike Snow e Belle & Sebastian unissem forças para trazer seus ídolos ao Brasil. Aqueles que fizeram doações através do Queremos tiveram o dinheiro revertido em ingressos uma vez que as apresentações foram viabilizadas.
Já o Vakinha permite que qualquer internauta cadastre seu objeto de desejo no site e peça doações aos amigos para poder comprá-lo. No ar desde 2009, a plataforma já teve mais de 30 mil “vaquinhas” cadastradas e permitiu que pelo menos 10% dos projetos fossem viabilizados – desde festas de casamento e churrascos até pedidos de ajuda para animais e crianças doentes, passando por operações de implante de silicone e tatuagens.
“Já tivemos um projeto de casamento que arrecadou 60 mil reais”, conta Luiz Felipe Gheller, diretor executivo e um dos fundadores do Vakinha, cujas próprias bodas motivaram o nascimento do site. “Como fomos para fora do país, presentes ou listas de casamento não faziam sentido. Aí veio a ideia de criar uma um site onde as pessoas pudessem fazer doações em dinheiro”, conta.
Mas não são só os projetos pessoais que têm vez na plataforma. Segundo Gheller, muitas bandas usam a ferramenta para financiar seus discos e blogueiros pedem ajuda para manter seus sites no ar – sinal de que o modelo tem potencial para se tornar uma fonte interessante de financiamento para os empreendedores no Brasil.