Tiago Alvarez e Benjamin Gleason, do GuiaBolso (GuiaBolso/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 15 de dezembro de 2016 às 06h00.
Última atualização em 16 de dezembro de 2016 às 14h27.
Durante vários momentos de sua carreira, o americano Benjamin Gleason esteve conectado à América Latina. Fosse tirando seu diploma de língua espanhola junto com o de economia na universidade ou gerindo projetos ligados ao Brasil, essas experiências fatalmente o levariam ao ano de 2007. Ben concluiu seu MBA na renomada Wharton Business School e se mudou para São Paulo para trabalhar na McKinsey&Co.
Em seu primeiro dia na consultoria, conheceu Thiago Alvarez, que tinha deixado a ONG Alfabetização Solidária. Entre um projeto e outro, Ben e Thiago descobriram um interesse comum por empreendedorismo e impacto social. Ficaram tão amigos que mantiveram contato mesmo depois que Benjamin deixou a empresa, dois anos depois.
Ben foi voluntário em uma ONG no Rio de Janeiro e morou por três meses na comunidade da Rocinha. Logo em seguida, voltou para os EUA e cofundou uma startup de pagamentos mobile, a SalesVu. Mas o crescimento inicial era lento e ele queria mesmo era estar no Brasil. Foi quando um dos fundadores do Groupon Brasil — Florian, que ele havia conhecido na McKinsey&Co — o convidou para se juntar como diretor aos dois sócios.
Ben logo assumiu também a posição de CFO América Latina e pôde acompanhar de perto momentos empolgantes, como o do IPO da empresa. O ano era 2011 e o negócio de compras coletivas estava estourando por aqui. Com esse movimento, veio uma sacada: milhões de brasileiros começavam a adquirir produtos online pela primeira vez. Enquanto isso, a oferta de crédito também aumentava. E começava a se transformar em inadimplência.
Thiago observava a mesma tendência de endividamento da população conforme prestava consultoria. Conversando com amigos, o motivo parecia simples demais: a falta de planejamento financeiro. Tão simples que poderia ser resolvido.
A dupla descobriu, por exemplo, que só 2% das pessoas que ao menos criam planilhas financeiras conseguem mantê-las atualizadas. Como seria possível criar um processo automático onde as pessoas pudessem visualizar e entender as evidências por trás de seus gastos? Como estimular o brasileiro a ser mais dono do próprio dinheiro?
Concordaram que estava na hora de deixar a vida corporativa e colocar o chapéu de empreendedor. Mas, entre a concepção e a plataforma pronta, foram mais de dois anos de trabalho.
Os investidores não compraram a ideia de primeira. Tudo aquilo era muito novo, as startups de tecnologia não estavam ainda tão em alta quanto hoje, assim como o apetite dos investidores para assumir o risco de um projeto bem incerto.
"No começo não havia muita certeza sobre o que a gente estava fazendo, não havia muitas referências. E o mercado financeiro no Brasil é dominado por poucos players, então houve muito ceticismo por parte dos fundos", conta Thiago.
Mesmo assim, havia quem acreditasse neles e na ideia: além dos próprios Ben e Thiago, que colocaram em torno de R$ 150 mil cada um, um ex-colega de trabalho assinou um cheque de R$ 60 mil.
O dinheiro foi praticamente todo para o desenvolvimento da plataforma. Contrataram três funcionários e começaram a trabalhar de casa.
Mas, por mais irônico que possa parecer, uma empresa de tecnologia para finanças também teve de superar dificuldades financeiras iniciais. Mesmo depois de eles conseguirem fechar com fundos de investimento, houve momentos de apreensão.
“Era época de Natal e a gente estava ficando sem caixa. A gente ia ficar sem dinheiro para pagar salário se não caísse logo o dinheiro do fundo”, diz o empreendedor.
Em abril de 2014, foi lançada a primeira versão do GuiaBolso, no início apenas para computador. Com algo mais concreto na mão, os empreendedores conseguiram levantar uma rodada de capital e partiram para o desenvolvimento do aplicativo, lançado em julho.
