Estevan Sartoreli, presidente da Dengo: "varejo físico continuará sendo muito importante para chocolates" (Daniela Ramiro/Divulgação)
Carolina Riveira
Publicado em 8 de maio de 2020 às 06h00.
Última atualização em 8 de maio de 2020 às 15h38.
O coronavírus fez as empresas reiventarem sua operação de integração entre lojas físicas e e-commerce. Mas a fabricante de chocolates brasileira Dengo, decidiu dar um passo além no movimento. Com todas as suas 18 lojas em shoppings, hoje fechados, a empresa inaugura às vésperas do Dia das Mães uma funcionalidade em que o cliente pode falar com o vendedor durante as compras por meio de uma transmissão ao vivo -- quase como adentrar a loja física, mas, pela internet.
Ideias nesse sentido já vinham sendo pensadas há um ano, mas a pandemia foi a hora de tirar o projeto do papel, diz o presidente e fundador da Dengo, Estevan Sartoreli. "É uma forma de tirarmos dúvidas dos clientes e também de continuarmos próximos, amenizando um pouco da frieza de só comprar por meio de uma tela automática", diz.
O experimento está sendo feito na unidade do shopping Eldorado, em São Paulo. Como no mundo físico, há horário de atendimento no streaming: das 12h às 20h, no mesmo período em que a loja fica aberta para receber pedidos de plataformas de entrega. Há somente um funcionário na operação, por motivos de segurança.
A ferramenta por streaming será opcional nas compras online (acessível em aovivo.dengo.com.br/lojaaovivo). O cliente conversa com o vendedor via chat, enquanto consegue vê-lo e ouvi-lo ao vivo e até interagir com elementos da loja, como num jogo. Ao clicar em uma barra de chocolate na prateleira atrás do vendedor, por exemplo, aparece uma lista com descrição e mais informações sobre produtos daquela categoria. Caso tenha uma dúvida, o cliente pode perguntar. O vendedor, então, responde no vídeo ao vivo, como em uma espécie de live. Tiradas as dúvidas, a compra pode ser finalizada normalmente no site.
A plataforma foi estruturada para suportar diversos clientes online ao mesmo tempo. A Dengo diz que é a primeira a fazer um modelo deste tipo no Brasil. Para o projeto, teve parceria da plataforma de e-commerce Vtex, que tem clientes cujas lojas funcionam em mais de 25 países, e da produtora Rebobine, que foi uma das responsáveis pela implementação da ideia e catalogação dos produtos para o streaming.
Além do e-commerce tradicional que será contemplado por meio do streaming na loja, a Dengo já vinha operando em meio à pandemia com vendas por WhatsApp e com startups de entrega como Rappi e iFood em São Paulo, em que os pedidos são entregues em poucas horas.
O e-commerce representava entre 1% e 2% do faturamento da Dengo antes da crise. Apesar da alta de mais de 100 vezes em vendas, sobretudo em meio à Páscoa, que coincindiu com o começo do isolamento social no Brasil, Sartoreli afirma que dificuldades como o custo do frete são um desafio extra para o casamento entre chocolates e e-commerce. "Tem barra nossa que custa 19 reais, mas o frete custa 20", diz. A empresa oferece frete grátis nas compras acima de 100 reais.
As barreiras logísticas estão entre as maiores travas que barram uma maior expansão das vendas de alimentos perecíveis no Brasil. O setor de alimentos e bebidas, que inclui os chocolates, ainda engatinha no país e respondeu por cerca de 1,5% de toda a receita do e-commerce brasileiro em março, segundo a empresa de inteligência Compre&Confie.
Para evitar prazos longos de entrega, as vendas online na Dengo só estão disponíveis agora para estados onde há lojas físicas. A maior parte das lojas está em São Paulo (incluindo em Campinas e Barueri, no interior), mas há também unidades em Brasília, Curitiba e Rio de Janeiro. Cerca de 80% dos pedidos são entregues no dia seguinte à compra, com muitos sendo entregues no mesmo dia. "O chocolate não pode demorar para chegar a ponto de ficar derretido e perder a qualidade", diz Sartoreli.
