A equipe da Verte no escritório da empresa (Rafael Hupsel/Verte/Divulgação)
Mariana Desidério
Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 22 de janeiro de 2018 às 11h48.
São Paulo – Com 97 globos terrestres pendurados no teto, a Sala Mundo é o ponto alto do novo escritório da Verte, localizado na Vila Olímpia, em São Paulo. É também o xodó da dona do negócio, a empreendedora Sandra Rossi. “Adivinha quantos globos tem aqui?”, desafia logo de cara.
Inaugurado em 2016 e decorado com sofás, pufes e desenhos de artistas nas paredes, o escritório reflete o novo espírito da empresa. Desde aquele ano, a Verte passou a adotar um sistema de gestão compartilhada.
Resumidamente: sem chefes.
Antes a empresa funcionava como uma organização comum, com tantas posições hierárquicas quanto possível: “Tinha CEO, diretor, gerente, coordenador, supervisor, líder. A questão é: o que diferencia cada um deles?,” provoca a consultora Erica Isomura, contratada pela Verte para tocar a mudança no modelo de gestão.
Hoje, há basicamente três núcleos: orientativo (onde estão os profissionais mais graduados), executivo (equivalente ao nível de analista num sistema tradicional) e apoio (onde estão assistentes e auxiliares). “Enquanto a estrutura tradicional é uma pirâmide, a gestão compartilhada é circular. Quanto mais no núcleo você está, mais você consegue olhar para o todo”, explica a consultora.
A mudança impactou em toda a organização do negócio: demissões, promoções, definição de férias – tudo agora é decidido pelos cerca de 40 funcionários em conjunto.
E se antes a empresa funcionava numa casa cheia de salas, hoje o escritório é aberto, com mesas conjuntas – ali ninguém tem lugar fixo e as pessoas trabalham perto de quem está atuando no mesmo projeto naquele momento. Em contrapartida, cada um ganhou um armário para colocar suas coisas, já que as mesas são compartilhadas.
Parece lindo na teoria, mas será que um modelo como esse é positivo para o desempenho do negócio?
A dona da Verte atesta que sim. “Em 2017, pela primeira vez nós tivemos 17 projetos avaliados em 100% pelos clientes. No ano anterior tivemos apenas 1 projeto avaliado em 100%”, comemora Rossi.
No ano passado, a empresa teve uma receita operacional de 17 milhões de reais, contra 15 milhões de reais em 2016 e 13 milhões de reais em 2015.
Do ponto de vista dos funcionários, a nova estrutura pode até ter assustado no início, mas trouxe benefícios. É o que diz Leandro Gandra, que está na Verte há dez anos, e tinha um cargo de liderança na empresa antes da mudança na gestão.
“Eu era responsável por uma equipe de doze pessoas. Com a mudança, as responsabilidades foram divididas com toda a equipe e eu tenho um papel muito mais consultivo, não tem mais aquela relação líder-liderado. Isso me deu tempo para focar em outras coisas, como a prospecção de clientes”, afirma.
Gandra diz ainda que, no modelo antigo, muitas vezes a gestão de pessoas acabava em segundo plano, o que frustrava os membros da equipe. “Muitas vezes ia fazer uma avaliação de funcionário e me preparava em cima da hora, porque meu foco estava em outra coisa. Agora, atuo junto com as pessoas nos projetos então fazemos a avaliação sobre aquele trabalho específico, então fica muito mais fácil dar um retorno produtivo”, completa.
Mas, afinal, como essa auto gestão funciona na prática?
A CEO Sandra Rossi conta o caso de uma demissão que ocorreu recentemente na empresa. “A decisão foi tomada pelas pessoas do orientativo e do executivo que estavam trabalhando junto com essa pessoa nos projetos. No momento da avaliação, todo mundo votou e tomamos uma decisão”, explica.
As promoções seguem um script semelhante, e os colegas opinam antes da decisão final.
E como são definidas as férias? “Cada funcionário combina com os colegas que atuam no mesmo projeto para definir um período”, conta.
“Quando mudamos, as pessoas perguntavam: para quem eu peço férias? Agora posso chegar a hora que quiser e sair quando quiser, como é isso?”, lembra a empresária.
O pontapé que levou a essa revisão radical foi uma triste constatação: as pessoas trabalhavam desmotivadas na Verte. “Tínhamos uma estrutura muito fragmentada, e isso começou a criar insatisfação e dificuldades de comunicação. O que nos acordou foi ver que não havia troca de conhecimento na equipe”, lembra Rossi.
Ela começou a buscar então o que havia no mundo de exemplos de modelos de gestão e encontrou a consultora Erica Isomura, que atuou na Vagas, empresa que já havia instaurado um modelo de gestão horizontal.
Dois anos depois de iniciado o sistema de gestão compartilhada na Verte, não se pode dizer que a mudança está terminada. “É um processo em construção, e ainda temos desafios”, afirma Isomura. O principal deles é a mudança de mentalidade”.
“Vira e mexe escutamos falas que revelam a presença de um mindset antigo. Coisas como ‘aprova isso para mim?’ ou ‘me diz o que fazer nessa situação?’ ainda aparecem muito. E são reflexo de uma lógica com a qual a gente está acostumado, que é a do pai, professor, patrão. Nossa ideia aqui é que cada um seja líder de si mesmo.”
Mas será que um modelo como esse funciona em qualquer tipo de empresa?
A CEO Sandra Rossi não tem uma resposta pronta, mas um palpite:
“O que eu vejo é que a estrutura muito hierarquizada já incomoda bastante. O mundo hoje pede menos poder e mais realização”, resume.