Osvaldo Antonio Lucho Junior e Carla Lucha, da Gigalink:negócio espera passar dos R$ 20 milhões, com crise e tudo (Reprodução/Endeavor)
Da Redação
Publicado em 10 de maio de 2016 às 06h00.
O menino inquieto, que não gostava muito de estudar, ainda iria sofrer muito nas aulas de química do Colégio Jesuíta em Nova Friburgo. Mas o dever imposto aos alunos que ficaram de recuperação, fazer um projeto de química, acabou virando uma oportunidade e tanto para Osvaldo Antonio Lucho Junior.
Ele conquistou o mestre com uma invenção muito simples. Juntou madeira, dois tubos de ensaio, alguns elásticos e montou uma centrífuga que resolveu o problema do laboratório da escola. Era um protótipo bem primitivo, mas impressionou o professor temido por todos. Além dos elogios e da nota 10, o projeto rendeu um convite para ser monitor de química.
O reconhecimento acabou despertando o prazer pelo estudo e motivou um envolvimento muito maior do jovem com a escola. Tanto que Osvaldo acabou fazendo dois cursos profissionalizantes ao mesmo tempo: um de eletricidade e outro de química.
Esse foi apenas o começo de uma história marcada por descobertas dignas de um professor Pardal, com desafios vencidos pela inovação. Numa época em que poucos tinham um computador, ele começou a programar e virou “micreiro”.
Já fazia alguns projetos quando entrou na faculdade de Engenharia Eletrônica na Federal e na PUC do Rio de Janeiro. “Sempre tive uma persistência muito grande. Eram oito turmas de Cálculo 1 e, no segundo semestre, eram duas turmas, porque as outras desistiram”. Só que no meio do curso, a faculdade ganhou uma concorrente: Carla.
Quando o pai de Osvaldo se aposentou, passou a cuidar da fazenda da família, bem no interior do Rio Grande do Sul. Nas férias de verão de 87, o garoto se ofereceu para administrar a propriedade para que o pai pudesse viajar. Era gado e ovelha durante a semana e balada no sábado. Mas quando viu a jovem Carla em frente à casa de seu avô, foi paixão à primeira vista.
Os primos organizaram um churrasco para se conhecerem. O tal encontro acabou acontecendo em um parque, debaixo da ponte que liga Brasil e Uruguai. Daí para o namoro à distancia e o casamento, foi tudo muito rápido. Osvaldo passou a dar menos atenção à graduação e mais atenção às viagens a Porto Alegre, onde ela estudava arquitetura.
“Naquele ano, só passei em duas matérias. Chegamos à conclusão de que precisávamos morar juntos”.
Carla transferiu a faculdade e foi de mala e cuia – literalmente, como boa gaúcha – para o Rio de Janeiro. A jornada empreendedora, a partir de então, passou a ser em dupla.
Desde criança, Osvaldo já demonstrava um espírito empreendedor: “Com 8 anos eu gostava muito de gibi, não tinha muito acesso à grana e montei uma banca de revistas na frente de casa. Vendia os gibis que eu lia para comprar outros”. Esse tino comercial aliado à criatividade ainda renderia um bom negócio. E foi apenas uma questão de tempo.
O único emprego que Osvaldo teve na vida foi um estágio de eletrônica na Remington. Depois, com uma bolsa do CNPQ e o empréstimo de uma vizinha, conseguiu comprar o primeiro PC. Mas o disco rígido veio com defeito três vezes e, por ter que consertar a máquina sozinho, acabou aprendendo a montar um computador. Nem chegou a usar, porque o professor de física fez uma oferta irrecusável e Osvaldo lucrou na venda praticamente 100% em cima do valor que tinha gasto com a compra.
A lâmpada acendeu: montando de 4 a 5 computadores por mês, ele conseguiria pagar a faculdade e se manter. Deu tão certo que ainda estudante, com 22 anos, abriu a primeira empresa. Mas, em dois anos, deu tudo errado: dos quatro sócios, só dois trabalhavam. A esposa entrou como sócia, os outros três saíram. No começo até funcionou, mas a rentabilidade foi caindo e eles não perceberam.
Osvaldo lembra que tirava até 200 pedidos em feiras de informática e movimentava muito dinheiro, mas não gerava lucro. Quebrou. Resolveram migrar do varejo para o atacado, mas o negócio continuava pouco rentável. Quebrou pela segunda vez. O ano era 1998.
Foi quando ele decidiu sair da atividade comercial e voltar para Nova Friburgo. Assim surgiu um novo negócio de prestação de serviços, que começou montando CPDs (Centros de Processamento de Dados) para empresas. O reposicionamento rendeu seus frutos e todas as dívidas foram pagas. A empresa também começou a ter uma demanda de clientes querendo internet de banda larga e a lâmpada acendeu de novo.
Osvaldo teve a idéia de montar uma rede de fibra óptica na cidade. Era o embrião da Gigalink.
Quando começou a desenhar seu novo negócio, os amigos já reagiram: “Lá vem você com mais uma idéia mirabolante. Vai quebrar de novo”.
Mas ele não se abateu. Do outro lado, o pai sempre incentivava, mas já apresentava um plano B: “qualquer coisa você vai cuidar da fazenda no sul”. Só que gado e ovelha não seria plano B, nem C, nem Z. Seu sonho era outro e Osvaldo ainda lutaria muito por ele.
