PME

De aviador a empreendedor: a trajetória de Gabriel Silva, CEO da Ahimsa

Gabriel Silva, fundador da marca de calçados veganos, reinventou a própria carreira após descobrir diabetes

Gabriel Dias: dieta virou inspiração para criar marca (Gabriel Dias/Divulgação)

Gabriel Dias: dieta virou inspiração para criar marca (Gabriel Dias/Divulgação)

KS

Karina Souza

Publicado em 4 de setembro de 2021 às 10h00.

Última atualização em 4 de setembro de 2021 às 10h26.

A palavra Ahimsa (pronuncia-se exatamente como se lê) pode não parecer popular para muita gente. Mas, foi pelo significado que o termo tem que Gabriel Silva decidiu usá-la para representar a marca de calçados veganos que fundou em 2013. A palavra é adotada no hinduísmo e no budismo e tem um significado relacionado à não-violência contra outros seres. Para Gabriel, a palavra representa mais do que só o propósito ligado à marca, mas transmite, de forma geral, o estilo de vida do empreendedor -- que passou por várias reviravoltas ao longo da carreira. 

Tudo começou aos 14 anos de idade, época em que, por causa da carreira do pai -- que também trabalha na indústria de calçados --, ele e a família se mudaram para os Estados Unidos, local em que Gabriel tinha o sonho de evoluir na carreira como tenista. Pouco tempo depois da mudança, o jovem entendeu que o esporte poderia ser um hobby, mas não se tornaria uma profissão. 

De olho em uma carreira sólida para o futuro, ele começou a fazer aulas para pilotar avião e, aos 17 anos, conquistou a primeira licença. Dois anos depois, veio a crise de 2008 e ele e a família voltaram ao Brasil em busca de emprego. “Nós éramos estrangeiros no meio de um período tão turbulento, apesar de tudo. Não tínhamos cidadania e víamos o cerco fechando cada vez mais, enquanto o Brasil crescia”, afirma Gabriel. 

De volta ao país, ele começou a trabalhar na profissão que havia obtido licença nos Estados Unidos, algo que conseguiu exercer por mais dois anos. Ao fim desse período, Gabriel foi diagnosticado com Diabetes tipo 1 e não podia mais exercer a profissão de piloto -- já que, por causa da doença, não passava mais nos testes necessários.

Lidar com a frustração não foi fácil, mas para continuar ativo, ele aceitou o convite do pai para trabalhar no setor de calçados -- algo que ele acabou gostando mais do que esperava. 

“Depois de descobrir a diabetes, eu procurei uma carreira em que eu pudesse focar na minha saúde. E, nesse plano de autocuidado, eu percebi que a dieta ocidental poderia ser um gatilho muito forte para piorar o meu quadro clínico. Somei isso ao conhecimento que busquei e vi que não tinha mais argumentos para defender o fato de não ser vegetariano”, diz Gabriel.

Unindo a carreira com a própria mudança de filosofia de vida, ele e o pai decidiram fundar a Ahimsa, marca de calçados veganos, em Franca. O investimento inicial foi de 50 mil reais e saiu dos próprios bolsos, para tirar a marca do papel em 2013. Após alguns testes em que viram que o produto tinha demanda, decidiram apostar de vez no negócio, construindo a fábrica que produz os calçados no ano seguinte.

No início, a empresa usava materiais como algodão reciclado e PET para fabricar os calçados, mas hoje, a empresa usa poliuretano (PU) no cabedal, um material que imita o couro. A mudança teve como objetivo trazer os calçados para um visual mais “neutro”, em que os calçados pudessem ocupar todos os ambientes sem que o cliente tivesse que chegar com um visual “diferentão” para usar os sapatos. 

Essas e outras mudanças foram enfrentadas sempre  em um cenário econômico bastante desafiador. “Brincamos que a empresa nunca atuou em um ambiente sem crises no Brasil”, diz Gabriel. 

Entre os principais desafios para manter o negócio de pé, o empreendedor cita a necessidade de monitorar toda a cadeia de produção para garantir que não haja crueldade com animais em nenhum ponto do processo.

"Até a escova para os sapatos pode ser feita com pelo de cavalo. Ceras utilizadas muitas vezes vêm de abelhas, além de materiais reaproveitados que também são feitos com couro reconstituído”, afirma Gabriel.