A ideia de manter o vendedor tirando dúvidas ao vivo é particularmente importante no modelo de negócio ao qual se propõe a Dengo. A empresa vende chocolates mais premium, feitos com cacau 100% brasileiro e sem açúcar e gordura hidrogenada. Há no catálogo sabores para além dos tradicionais branco, ao leite e amargo -- de recheio ou pedaços de cupuaçu, macadâmia, ganache de laranja e castanhas a amêndoas brasileiras torradas e cobertas com pó de cacau. Os vendedores são preparados para tirar dúvidas dos clientes sobre os sabores e dar indicações.
Os produtores parceiros, pequenos plantadores de cacau na Bahia, recebem pagamento mais de 70% maior do que a média do mercado. O chocolate é então feito em uma fábrica da Dengo em São Paulo.
Além de Sartoreli, que passou 12 anos na Natura, a Dengo foi co-fundada por Guilherme Leal, sócio-fundador da gigante de cosméticos -- o que lhe rendeu alcunhas como a "startup de chocolates" de Guilherme Leal. O nome bem brasileiro reflete parte da origem da empresa, que teve a semente plantada quando Leal comprou uma propriedade no sul da Bahia e passou a conhecer melhor a região.
Na contramão de concorrentes durante a Páscoa, a Dengo não vendeu em serviços de marketplace de grandes varejistas online ou fez parcerias para vender em pontos físicos que ainda estão abertos -- como supermercados e farmácias. Para Sartoreli, o formato ainda impossibilita a empresa de ter um maior contato com o cliente.
"Sem a experiência, sem o cliente entender mais sobre o produto, se você me colocar ao lado de um chocolate de 2 reais, vai parecer que somos uns grandes oportunistas", brinca. "Também tira a questão do presenteável, de você ver aquilo como especial, que é muito importante no nosso modelo de negócio."
A empresa tem desde pequenas barrinhas a 10 reais a ovos de chocolate por mais de 100 reais, com preço médio do quilo de chocolate na casa dos 200 reais. O objetivo é competir com fabricantes estrangeiras e nacionais posicionadas no segmento de chocolate premium, como Lindt, Kopenhagen e Cacau Show. "Não somos mais caros do que essas outras empresas posicionadas nessa categoria", diz Sartoreli. "Nosso preço não é maior ou menor por pagar bem nossos produtores. O custo sai da nossa própria economia, de um modelo enxuto e de startup, da melhoria da nossa eficiência."
O setor de chocolates foi particularmente afetado com o isolamento social começando dias antes da Páscoa -- segundo a empresa de análise de crédito Boa Vista, as vendas caíram 33%. Mas houve ao menos um ponto positivo em viver a Páscoa no meio do coronavírus: como, durante o período, chocolate entrou na categoria de compras "essenciais" para os consumidores, muitos acabaram testando e se adaptando às compras de chocolate online pela primeira vez.
Agora, com o comércio ainda sem perspectiva de reabrir, essas compras serão essenciais. É uma das expectativas neste Dia das Mães, que não é a data campeã em vendas de chocolates, segundo a Dengo, mas tem uma saída maior por ser uma data comemorativa, sobretudo para chocolates com perfil presenteável.
Na Dengo, Sartoreli diz que as vendas online seguem com alta de dois ou três dígitos mesmo passada a Páscoa. "Há esse movimento de muitos clientes nossos, até mais velhos, que estão aprendendo a usar as vendas online", diz. "É um crescimento exponencial. Mas somos realistas de que é um crescimento perto de uma base que era muito pequena no e-commerce."
As vendas na Páscoa foram tão acima da média anterior que a Dengo tomou uma decisão "histórica": precisou imprimir, em vez de escrever à mão como de praxe, os bilhetinhos personalizados que anexava junto aos pedidos feitos online -- a mensagem é escolhida pelo comprador. "Foi quase um comitê de gestão de crise", brinca Sartoreli.
O projeto de venda por streaming ainda é um piloto, que, a princípio, ficará no ar entre um e três meses. A depender da resposta dos clientes, pode continuar depois da reabertura das lojas ou ser expandido para lojas de outras cidades. Sartoreli concorda que os shoppings precisam estar fechados para a segurança de todos, mas que é difícil competir, mesmo no streaming online, com o cheiro de chocolate ao ingressar em uma unidade da Dengo. "Não é 8 ou 80 como algumas pessoas vêm dizendo. O varejo físico ainda seguirá sendo muito importante para os chocolates, é uma experiência pouco substituível", diz.