Homem com dor de cabeça (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 27 de março de 2014 às 08h00.
Marco Civil da Internet: 5 questões que afetam o empreendedor digital brasileiro
Escrito por Fernando de La Riva, especialista em negócios digitais
A rigor, o Brasil não precisa de um marco regulatório para internet. Antes disso, teríamos que atualizar o código civil, o código de defesa do consumidor e o código de defesa da criança e do adolescente, pois temos um excesso de leis, redundantes e mal compreendidas que apenas aumentam o custo Brasil e nossa ineficiência crônica. O Marco Civil seria como querer domar uma força da natureza. Como resumiu o jornalista Ethevaldo Siqueira, “o que deve ser punido são os abusos – pois o uso normal, cotidiano, da internet não precisa de regras”.
1. É uma ameaça à privacidade
Como participantes do setor de tecnologia, sabemos que a regra é sempre que possível não guardar nenhuma informação de usuário nos nossos produtos. Caso haja um imperativo de negócio para isso, que seja a informação mais incompleta possível. Quando você guarda informação, você se torna responsável e terá que incorrer, também de forma responsável, em medidas para salvaguardar a custódia desta informação, o que necessariamente vai aumentar o custo destes serviços.
Em um país onde existem precedentes sérios de vazamento até de informações da Receita Federal, como o que ocorreu na campanha de 2010, imagine a imensa possibilidade de outros casos que poderão ocorrer.
2. A obrigatoriedade de uso de datacenters no Brasil
Esse artigo foi eliminado da revisão final por pressão de alguns partidos, mas era um atentado à competitividade do setor de tecnologia. Quem já pagou quarenta mil dólares em um PC 486 sabe até onde esse negócio pode ir. Segundo o “The Economist”, em seu relatório sobre startups de 2014, a fase chamada “cambriana” (na qual a vida surgiu porque os elementos necessários a ela apareceram) se dá em tecnologia pela democratização do acesso aos blocos construtivos para as startups. O principal deles é a capacidade de comprar infraestrutura e serviços em nuvem que, pagos como serviço, eliminam a necessidade de grandes somas de capital inicial.
Os serviços em nuvem devem ser vistos como matéria-prima, que é beneficiada com propriedade intelectual e vendida com valor agregado maior. Em um momento em que temos um app brasileiro (PlayKids) em primeiro lugar em Top Grossing na appstore, da Apple, e empresas de varejo brasileiro se internacionalizando de forma efetiva, este movimento é frustrante. Serviços grandes em nuvem se tornariam mais caros e serviços menores, que estão na caixa de ferramentas do empreendedor digital brasileiro, teriam que parar de trabalhar no Brasil.
3. Possibilidade de fechamento da internet
A redação anterior do artigo 9º dizia que “o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo.” Este artigo dava superpoderes para o executivo de, por meio de um tratamento não isonômico para os serviços, retirar redes redes sociais inteiras do ar, por exemplo. A interpretação dos itens ainda é vaga e, em uma situação semelhante ao que ocorreu com a Venezuela, Egito, Síria e ocorre estruturalmente na China, este artigo pode ser utilizado para impedir o tráfego livre de informações no Twitter e no Facebook.
A redação final leva em conta a consulta ao CGI, à Anatel e a determinação constitucional de “fiel execução da lei”, mas continua sendo uma intrusão do estado na livre concorrência, que pode ter efeitos imprevisíveis em novos modelos de negócio e na evolução natural da internet. A internet continua aberta porque foi moldada por meio de livre competição.
4. Não resolve a problemática de espionagem global
Se o fato gerador do interesse do Poder Executivo na rápida aprovação do marco são as denúncias de Edward Snowden, existe um não entendimento mínimo de como o sistema funciona. A comunicação é por construção multilateral, e a possibilidade de monitoramento é igual. Isto é como tentar transformar o Brasil em uma ilha digital, o que é novamente um problema de mau assessoramento técnico de quem redigiu o marco. Informações de caráter muito sensível têm que ser objeto de tratamento diferenciado. Estamos tratando de forma isonômica coisas que são muito diferentes.
5. A neutralidade da rede deveria ser tratada pelo mercado
Estratégias de “trafic shaping” (dar tratamento diferente a serviços diferentes) são naturais do negócio. O tráfego de informações de uma operação na bolsa não tem que ter o mesmo tratamento do que seu e-mail. Se o seu provedor de serviço tiver alguma política que você esteja em desacordo, você trocará de serviço até que você ache algum que atenda seus interesses. Apesar da ideia nobre, a solução não é, pois se trata de uma visão utópica e não realista, enquanto o mercado já tem solução para isto.
A política é a ciência do possível. Apesar do envolvimento da sociedade, quando um marco deste tamanho é construído durante tanto tempo, o produto final é o resultado de um conjunto de interesses que cria novamente barreiras não competitivas e protege os que tiveram mais capacidade de influência, o que é fundamentalmente o causador de um estilo de economia pouco eficiente, no qual quem tem mais sucesso muitas vezes não é o que tem mais mérito.
Fernando de La Riva é especialista em negócios digitais e sócio da Concrete Solutions.