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Empreendedores por um mundo melhor

Um grupo de empreendedores conta como usou as experiências em suas empresas para criar negócios cuja meta é resolver alguns dos grandes problemas sociais do planeta

Livro The Real Problem Solvers: para tornar o mundo um lugar melhor não é preciso rejeitar o lucro (Divulgação)

Livro The Real Problem Solvers: para tornar o mundo um lugar melhor não é preciso rejeitar o lucro (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 26 de fevereiro de 2013 às 06h00.

São Paulo - O empreendedor Premal Shah era ainda uma criança quando presenciou uma cena que lhe marcaria para sempre: na Índia, ele caminhava ao lado da mãe trazendo na mão uma moeda de 1 rúpia indiana — o equivalente a cerca de 30 centavos de real. O dinheiro caiu no esgoto.

"Não pegue, ficou suja", disse-lhe a mãe. Logo em seguida, os dois viram uma senhora mergulhar a mão na vala, pegar a moeda, erguer os braços e agradecer a Deus, olhando para o céu. "Aquela cena mudou a minha vida", diz Shah. Anos mais tarde, Shah viria a criar o Kiva, um site de microcrédito que hoje arrecada mais de 1 milhão de dólares por semana — o dinheiro é convertido em empréstimos para empreendedores pobres de mais de 50 países. 

A trajetória de Shah e de seu site é contada num dos artigos do livro The Real Problem Solvers: Social Entrepreneurs in America (algo como "Os empreendedores sociais que de fato resolvem o problema"), ainda sem tradução no Brasil. Editado por Ruth Shapiro, presidente da consultoria americana Keyi Strategies, e recém-lançado nos Estados Unidos pela Stanford University Press, o livro é um compilado de artigos e depoimentos de empreendedores sociais que foram bem-sucedidos ao usar ferramentas de gestão para “tornar o mundo um lugar melhor”, como vários deles dizem. 

Todos os personagens têm algo importante em comum — eles acreditam que fazer o bem é parte de suas obrigações como empreendedores. Eles afirmam também que apenas boa vontade não é o bastante para uma iniciativa social dar certo. Assim como  todo empreendedor bem-sucedido, os empreendedores sociais procuram entender um mercado, pensar em meios de obtenção de receitas que garantam a existência do empreendimento no longo prazo e conseguir escala para diluir custos.

São desafios típicos de qualquer negócio e frequentemente demandam a presença de um time de profissionais competentes, muitas vezes egressos de carreiras da iniciativa privada.

O caso do Kiva, narrado no livro, é um bom exemplo nesse sentido. Em 2005, Shah solicitou uma licença de três meses de seu emprego como diretor de produtos da empresa americana de pagamentos PayPal. Seu pedido foi aceito. Shah, então, foi para a Índia se dedicar a um projeto pessoal — desenvolver e testar o conceito de microfinanças na internet. Acabou concebendo um modelo inovador de site com finalidade social e não voltou mais à PayPal. 


O Kiva reúne perfis de microempreendedores pobres e os motivos pelos quais eles gostariam de receber empréstimos — comprar uma vaca ou um lote de terra para plantio, por exemplo. Pessoas de qualquer lugar do mundo podem tomar emprestado a partir de 25 dólares. A quitação da dívida é feita, em média, em dez meses, sem juros. “O Kiva é um meio-termo entre doações e empréstimos com taxas de juro”, diz Shah. 

A originalidade desse sistema está em substituir a convencional doação online por empréstimos. Quando a dívida é paga — o que ocorre em 98,9% dos casos —, o investidor pode emprestar novamente aquele valor, em vez de sacar o dinheiro devolvido. Isso mantém os ativos do site circulando. Os investidores também recebem atualizações a respeito do progresso atingido pelo microempreendedor que tomou o empréstimo. "Não acho que as pessoas queiram esse dinheiro de volta", diz Shah. "Elas querem, sim, que haja uma prestação de contas."

Os empreendedores do livro também defendem que, para tornar o mundo um lugar melhor, não é preciso rejeitar o lucro. É possível criar modelos híbridos, como o da Mia, consultoria especializada em habitação para idosos. “Nossas receitas atraem investidores privados”, diz Conchy Bretos, fundadora da Mia. 

Conchy foi responsável por um órgão público de serviços para idosos na Flórida. Nessa época, visitou apartamentos para velhinhos repletos de ratos e de comida podre. "Devia haver uma razão para eu estar ali naquele momento", escreveu. Conchy decidiu criar uma empresa para assessorar governos a manter os idosos em suas próprias casas, em vez de enviá-los a asilos.

A Mia Senior formata serviços de assistência contínua às residências, como visitas de enfermeiros, assistentes sociais e serviços personalizados de transporte. "Ajudamos o governo a cortar custos com uma solução mais humana", diz Conchy. 

Outro exemplo de empresa que tem uma missão social e também busca o lucro é o Shorebank, banco criado no início da década de 70 com o objetivo de emprestar capital a afro-americanos, que tinham dificuldade para obter crédito. "Queríamos provar que eles pagariam seus compromissos tão corretamente quanto os brancos", escreveu no livro Mary Houghton, presidente e co-fundadora do Shorebank. 


De forma semelhante aos empreen­dimentos convencionais, muitas vezes os empreendimentos sociais são iniciados graças ao apoio de algum fundo de capital. Uma das seções do livro traz depoimentos de quatro investidores da área, que explicam o conceito de empreendimento social, falam como funciona um aporte e alertam para as dificuldades de medir resultados nesse tipo de negócio.

O fundo Omidyar Network, por exemplo, criado por Pierre Omidyar, fundador do eBay, optou por investir tanto em organizações sem fins lucrativos quanto em empresas cuja missão seja socialmente relevante — como é o caso de uma empresa de lâmpadas de baixíssimo custo, que têm substituído as lâmpadas de querosene em regiões pobres do planeta. 

Ao final do livro, há ainda artigos assinados por Bill Drayton, fundador da Ashoka, entidade especializada em apoiar empreendedores no mundo, e por Muhammad Yunus, que recebeu o prêmio Nobel da Paz em 2006 por seu trabalho em microcrédito com o banco Grameen, de Bangladesh. 

Ao longo de seu artigo, Yunus conta a já conhecida história de seu banco, o Grameen, pioneiro no conceito de microcrédito. Ele também apresenta alguns de seus projetos recentes. Um deles é uma parceria entre o Grameen e a Danone, que produziu um iogurte barato e com vitaminas para reduzir a desnutrição de crianças em Bangladesh.

Yunus é uma unanimidade no campo do empreendedorismo social — seu conceito de microcrédito foi copiado no mundo inteiro e serviu de modelo até mesmo para bancos convencionais que buscam lucro. "Tudo é uma questão de fazer certo", escreveu Yunus no livro. "Se você fizer certo, qualquer coisa é possível."

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