Miami Beach: redes brasileiras foram aos Estados Unidos cheias de esperança - mas, hoje, pensam se o custo vale a pena (Foto/Thinkstock)
Mariana Fonseca
Publicado em 19 de julho de 2018 às 06h00.
Última atualização em 23 de julho de 2018 às 10h43.
São Paulo — Miami é um dos destinos preferidos dos brasileiros. Mas, nos últimos meses, virou um local de desgosto para quem viajou com o sonho de empreender e faturar em dólares. Redes como a hamburgueria Madero e o restaurante Paris 6 fizeram as malas e voltaram para um oceano mais azul – o Brasil. A rede especializada em frutos do mar Coco Bambu continua em Miami Beach, mas aceitou um faturamento menor do que o previsto e considera outros locais dos Estados Unidos para sua expansão.
A euforia dos empreendedores brasileiros por Miami começou há alguns anos, no início da crise econômica brasileira. A possibilidade de se tornar um cidadão americano também pesou na decisão de investimento de alguns empresários.
Segundo Henrique Tsukamoto, consultor sênior no escritório de Miami da consultoria de internacionalização Drummond Advisor, houve um crescimento de 20 a 25% na expansão de negócios brasileiros de alimentação aos Estados Unidos nos últimos anos. Mas várias dessas empresas também abandonaram o país.
As praias e as multidões de turistas escondem um cenário difícil: o mercado de Miami é dominado por concorrentes estabelecidos, o investimento é alto, o câmbio joga contra, e quem não se preparar para a baixa temporada pode ficar no prejuízo por boa parte do ano.
Afrânio Barreira, proprietário do Coco Bambu, resolveu expandir para Miami por um motivo conhecido dos empreendedores brasileiros: a instabilidade econômica. Ainda que a rede de frutos do mar só tenha crescido desde 2014, o medo do vai e vem do mercado falou mais alto e desde o final desse mesmo ano a rede pesquisa mais sobre o mercado americano. Dois anos e meio e dez milhões de dólares depois, o Coco Bambu abriu em 2017 uma unidade em um prédio histórico de Miami Beach.
Alguns benefícios listados por Barreira são um maior estímulo ao empresariado, facilidades logísticas, uma legislação mais clara (como a possibilidade de pedir gorjetas prevista em lei) e regras trabalhistas mais flexíveis. Mas a concorrência de grandes redes e de restaurantes estrelados é pesada – o faturamento da unidade está entre 15 e 20% abaixo do previsto. O Coco Bambu espera recuperar os ganhos no segundo semestre, com os americanos fugindo do frio no norte do país.
“Essa operação fez eu me sentir como no começo do Coco Bambu, em 2001. Somos estreantes e leva tempo para ganhar credibilidade e validação do mercado”, afirma Barreira. “Hoje, faço uma ressalva quanto a Miami: é uma cidade de temporada, o que prejudica nossos ganhos anuais. Hoje, pensando melhor, teria aberto em um local menos sazonal e uma operação com menos investimento, mais de teste.”
Tsukamoto, da Drummond Advisors, recomenda a estratégia de começar pequeno para fazer os ajustes necessários. “As empresas investem muito alto e alugam espaços muito grandes sem antes testar o mercado. Não são muitas as redes de restaurantes que efetivamente conseguiram se estabelecer no mercado americano, e muito disso se deve a um plano de negócios inviável ou mal direcionado, além dos altos custos para manter a operação.”
O Coco Bambu freou suas expectativas, mas não pretende abandonar o barco. A rede está reformulando seu cardápio ao gosto americano – mais massas e menos arroz e ainda ceviche, torta fria de salmão e o caranguejo à moda americana e cearense – e irá abrir uma segunda operação em fevereiro de 2019. Desta vez, em San Diego (Califórnia).
Para a rede de hamburguerias Madero, o objetivo da expansão foi tentar repetir os bons resultados do Brasil, com crescimento anual médio de 55% entre 2013 e 2015, em um mercado maior. No começo de 2015, a rede investiu 1,5 milhão de dólares em uma hamburgueria piloto na Ocean Drive, importante via de Miami.
Mas o lucro sensacional esperado virou lucrinho, afirma o fundador Junior Durski, e as portas se fecharam em maio deste ano. “Lucro pouco não quebra ninguém, mas nós chegamos à conclusão de que não faria sentido ficarmos com um só restaurante nos EUA, que dá o mesmo trabalho que três restaurantes no Brasil”. A hamburgueria de Miami faturava 200 mil dólares por mês, dentro as expectativas, mas fechou 2017 com apenas 140 mil dólares de Ebitda.
O número é pequeno diante da operação brasileira, na qual as 123 unidades do Madero apresentaram 91 milhões de reais de Ebitda apenas nos últimos seis meses. No acumulado de 2018, a projeção desse mesmo Ebitda está em 200 milhões de reais.
O principal problema da hamburgueria americana do Madero era a falta de escala. Pães, hambúrgueres, molhos e sobremesas tiveram de ser preparados pelo e para o próprio restaurante, enquanto em território brasileiro há uma fábrica em Ponta Grossa (Paraná). Durski diz não pretender voltar aos Estados Unidos nos próximos cinco anos e, se mudasse de ideia, planejaria uma reentrada como rede, para diluir os custos.
