Rafael Biasotto e Darino Tenório, sócios da Uatt? (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 10 de março de 2016 às 11h00.
Mesmo nascendo em uma família de funcionários públicos, ele sempre teve gosto por criar: tanto nas artes, quanto nos negócios. Com 12 anos, foi aprender serigrafia. Fazia as telas que viravam estampas e a mãe costurava as camisetas, que ele vendia para os amigos. Rafael Biasotto era muito novo quando vivenciou suas primeiras experiências empreendedoras, mas elas já eram sua principal fonte de renda.
Antes dos 18, tinha ideias de montar máquinas de vendas automáticas e kombis de comida – ou, traduzidos para os nomes da moda, “vending machines” e “food trucks”. Acabou abrindo um bar de praia em Florianópolis, sua cidade natal.
Quando entrou na Faculdade de Administração, na Universidade Federal de Santa Catarina, procurou ganhar mais experiência na área. Trabalhou no varejo com presentes, papelaria, decoração… As iniciativas diversificadas foram a base para o futuro empreendedor e serviram como um verdadeiro campo experimental.
Imaginação e criatividade não faltavam para o menino que, além das aventuras de mercado, também sonhava em se aventurar pela Europa de bicicleta. Rafael juntou todo o dinheiro que tinha guardado e foi, para estudar inglês, italiano e buscar novas inspirações. Voltou com a maior delas: a Uatt?, uma loja de presentes criativos – mas só sobravam R$8 mil no bolso. Era pouco.
A provação
Rafael acabou pedindo dinheiro para a avó. Com um total de R$18mil, começou a empresa na sala da casa da família. Contou a ideia para o pai e do empréstimo que tinha pedido.
“Isso nunca vai pra frente, você deveria se envergonhar de utilizar dinheiro de sua avó”, foi a resposta.
Na época, Rafael já tinha 26 anos e sua carreira seguia uma linha pouco reta. “Eu não podia fracassar de jeito nenhum, tinha que provar para mim mesmo e, por consequência, ao meu pai, que daria certo”.
Por outro lado, outros membros da família o apoiavam. Além da avó, a mãe também era uma figura que, mesmo tendo medo por ele, apoiava as decisões pouco convencionais do garoto. Seu primeiro e grande mentor, no entanto, foi seu tio: “Ele acabou fazendo o papel de direcionador, incentivando a meter a cara e dizendo ‘faça, porque vale a pena’”. Rafael defende que todo jovem precisa de um mentor ou alguém onde se escorar, um divã para correr, alguém com quem compartilhar e trocar idéias.
Sempre com um pensamento empreendedor, Rafael lembra que a paixão pelo varejo vem desde o tempo em que atuou na área promocional e precisou se virar em vendas. Embora hoje nem pareça, ele era um moleque bem tímido. Isso representava um grande desafio de superação para preparar, compartilhar e comercializar seus produtos.
No começo, como não é raro, foi tudo mais difícil: com poucos recursos e pouca experiência, Rafael teve que assumir a postura plural de amarrar todas as pontas de maneira sistêmica, pensando desde o portfólio de produtos até a definição de preços e as vendas: “Você acaba tendo que dar tiros mais certos. Mas eu já tinha essa característica rompedora, do empreendedor que não aceita não como resposta, busca oportunidades, está sempre atento, é observador com relação às suas idéias aplicadas ao mundo, à vida, ao mercado”.
Em outro canto do país (ou do mundo)…
Enquanto Rafael lançava as bases de sua nova empresa em Florianópolis, um jovem mineiro desenvolvia suas próprias características rompedoras e também sonhava com vôos mais altos. Era seu futuro sócio, Darino Tenório.
Tendo crescido em uma família de classe média, com 8 anos ele já tinha noção de finanças por causa das contas de casa e sabia tudo de overnight, culpa daqueles tempos de inflação desgovernada. Darino é filho de um pesquisador-professor funcionário público em Minas Gerais e de uma arquiteta, mas também conta com orgulho dos antepassados empreendedores: o bisavô veio de Portugal para o Brasil sem nada, criou a fábrica de cigarros Lafayette em Recife, nos anos 20, e era um talento do marketing. O avô paterno tinha comércios no interior do estado, mas morreu muito cedo. De ambos os lados, a geração seguinte não conseguiu manter os negócios e seguiram carreiras que priorizaram o melhor conhecimento e maior estabilidade.
Tentando seguir a tendência dos anos 90, o primeiro impulso de Darino ao ingressar na universidade foi cursar computação – “porque o Bill Gates era o cara mais importante do mundo e eu o admirava”, ele explica – mas desanimado com os algoritmos, mudou o rumo e entrou na Faculdade de Administração da Universidade Federal de Minas Gerais. Trabalhou do início ao fim do curso e chegou a ter dois empregos simultâneos enquanto universitário, para juntar uma grana e poder fazer intercâmbio nos EUA.
Teve que suar muito – e suar literalmente – quando andava a pé para economizar até o passe do ônibus, em prol do sonho de ir estudar inglês e trabalhar nas terras do Tio Sam. Eventualmente, economizou o bastante. Atuou primeiro como operador de teleférico numa estação de esqui, depois como vendedor em loja de equipamentos de esportes de inverno. Um brasileiro vendendo roupas e materiais de neve…
Foi e, claro, voltou mais experiente. Nessa volta, contratado como trainee na Falconi Consultores de Resultados, construiu uma carreira de sucesso. Atuando em empresas públicas e privadas, nacionais e internacionais, Darino chegou a ser sócio-consultor da Falconi, o que o permitiu observar de perto e conviver com grandes nomes do empresariado, com o professor Falconi, mas também vivenciar novas experiências no universo das startups e dos novos negócios.