A meta era atingir 50 mil usuários até o fim do ano, mas a coisa engatou mesmo quando o aplicativo passou a estar disponível para download em celulares. De um jeito que, ao fim de dezembro, eram mais de 400 mil pessoas ativas usando o app.
O GuiaBolso é um aplicativo gratuito feito para as pessoas organizarem suas finanças de forma muito simples e, assim, tomarem melhores decisões sobre que fazer com seu dinheiro.
Pelo GuiaBolso, o usuário pode planejar suas finanças pessoais, estabelecendo metas e visualizando suas transações bancárias em um só lugar. Ao conectar suas contas bancárias, o aplicativo automaticamente reconhece, categoriza e organiza as informações referentes a gastos e investimentos (incluindo cartão de crédito).
É possível também editar e adicionar transações manualmente (para gastos em espécie, por exemplo), estabelecer metas de economia e receber alertas caso algo esteja fora do planejado.
Por depender da sincronização com os bancos, um grande desafio inicial dos fundadores foi conquistar a confiança do usuário. Segurança sempre foi um dos principais focos de atenção — os dados são criptografados, apenas o dono da conta tem acesso e não é possível realizar nenhuma movimentação do dinheiro pela plataforma.
Aos poucos, foram entendendo a melhor forma de comunicar isso e tranquilizar os usuários. Deu certo. A base de clientes cresceu e hoje o GuiaBolso já ultrapassou a marca de 3 milhões de pessoas usando o serviço, e o número não para de crescer. Os níveis de satisfação são bem acima da média do setor, e o marketing mais eficaz tem sido o boca a boca.
Isso porque o uso do aplicativo provou ser uma forma efetiva de melhorar a saúde financeira dos usuários. Dados do GuiaBolso estimam que a economia feita por quem utiliza o aplicativo superou os 200 milhões de reais em 2015. E o boom começou antes mesmo de monetizarem o aplicativo.
A prioridade de Ben e Thiago, até esse ano, tinha sido garantir a funcionalidade do GuiaBolso para alcançar o maior número de pessoas possível e garantir que eles mantivessem um alto nível de engajamento e satisfação, melhorando de fato sua saúde financeira.
Tanto que apenas em 2016 eles aprofundaram os estudos sobre como gerar receita. A ideia é oferecer serviços financeiros de instituições parceiras e indicar aos usuários opções de crédito pessoal que tenham juros mais baixos, que sejam adequados ao que cada um precisa.
Um dos pontos de partida foi a forma com que o brasileiro lida com o cheque especial. Quando lançaram a ferramenta, pelo menos 26% das pessoas cadastradas usavam esse recurso todos os meses. Nos últimos anos, a taxa já caiu para 19%, mas ainda é alta.
No futuro, a plataforma pode apoiar o usuário a também tomar decisões melhores sobre onde investir suas economias.
O propósito é transformar a relação do brasileiro com o dinheiro. Empoderá-lo e oferecer transparência e informação para a tomada de decisão. Parece que estão no caminho certo: em apenas 4 meses, usuários já estavam poupando 2,5 vezes mais.
Em 2015, o valor total poupado a mais foi de R$ 247 milhões. Além disso, o GuiaBolso mantém um blog para democratizar ainda mais o acesso ao conhecimento sobre gestão financeira.
Em quatro anos, o GuiaBolso trouxe muitos aprendizados para Ben e Thiago. Por exemplo, que em uma startup de tecnologia é preciso testar hipóteses e se adaptar ao mercado muito rapidamente. Por esse e outros motivos, os dois fundadores já deram muita mentoria, mas já receberam também.
Para dar continuidade a esse ciclo, Benjamin Gleason e Thiago Alvarez foram selecionados como os mais novos Empreendedores Endeavor. Eles passaram por um árduo processo que avalia sua capacidade de execução, diferencial competitivo, potencial de escala e o exemplo que passam adiante.
A aprovação final aconteceu neste 9 de dezembro, no 68º Painel Internacional de Seleção (ISP) em Palo Alto, EUA. Assim, passam a contar com o apoio de uma rede de mentores composta pelos maiores empreendedores e especialistas de negócios do país, para que Benjamin e Thiago possam continuar crescendo e empoderando muito mais pessoas.