O paulistano Paris 6, rede que remete aos bistrôs parisienses, enfrentou uma situação similar – mas com maiores privações. Isaac Azar, fundador do negócio, afirma ter perdido 7 milhões de dólares com sua filial em Miami, entre dinheiro do próprio bolso e retornos que serão pagos a investidores. A unidade abriu as portas em novembro de 2016 e fechou em maio deste ano.
Azar afirma que os frutos do Paris 6 em Miami só viriam em 2019, tal como a rede demorou três anos para se tornar lucrativa no Brasil. Mas a passagem para um sistema de franquias incipiente, sem a escolha de um franqueado experiente em gastronomia, a concorrência e a falta de presença de marca foram determinantes para que os números de faturamento só caíssem. A unidade do Paris 6 em Miami fechou 2017 com receita de 2 milhões de dólares, enquanto o faturamento de janeiro a maio deste ano foi de 600 mil dólares. Os 60 mil clientes viraram 20 mil de um período para o outro.
“Poucas são as marcas que conseguem sobreviver estando só em Miami. Para isso, é preciso ter um conceito muito diferente. Precisávamos de um projeto robusto e estruturado para entrar em outras cidades ao mesmo tempo, mostrando nosso tamanho. Mas não tínhamos recursos para algo assim”, defende. Em poucos dias o próprio fundador deverá retornar ao Brasil, país onde o Paris 6 passou de quatro unidades em 2015 para 12 atuais.
Azar é mais otimista do que Durski e espera fazer uma nova tentativa nos Estados Unidos em até dois anos, inclusive para manter seu visto de investidor. Mas, assim como o fundador do Madero, só retornará com grandes investimentos e um posicionamento de rede. Os planos incluem uma parceria com um fundo de investimento e um capital de 40 a 50 milhões de dólares para os primeiros três anos de operação americana. A expectativa de faturamento anual do reformado Paris 6 americano subiu para 3,5 milhões de dólares.
Enzo Donna, da consultoria especializada em food service ECD, afirma que a entrada nos Estados Unidos pede experiência, recursos e tempo de operação. Há uma curva de aprendizado, que vai desde pesquisar os hábitos de consumo até entender as legislações de cada estado americano. Errar para aprender, claro, demanda recursos, e, para ele, negócios brasileiros fecham as operações por estimarem um prazo de retorno inadequado.
“Um ponto característico do mercado americano de alimentação é a necessidade de ter uma escala: só com ela você negocia fornecimentos, consegue fazer um plano de carreira aos funcionários e tem cacife para conseguir pontos comerciais estratégicos”, diz Donna.
Os dois concordam que apenas a semelhança de cultura alimentar entre brasileiros e visitantes de Miami não é suficiente para enfrentar dezenas de concorrentes, especialmente se seu negócio não é inovador para o mercado americano. Enquanto redes que apresentam um conceito podem se expandir com sucesso pelos Estados Unidos, como o churrasco da Fogo de Chão, confeitarias e hamburguerias terão dificuldades em se destacar.
“É preciso abandonar a ideia de que é suficiente contar com o público brasileiro, ou mesmo latino, para viabilizar as operações nos EUA. É importante pensar em estratégias para conquistar também os americanos, e isso se faz com um estudo bastante aprofundado desse mercado consumidor e com um plano de negócios específico”, diz Tsukamoto.
Além de falta de escala, concorrência pesada e recursos limitados, as três redes ressaltam o sucesso da operação brasileira como uma razão para não levar o sonho americano tão a sério. Por mais contraditório que pareça, a crise econômica só ajudou os negócios de alimentação a explorar oportunidades. Coco Bambu, Madero e Paris 6 ressaltam que o fechamento de vários negócios no país fez com que pontos comerciais estratégicos ficassem disponíveis e com preço de banana. Durski, do Madero, ressalta que a desaceleração do mercado de construção civil baixou os custos das obras, com mais material e mão-de-obra disponível no mercado.
Com o país começando sua retomada, as três rede sonham alto. O Coco Bambu possui 31 restaurantes e espera abrir mais seis grandes lojas neste ano, com no mínimo 700 lugares. O faturamento em 2017 foi de 574 milhões de reais. Até 2020, a rede de frutos do mar quer alcançar a marca de um bilhão de reais faturados.
O Madero tem 123 hamburguerias, com faturamento acumulado de 510 milhões de reais em 2017, e está lançando três novas marcas neste ano: a Vó Maria, especializada em parmegiana; a Choripan, em hambúrgueres com carne argentina; e a Dundee Burger, de hambúrgueres com preços mais modestos. A expectativa, carregada de otimismo, é chegar a um bilhão de reais faturados neste ano e, em 2023, quadruplicar tais ganhos. Os atuais 5,2 mil empregados devem se transformar em uma exército de 20 mil membros.
O Paris 6 contratou a Bittencourt, consultoria de varejo, para intensificar seu projeto de expansão por franquias, que começou em 2015. Experiência em gastronomia virou um pré-requisito. O negócio possui doze unidades e espera abrir mais cinco neste ano. A meta é que o faturamento passe de 90 milhões em 2017 para 120 milhões de reais neste ano.
O mercado está para peixe bem longe das praias de Miami.