O primeiro passo foi uma reunião com um fabricante e um técnico, onde ele mostrou o mapa da cidade com a rede de fibra óptica. O investimento inicial seria de R$ 500 mil e Osvaldo só tinha R$ 30 mil. O fabricante acreditou no projeto e quis bancar tudo. Mas a esposa e sócia se assustou com o valor: “você é louco, saiu da lama e vai entrar na lama de novo”.
Ele voltou para o fabricante, contou que tinha quebrado mais de uma vez e reduziu o projeto para um crédito equivalente aos seus recursos disponíveis. Em dois anos, já tinha alcançado seu objetivo inicial e, com essa postura mais cautelosa, nunca mais quebrou.
Mesmo assim, o espírito inventivo continuava assoprando novas aventuras e Osvaldo começou a repensar o negócio. Como a fibra óptica era muito cara, eles conseguiam atender apenas o mercado corporativo. Para alcançar o varejo, a grande aposta de crescimento, teria que desenvolver algo novo, um cabo mais barato. Novamente com o apoio do fabricante, em quatro meses eles já tinham o primeiro cabo de rede metálico e sustentável, patenteado em 2004.
Essa ideia permitiu atender às demandas do mercado com muito mais qualidade e por um valor bem inferior ao praticado pelos concorrentes. Os clientes faziam fila na porta. A empresa acabou cumprindo uma importante função social, ao ampliar a inclusão digital em áreas que tinham acesso mas limitado.
Esse propósito passou a ser traduzido na missão comum a todos os colaboradores: compartilhar acesso digital com qualidade, inovação e sustentabilidade. “Esse propósito de compartilhar o acesso já vinha desde que eu me entendo como profissional da área de informática. A gente não quer só ficar rico, quer ficar rico trazendo o bem para as pessoas, tornando o mundo melhor com o acesso democrático à internet”.
Depois de conquistar o mercado em cinco cidades do Rio de Janeiro, a Gigalink passou a ser cobiçada por outras empresas. Mas Osvaldo já tinha seus mentores no Rotary Club e foi aconselhado a procurar a Endeavor e a Criatec. Foi quando a empresa passou a focar na gestão do negócio e Osvaldo participou de vários cursos de imersão em Stanford e Harvard.
Hoje, ele afirma que o conhecimento é essencial para crescer, investe cada vez mais em Recursos Humanos e constrói as bases do futuro com muito mais segurança. “Sabe aquela coisa do técnico que só pensa em solução técnica? A venda era passiva, não tinha marketing, não tinha indicadores. Antes a gente crescia como um grande pastel de vento. Em mais alguns anos, poderia dar em mais uma quebra”.
Osvaldo faz questão de destacar que deve o sucesso da empresa à contribuição de várias outras pessoas. Todas as inovações da Gigalink, inclusive, foram desenvolvidas dentro de casa. Hoje, acredita que está vivendo um momento muito positivo de compartilhamento de sonho. Um dos exemplos foi um dia inteiro de homenagens criativas e comoventes, organizado pela equipe em seu aniversário de 50 anos, recém completos.
“O caminhar, o dar errado, o aprender e começar a dar certo é um exercício que o ser humano tem que fazer para ser uma pessoa melhor. Acredito muito na frase ‘o que não destrói fortalece’. Em alguns momentos, a gente tem que olhar pra cima e se perguntar: o que eu tenho para me virar hoje?”
Quando você acha que está diante de um engenheiro que só pensa em tecnologia, Osvaldo pode te surpreender. Tudo começou quando ele foi convidado pelo ex-prefeito de Nova Friburgo a assumir o Instituto de Desenvolvimento Econômico, Ambiental e Social da região.
Lá conheceu criadores de truta, que precisavam se organizar e incentivar a produção ambiental. Osvaldo se envolveu com a causa e acabou comprando uma truticultura também. Hoje, é presidente da Cooperativa dos Criadores de Pescado da região serrana fluminense.
Mas se você acha que ele só é truticultor por hobby, se engana. O lazer acabou virando um novo empreendimento: “Existem dois negócios que mais crescem no mundo, a internet e a aquicultura. Estou nos dois!”
Nas poucas horas vagas entre a Gigalink e o Sitio Gaia, das trutas, Osvaldo gosta de correr, tomar um bom vinho e fazer um bom churrasco gaúcho de fim de semana. Seu passatempo predileto, no entanto, é brincar de professor Pardal na oficina de eletrônica. Sim, como um nerd de startup, ele se diverte em sua “oficina de garagem”. Quem sabe ali ainda surge outro negócio inovador?
No início, eram três funcionários e o casal de empreendedores. Hoje, a Gigalink tem 160 colaboradores. De uma dívida que chegou a um total de R$ 300 mil, fechou 2015 com um faturamento de R$ 15,8 milhões. Esse ano, Osvaldo espera passar dos R$ 20 milhões, com crise e tudo.
Os planos continuam ousados e o mercado parece promissor. “Pensa só”, ele diz, “de sete bilhões de habitantes no mundo, 60% têm acesso a banda larga e, desses 60%, apenas 30% têm acesso a banda larga fixa no planeta. Tem pelo menos 5 bilhões de pessoas que ainda podem ser clientes Gigalink”.
A expansão da empresa inclui um projeto de industrialização da solução Gigalink, baseado num sistema de franquias onde a empresa vai oferecer um pacote completo, com os recursos da tecnologia que desenvolveu.
Um sonho grande, que começa por outros estados do Brasil, depois alcança a América Latina e outros continentes. Nada mal para quem começou a empreender vendendo gibis na porta de casa.
Texto publicado em Endeavor.