Pandemia

Superados todos esses desafios, a empresa continua em crescimento contínuo desde então. Além das vendas diretas a clientes, feitas dentro do próprio website, a Ahimsa também vende seus produtos para o mercado externo e para concorrentes aqui no Brasil, estes últimos no formato de Private Label.

Antes da pandemia, a empresa vivia o melhor momento em termos de receita. Em 2019, a Ahimsa cresceu 40% em relação a 2018. Em 2020, ano em que a empresa esperava crescer pelo menos 20% sobre esse aumento, o placar ficou praticamente zerado.

Com promoções para atender ao mercado local em época de crise, a empresa teve a maior parte de sua renda vinda do mercado externo. Explicando melhor: desde que foi fundada, a Ahimsa atua em três frentes: venda direta, venda para concorrentes no Brasil no formato de Private Label e venda para varejistas no exterior. 

Foi essa ponta -- a de fora -- que segurou os ganhos da empresa no ano passado. Além das vendas à Austrália, um dos países que mais comprou durante o ano, a empresa também se beneficiou do câmbio para conseguir segurar o faturamento aqui no Brasil. 

Curiosamente, esse não é um comportamento inédito para a Ahimsa. A maior fonte de receita da empresa não vem do mercado interno: 65% do que é produzido é enviado ao exterior. De 2014 para cá, a empresa já vendeu produtos para aproximadamente 50 países e conta com parceiros em outros 15.

Em uma análise geral, o maior mercado em vendas para a empresa é os Estados Unidos, o que a companhia vê o maior percentual de consumidores está na Alemanha e o que mais cresce é a Austrália, na avaliação da Ahimsa. 

É um movimento comum para o setor. A concorrente Insecta Shoes, por exemplo -- que vende sapatos veganos de tecido diferente dos comercializados pela Ahimsa -- vende desde 2019 para países como Estados Unidos, França e Alemanha. 

Futuro

Globalmente, as vendas de calçados veganos devem ter um mercado consumidor cada vez maior. Segundo dados da Future Market Insights, o crescimento mais expressivo deve acontecer até 2030, com uma taxa de crescimento anual composto de 7,2%. 

O Brasil também registra dados de crescimento nos últimos anos da população vegana. Atualmente, 14% da população se declara vegetariana, segundo dados da pesquisa IBOPE Inteligência de 2018. Nas regiões metropolitanas de São Nas regiões metropolitanas de São Paulo, Curitiba, Recife e Rio de Janeiro este percentual sobe para 16%. De todo modo, a estatística representa um crescimento de 75% em relação a 2012.

Não à toa, cada vez mais marcas focadas nesse nicho têm surgido. No nicho de calçados, em que a Ahimsa atua, estão: Insecta Shoes, Urban Flowers, Linus (de sandália vegana), Dobra, Heleve (de papetes), Kasulo, Vegano Shoes e Projeto Base, que surgiram nos últimos anos. Isso sem mencionar linhas veganas comercializadas por grandes empresas e marcas veganas lançadas por criadores de conteúdo na internet. 

Somando o melhor dos dois mercados e confiando na retomada pós-vacina, a empresa espera um crescimento de 60% em receita, batendo a marca de R$ 5 milhões em faturamento até o fim do ano.  Para efeito de comparação, a Insecta Shoes, concorrente indireta da marca, fatura R$ 4 milhões por ano. 

Para crescer ao longo dos próximos anos, Gabriel aposta na conscientização dos consumidores a respeito dos princípios ESG e, por enquanto, não tem planos de expandir o mix de produtos comercializados pela empresa. 

“A nossa meta é sempre continuar a nossa caminhada, atuar em novos mercados, levar nossa bandeira que é questionar ‘por que isso não pode ser de outro material?’ O couro que não é de origem animal consome 17 vezes menos água do que um sapato de couro tradicional, com tempo de produção exatamente igual. É nisso que apostamos”, afirma.

Acompanhe tudo sobre:CalçadosModaVeganosVegetarianos

Mais de PME

ROI: o que é o indicador que mede o retorno sobre investimento nas empresas?

Qual é o significado de preço e como adicionar valor em cima de um produto?

O que é CNAE e como identificar o mais adequado para a sua empresa?

Design thinking: o que é a metodologia que coloca o usuário em primeiro lugar