Conhecendo o outro lado da mesa
Em 2009, Darino foi alocado para dar um treinamento a uma organização de apoio a empreendedores – algo normal, até aí, para um consultor. Só que, passando a escutar mais sobre a Endeavor, a identificação com a causa foi crescendo:
“Era o momento de ver os visionários, os negócios que eles tinham, enquanto no dia a dia da consultoria fui resgatando essa vontade de ir para o outro lado, de arriscar”.
Como a grande aposta de seus pais era investir no conhecimento, Darino sempre foi muito esforçado nos estudos e cursou várias especializações. Por isso, enquanto ele compartilhava conhecimento como mentor Endeavor, também fazia questão de continuar aprendendo. Em paralelo, o gene adormecido dos avós empreendedores aguardava o melhor momento para se manifestar.
Exemplo disso foi quando Darino descobriu um Curso de Fusões e Aquisições na Wharton Business School. Logo depois recebeu o apoio da Falconi para fazer um curso de Valuation na Universidade de Nova York. Decidiu que completaria as duas especializações, uma seguida da outra.
Com tudo pago e planejado, a vida reservou uma das suas mais desagradáveis surpresas: Darino descobriu que o pai estava com câncer. Foram tempos extremamente duros para toda a família, numa luta que durou seis meses. Quinze dias depois de perder o pai, ainda em luto, precisava decidir o que fazer.
Darino viajou, esmagado pela culpa de ter deixado sua mãe no Brasil. Já no segundo dia de aula, o peso da escolha beirava o insuportável. Com uma grade curricular extremamente puxada e um desgaste psicológico enorme, ele só pensava em desistir. Mas desistir não era a cara do Darino: “fiz uma pausa no banheiro, me olhei bem no espelho, então fechei os olhos, rezei um pouco e pedi força para seguir adiante”.
Perseverou e conseguiu, como já havia feito em muitas fases anteriores. Ainda bem, porque na mesma viagem, convidado pela Endeavor, Darino participou de um encontro no Vale do Silício que seria o trampolim para um enorme salto em sua carreira. A influência de empreendedores com quem teve contato nessa jornada acendeu uma faísca e o Darino consultor passou por uma grande transformação interna.
Há um ditado chinês que diz que “quando o discípulo está pronto, o mestre aparece”. O que faltava para que ele se consolidasse como empreendedor era um negócio, quem sabe um sócio. Por isso, no momento certo, o telefone tocou. Era Rafael Biasotto, da Uatt?.
Chega mais!
Parado no acostamento da estrada em Florianópolis, sede da empresa, Rafael fez uma proposta que ambos vinham amadurecendo desde que se conheceram nas mentorias da Endeavor. Ele queria trazer Darino para a empresa como um novo sócio. Do outro lado da linha, parado em frente a um hotel no Uruguai, Darino pensou: “a hora é agora e, se não for agora, é nunca”.
O ano era 2013 e Rafael já tinha feito da Uatt? uma empresa de sucesso. Os sócios foram selecionados como Empreendedores Endeavor e eram finalistas do Prêmio Empreendedor do Ano 2013 da EY.
De cada lado da linha, tínhamos dois jovens idealistas, que passaram pelas duras provas de vencer resistências e dificuldades familiares e nunca se abateram diante das adversidades. Seguiram sonhos e projetos de vida que aparentemente os levariam a rumos opostos.
Um cresceu nas praias de Santa Catarina: era, como se define Rafael, um “manezinho da ilha” cheio de ideias, provocador que vivia inventando. O outro cresceu na capital de Minas Gerais, passou a vida concentrado nos estudos, mas também virou cidadão do mundo trabalhando em projetos diversos. Um mais irreverência, o outro mais resultado. Um mais jeans, o outro mais calça social.
Talvez jamais tivessem se conhecido em outras circunstâncias, mas acabaram encontrando um equilíbrio para poderem, juntos, “espalhar coisas boas por aí”, como é traduzido o propósito da uatt?. Estava formada a sociedade.
A troca e a soma
Ambos os sócios tiveram que aprender bastante um com o outro. Muito alegre e inquieto, Rafael diz que havia uma necessidade muito clara de ter um suporte, uma estrutura de gestão para a empresa poder crescer. Ao mesmo tempo, acostumado a trabalhar para grandes empresas, mais formais e planejadas, tem sido um grande aprendizado para Darino entender essa cultura de startup.
Sobre a mudança de carreira que o levou para dentro da Uatt?, Darino fala da importância de continuar fazendo mudanças rápidas, principalmente devido à imprevisibilidade do varejo.
Mas a Uatt? é hoje uma empresa mais preparada para atravessar as crises e muita coisa mudou a partir das conexões e da experiência complementar de cada um. Rafael, que há algum tempo estuda a Logosofia, ciência do autoconhecimento, valoriza muito o campo experimental da observação das ideias como o grande fator de sucesso para conseguir testar e manter um ciclo construtivo de aprendizado e inovação: “O empreendedor é aquele que está sempre em conexão com esse ambiente de teste. Tem que tratar as ideias e, assim que estiver seguro, tocá-las como um projeto de vida”.
Uatt? What? O quê?
A Uatt? hoje possui 65 unidades, entre lojas próprias e franqueadas, além de 1.000 pontos licenciados e 6.000 pontos de vendas multimarcas. Teve um faturamento em 2015 de R$110 milhões em toda a rede.
Para o futuro, os planos incluem a conquista de novos mercados com expansão internacional, voltar para o mercado de brindes e investir em desenho animado e no licenciamento dos personagens da Uatt?. Depois de conhecer a história do Darino e do Rafael, ninguém duvida que tudo pode acontecer.
Texto originalmente publicado no site da Endeavor.