Leonardo Teixeira, da ICF (François Calil)
Da Redação
Publicado em 21 de fevereiro de 2011 às 08h21.
O mineiro Leonardo de Souza Teixeira, de 36 anos, virou empreendedor em Goiás quase por acaso. Em 1999, ele estava em busca de emprego quando foi atraído pelo nome de um laboratório da cidade goiana de Anápolis, o Teuto. Em português, teuto (que vem de teutões, os povos germânicos que viviam no norte e no centro da Europa) é um prefixo usado para designar uma pessoa ou coisa de origem alemã. Teixeira tinha acabado de voltar de Dortmund, na Alemanha, onde fizera um curso de especialização em farmácia. “Queria muito trabalhar numa multinacional alemã e pesquisar novos remédios”, diz Teixeira. Chegando em Anápolis, descobriu que o Teuto não era multinacional coisa nenhuma. O laboratório pertencia a um brasileiro e ainda por cima só produzia medicamentos genéricos. “No fim, acabei gostando e fiquei por ali mesmo”, diz ele.
Hoje ele comanda a ICF, empresa sediada em Goiânia que em 2010 faturou cerca de 30 milhões de reais — 45% acima de 2009 — fornecendo testes para o Teuto e para outros 60 fabricantes de medicamentos. São exames contratados pelos laboratórios para aferir a eficácia de medicamentos como os genéricos à base de sildenafil, princípio ativo do Viagra, e os feitos com atorvastatina genérico do Lipitor, que combate o colesterol alto. Se estiver tudo certo, a ICF emite um laudo, sem o qual o laboratório não obtém licença para fabricação. Em 2007, a ICF também passou a participar de pesquisas em parcerias com alguns laboratórios, como o Neo Química, que também tem fábrica em Anápolis, para desenvolver novos medicamentos. “O objetivo é produzir remédios para tratamento de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão”, diz Teixeira.
Situada a 60 quilômetros do polo de Anápolis, a ICF atua num lugar privilegiado para a sua especialidade. Atraídos por incentivos fiscais e outras vantagens, nos últimos dez anos muitos laboratórios chegaram a Anápolis e imediações, o que resultou na formação de um polo de fabricação de medicamentos genéricos. Hoje, há 20 fabricantes no polo de Anápolis, sendo seis em Goiânia. Eles respondem por 22% da produção nacional de medicamentos genéricos, segundo o Sindicato das Indústrias Farmacêuticas do Estado de Goiás (Sindifargo).
A concentração de tantos laboratórios funcionou como um ímã para todo tipo de fornecedor de insumos e serviços voltados para o setor. Em Anápolis e nos municípios vizinhos há uma boa quantidade de pequenas e médias empresas que fornecem uniformes e negócios especializados na manutenção dos equipamentos dos laboratórios. Também proliferaram cursos técnicos e de graduação da área de saúde, como farmácia e medicina, o que garante oferta constante de profissionais especializados para pequenas e médias empresas como a ICF. Segundo o Ministério da Educação, há na região sete faculdades com nove tipos de cursos relacionados a saúde. Tudo isso ajuda, e muito, a ICF a ser competitiva. “O trabalho é bem mais fácil num polo como esse”, diz Teixeira. “Não é difícil conseguir bons funcionários e clientes por aqui.”
Hoje, a ICF atende empresas do mundo todo, mas foi graças ao polo de Anápolis que ela deu os primeiros passos. No início, a ICF era um braço do Teuto, que havia feito um acordo com outros dois laboratórios — o Vitaplan e o Neo Química — para ter um centro de testes que servisse às três empresas. “Com a criação da Lei dos Genéricos, eles precisavam de um fornecedor para testar seus produtos”, diz Teixeira. Em 2004, chegou-se à conclusão de que a demanda local era suficiente para que a ICF se tornasse um empresa independente e passasse a atender também outros laboratórios. Parte da sociedade ficou com Teixeira, que tem mais três sócios.
Levantamentos sobre o consumo de medicamentos genéricos mostram que ainda há bastante espaço para a ICF expandir. Segundo a PróGenéricos, associação que representa os fabricantes, a venda desses medicamentos movimentou em 2010 cerca de 6 bilhões de reais — 37% mais que em 2009. “Esperamos o mesmo crescimento nos próximos anos”, diz Odinir Finotti, presidente da entidade. Em média, são lançados 300 medicamentos genéricos por ano — e todos precisam ser testados antes de ir para as farmácias.
O polo de Anápolis começou a se formar em parte por causa dos incentivos do governo — sobretudo o estadual, que oferece descontos e financiamentos para o recolhimento de ICMS, além de linhas especiais de crédito para a produção. Mas não foi só isso. Uma conjunção de fatores contribuiu para a consolidação da região como importante centro de fabricação de medicamentos. Pesou, por exemplo, a infraestrutura para o escoamento da produção do polo para outras regiões do país. Anápolis é ligada por malha rodoviária e ferroviária a importantes centros consumidores, como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.
