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Tempo gasto em cursos pagos pela empresa pode ser considerado hora extra?

Advogado Túlio Massoni explica as diferenças entre os cursos que podem ser considerados parte da jornada de trabalho e os que não podem

Cursos profissionais: quando pagos pela empresa, fazem parte da jornada de trabalho? (Pollyana Ventura/Getty Images)

Cursos profissionais: quando pagos pela empresa, fazem parte da jornada de trabalho? (Pollyana Ventura/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 9 de agosto de 2021 às 14h15.

Última atualização em 9 de agosto de 2021 às 14h16.

Por Túlio Massoni, sócio do escritório Romar, Massoni & Lobo Advogados

Uma das características do mercado de trabalho contemporâneo é o aprendizado contínuo dos trabalhadores. O valor do conhecimento na sociedade moderna, bem como da constante atualização, são imperativos para a competitividade da empresa e também para a empregabilidade dos trabalhadores.

Do ponto de vista corporativo, os cursos e treinamentos se convertem em proveito da empresa. E também para o aperfeiçoamento do trabalhador, já que ocorre o seu aprimoramento em matérias, técnicas e temas relevantes para o desempenho de sua função e carreira dentro da empresa, compreendendo com maior profundidade o modelo de negócio, valores e marcas diferenciais desta.

Assim, devemos analisar com cuidado como a empresa relacionará o trabalho de seu empregado com os cursos e treinamentos ofertados.

A gestão do tempo de trabalho e as regras sobre a jornada de trabalho são temas sempre complexos, muito debatidos no direito do trabalho e, justamente por isso, são alvo de enorme número das ações judiciais promovidas por empregados.

De acordo com o artigo 4º da CLT, considera-se como tempo de trabalho não somente os momentos em que o empregado esteja efetivamente trabalhando (realizando as tarefas para as quais foi contratado), mas também os momentos em que ele esteja à disposição da empresa, aguardando ordens. Esta “disponibilidade” do empregado no interesse da empresa também é compreendida como jornada de trabalho.

A questão que se impõe analisar é se os cursos e treinamentos oferecidos pela empresa compreendem-se ou não como tempo à disposição e, consequentemente, deverão ser computados na jornada de trabalho. Afinal, como saber se um determinado curso oferecido pela empresa poderá gerar eventual pagamento de horas extras?

Tendo em vista que a legislação não regula expressamente esta questão, por meio do entendimento da Justiça do Trabalho podemos destacar três aspectos que são usualmente observados nos casos concretos para diferenciar cursos como tempo de trabalho e cursos não computáveis na jornada:

  • o primeiro aspecto, mais objetivo, é saber se o treinamento era obrigatório ou voluntário/facultativo;
  • o segundo aspecto examinado pela jurisprudência é o próprio conteúdo programático, e
  • o terceiro refere-se aos treinamentos preparatórios realizados antes do início da prestação de serviços, isto é, antes mesmo da contratação do trabalhador, situação que também tem sido apreciada pela Justiça do Trabalho.

Cursos Obrigatórios

Cursos e treinamentos obrigatórios são aqueles exigidos pelo empregador, ainda que implicitamente, para o exercício de tarefas ou para reciclagem profissional, ou que sejam necessários até mesmo por força de lei.

Estes cursos — sejam na modalidade presencial ou na modalidade à distância (EAD) — como se revertem em benefício direto às empresas, devem ser custeados por elas e, caso ocorram fora do horário regular da jornada de trabalho, deverão ser computados e pagos como horas extras.

Convém deixar claro em política escrita se o curso será obrigatório ou voluntário. No primeiro caso, é perfeitamente possível o gestor exigir frequência e até mesmo advertir o trabalhador ausente, o que não ocorre nos cursos e treinamentos voluntários, cuja participação do trabalhador é livremente escolhida por este, sem qualquer prejuízo a ele, caso opte por não frequentar os treinamentos / cursos.

Em muitas ocasiões, as empresas alegam que o curso era voluntário e facultativo. No entanto, na prática, a empresa acaba “indiretamente” exigindo a frequência, ao impor o curso como requisito para promoções ou mesmo como elemento de avaliação de desempenho e bonificações, e até por cobranças por parte de gestores.

Nestas situações, o Poder Judiciário entende por configurada a obrigatoriedade, de modo que caso os treinamentos e cursos ocorram aos finais de semana ou após o expediente, o tempo gasto será considerada como horas extras, ainda que realizados na modalidade EAD.

Assim, caso as empresas optem por ofertar cursos facultativos, é aconselhável que esta condição conste das políticas do curso e, mais do que isso, que sua realização não seja cobrada pelos gestores. Além disso, a conclusão do referido curso não deve ser utilizada como condição para promoção.

Recomendamos às empresas, caso ofertem cursos obrigatórios ou necessários para promoção, que monitorem os empregados para que os realizem durante a jornada de trabalho (e não após estas ou nos finais de semana ou durante férias). Como medida preventiva, há notícias de que muitas empresas bloqueiam o acesso ao curso nos horários que não correspondam à jornada de trabalho do empregado.

Conteúdo Programático

Conteúdo programático nada mais é do que o escopo do curso, quais matérias são ministradas. A jurisprudência entende o aprimoramento do empregado em matérias que a empresa entende necessárias para o desempenho da função concreta, no interesse da empresa, assemelham-se mais a obrigações do que a benefícios.

Assim, caso fique comprovado que o conteúdo programático se relacionava diretamente com as atividades desempenhadas pelo empregado, o tempo gasto para a realização do curso/treinamento deve ser computado na jornada de trabalho.

Situação diversa são cursos livres, de temas de interesse geral não diretamente relacionados ao trabalho cotidiano do trabalhador.

Por exemplo: um curso EAD de inglês, disponibilizado pela empresa, em um contexto em que a língua não seja essencial para o trabalho realizado. Em tal circunstância, o tempo gasto pelo empregado não será considerado como jornada de trabalho.

 

Atos preparatórios

Uma última situação tem despertado atenção dos Tribunais. É comum que empresas realizem treinamentos antes mesmo da contratação, como “parte do processo seletivo”.

Esta prática (às vezes de semanas), que, em muitos momentos está alinhada à chamada “integração” do empregado aos valores da empresa e outros treinamentos para o trabalho são encaradas, igualmente, como tempo de trabalho, pois o trabalhador se encontra à disposição de seu futuro empregador. Trata-se de atos tidos como “preparativos” do empregado, que visam prepará-lo para o exercício de suas atividades.

Algumas empresas somente registram o empregado após o término deste treinamento, o que, aos olhos da jurisprudência, é uma irregularidade.

Portanto, efetivo período de treinamento e de integração, no qual os candidatos potenciais estejam à disposição da empresa, mediante cumprimento de jornada estipulada, já que visam a preparação da mão de obra para a realização das atividades, também devem ser computados para jornada de trabalho.

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