Marcelo Bissuh e Gabriel Benarrós, da Ingresse: empresa fundada em Manaus concorre no fragmentado setor de ticketeria (Rodrigo Castelo Branco/Divulgação)
Carolina Riveira
Publicado em 20 de dezembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 30 de julho de 2020 às 14h20.
Após receber o maior aporte em uma ticketeria na América Latina neste mês, a empresa de venda de ingressos e itens para eventos Ingresse vai usar parte desse dinheiro para colocar um pé no setor financeiro.
A startup acaba de lançar um fundo de crédito para os produtores de eventos. A ideia é que a Ingresse forneça um "adiantamento" do valor dos ingressos aos produtores com bom histórico que o solicitarem -- uma espécie de "antecipação de recebíveis", como já acontece em setores como o de maquininhas de cartão.
Gabriel Benarrós, fundador e presidente da Ingresse, afirma que pedidos de produtores para adiantar os valores mesmo antes que o evento aconteça já são comuns no mercado, mas feitos de forma informal. "O produtor muitas vezes vinha pedir um adiantamento, usava o operador como parceiro financeiro, mas de forma arcaica", diz.
O fundo será do tipo FIDC (Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios), fundo tradicional no mercado financeiro e que reúne créditos "a receber" das empresas -- no caso dos produtores que trabalham com a Ingresse, o valor dos ingressos vendidos.
Embora acredite que o setor de fintechs e startups com algum tipo de serviço financeiro já esteja um pouco "saturado", Benarrós afirma que a entrada da Ingresse no setor financeiro se restringe a um segmento mais de nicho, que a empresa já conhece e onde há uma demanda. "É a primeira entrada mais consistente de uma ticketeria no setor financeiro no Brasil", diz.
Benarrós aponta que movimentos parecidos, voltados a nichos, aconteceram em startups como na fintech Creditas, que oferece crédito na modalidade home equity (tendo imóveis como garantia) e na startups de reforma e venda de apartamentos Loft.
O fundo será parcialmente financiado com os 90 milhões de reais que a empresa recebeu em sua última rodada série C, anunciada no início de dezembro. Investidores da rodada, os sócios do fundo RK Partners, especializado em recuperações (e que atuou na recuperação de empresas como a OGX, de Eike Batista), também serão parceiros no fundo de crédito da Ingresse. O aporte foi o maior já feito em uma ticketeria na América Latina e o dobro dos pouco mais de 40 milhões de reais que a Ingresse já havia recebido até então.
Fundada em 2011 em Manaus por Benarrós e o atual diretor de operações e produto, Marcelo Bissuh, a Ingresse vende cerca de 5 milhões de ingressos por ano, e deve fechar 2019 movimentando cerca de 1 bilhão de reais. O valor movimentado em cada evento varia a depender do porte. Benarrós afirma que eventos premium, como camarotes de carnaval, movimentam em torno de 8 a 10 milhões de reais em transações. Já um festival pode chegar a valores "estratosféricos", mais de 100 milhões de dólares.
Como o fundo de adiantamentos será voltado a parceiros que já vendem com frequência ingressos na plataforma da Ingresse, Benarrós afirma que será mais fácil checar informações como histórico e segurança do produtor. Embora o foco sejam os atuais parceiros, a Ingresse também espera que alguns produtores sejam atraídos à plataforma da empresa devido a essa facilidade nos adiantamentos.
O fundo consolida a posição da Ingresse em serviços B2B (business to business), isto é, voltados diretamente a outras empresas, como é o caso dos produtores. Dos planos para o cheque recebido no novo aporte, estão ainda investimentos voltados diretamente aos consumidores, como melhorias tecnológicas na plataforma de venda de ingressos e aquisições de outras empresas do segmento.
A rodada de investimento na Ingresse foi a maior já feita em uma empresa de tickets na América Latina, dentre as divulgadas até agora. O aporte foi liderado pela Endurance, fundo que já investiu em empresas como o streaming de música Spotify e as empresas de entrega Rappi e Loggi. Além da RK Partners, também houve participação de nomes como o Grupo Globo, de mídia, a ticketeria americana Rival e do fundo de venture capital brasileiro eBricks.
A Ingresse tem cerca de 20% de participação de mercado, segundo Benarrós, e vem se consolidando em eventos ao vivo, como shows. A empresa concorre com outras companhias do segmento, como a Sympla (da Movile, também dona de empresas como o iFood), a Ingresso.com (comprada pela americana Fandango e especializada em cinemas) e a Tickets for Fun. Parte da receita no setor ainda vem de empresas menores.
Apesar do segmento fragmentado, a Ingresse quer aumentar sua participação no mercado e, para isso, planeja também usar parte do dinheiro do aporte para novas aquisições. Nos últimos anos, a empresa adquiriu concorrentes como a Ingresso Certo e a Blacktag (focada em festas universitárias).
Benarrós acredita que ainda há muito espaço para inovação e tecnologia no segmento das ticketerias. Uma das novas funções nas quais a Ingresse está trabalhando, por exemplo, é conseguir vender no aplicativo não só o ingresso, mas itens a serem consumidos durante o show, como bebidas.
A empresa também vem investindo para melhorar seus sistemas antifraude, um dos principais fatores que encarecem a operação -- e, com isso, conseguir diminuir a tão criticada taxa de conveniência dos ingressos online. Na Ingresse, a taxa fica em até 3% do valor do ingresso para compras retiradas em pontos físicos e em 10% para compras online, podendo chegar a 15% em outras plataformas concorrentes.
"Em plena era das startups e das disrupções, as pessoas ainda ficam em filas para comprar fichas. O segmento ainda é muito ultrapassado", diz. "Nós queremos, no limite, ser como a Netflix. Quero que as pessoas abram nosso aplicativo e descubram coisas para fazer lá fora."