Nas proximidades da cidade está instalado o Porto Seco Centro-Oeste, onde chegam insumos importados e de onde sai parte da produção. Há descontos para as empresas instaladas no polo, o que faz com que o custo das operações no porto fiquem até 50% mais baixo do que em outros portos do Brasil, como Santos. No Porto Seco, há unidades da Receita Federal, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde e da Agricultura para facilitar a liberação das mercadorias. Em média, a emissão de documentos necessários para as transações de comércio exterior pode ser liberada em 24 horas — um tempo curto para os padrõesbrasileiros. “Há uma combinação muito favorável de fatores para empreender aqui”, diz Marçal Henrique Soares, presidente do Sindifargo.
Em outros pontos do Centro-Oeste também há condições muito boas para a expansão de pequenas e médias empresas inseridas em grandes cadeias produtivas. É o caso dos municípios de Rondonópolis, Primavera do Leste, Lucas do Rio Verde, Campo Verde e Sorriso, em Mato Grosso. Ali, atualmente é produzida boa parte dos grãos no Centro-Oeste, o que levou grandes empresas do setor, como Sadia e Bunge, a montar operações naquele pedaço do estado. A Sadia precisa de milho para alimentar aves. A Bunge utiliza milho e soja para fabricar óleo de cozinha e margarina, entre outros produtos.
O desenvolvimento desses municípios mato-grossenses está inserido na tremenda expansão agrícola que transformou a região na últimas décadas. Em meados dos anos 80, ainda era possível encontrar em Mato Grosso grandes áreas desabitadas onde, independentemente da direção em que se olhasse, a paisagem era cerrado e mais cerrado. Isso começou a mudar no final da década de 70. O preço da terra, bem abaixo do praticado no Sul e no Sudeste, atraiu produtores de commodities importantes para a exportação, como soja e algodão. Para muitos deles, a expansão das áreas de plantio em regiões onde a agricultura já estava bem desenvolvida, como no Paraná, começava a requerer cada vez mais recursos. No interior paulista, muitas regiões férteis estavam sendo ocupadas com plantações de cana destinadas à produção de etanol para combustível.
Com o passar dos anos — e após muitos investimentos em irrigação e tecnologia para compensar a acidez natural do solo —, a região começou a revelar uma nova vocação. O Centro-Oeste oferece várias vantagens para a produção agrícola em larga escala. Além da terra mais barata, a topografia plana é afeita a plantios com um alto grau de mecanização. O clima também ajuda, com sol abundante e chuvas bem distribuídas entre os meses de setembro e dezembro. Com uma safra que deve chegar a 31,1 milhões de toneladas em 2011, segundo a consultoria AgraFNP, o Centro-Oeste é a região que mais produz soja no Brasil — posição que ocupa desde 1998 — e vem se destacando também como uma importante região produtora de milho, algodão e arroz.
Em Primavera do Leste, está localizada a Uniagro, empresa que em 2010 faturou perto de 135 milhões de reais — 238% acima do registrado em 2008. Fundada há oito anos pelo paranaense Djalma Vieira, de 42 anos, e pelo paulista Luciano da Costa, de 36, a Uniagro surgiu para vender fertilizantes e insumos aos produtores locais. Costa e Vieira se conhecem desde 1993, quando trabalhavam como representantes comerciais de uma marca de fertilizantes. Em 2002, com o aumento da produção agrícola na região, os dois decidiram empreender. “Havia bastante espaço para uma empresa que fornecesse insumos aos produtores”, afirma Vieira. Não raramente, os sócios aceitavam soja e milho como parte do pagamento pelos fertilizantes. Com o tempo, Vieira e Costa transformaram o que era apenas um jeito de fechar mais vendas num modelo de negócios. Atualmente, cerca de 60% do faturamento da Uniagro provém da venda para grandes grupos, como Bunge e Cargill, de grãos recebidos como pagamento.
A perspectiva de a Uniagro continuar crescendo dessa forma parece boa. Hoje o Sul ainda é a maior região produtora de grãos do país. Mas a produção no Centro-Oeste avança velozmente. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), nos últimos dez anos a produção total de grãos no Centro-Oeste dobrou, chegando a 52,4 toneladas. No Sul, no mesmo período, o aumento foi 77%. Segundo a Conab, o Centro-Oeste pode vir a ser a maior região produtora de grãos do país nos próximos cinco anos.
As atividades agropecuárias respondem por 11% do PIB do Centro-Oeste, e devem continuar crescendo. Até 2014, o PIB agropecuário da região deve aumentar, em média, 4,7% ao ano — a maior expansão entre todas as regiões no período, segundo estimativas da consultoria Tendências. E quanto maior a produção, mais aumentam as oportunidades para pequenas e médias empresas inseridas na cadeia do agronegócio. De acordo com os especialistas, haverá muito espaço para elas no agronegócio do Centro-Oeste — sobretudo para prestadores de serviços que aumentem a produtividade no campo, como os relacionados a tecnologias de georreferenciamento de propriedades, pesquisas genéticas e correção de nutrientes do solo.