Aumento da longevidade e da renda da terceira idade garante velhice com tempo para se divertir (Peter Caulfield/SXC/SXC)
Da Redação
Publicado em 19 de setembro de 2012 às 06h00.
São Paulo - A professora de artes aposentada Maria Izabel Waack, de 77 anos, tem visto o mundo de vários pontos de vista nos últimos três anos. A bordo de um balão colorido, ela assistiu ao nascer do sol nos céus da Capadócia, na Turquia. Em restaurantes escondidos nas ruas abarrotadas de Nova Délhi, experimentou os fortes sabores da culinária indiana. Pela janela de um bimotor que sobrevoava a fronteira entre a China e o Nepal, observou as formas do monte Everest. "Fiquei impressionada com a imponência da paisagem", diz Maria Izabel.
Viúva há cinco anos, ela se programa para passear com a cunhada e um grupo de amigos pelo menos duas vezes ao ano, intercalando destinos nacionais e internacionais. Quando conversou com a reportagem de Exame PME, Maria Izabel tinha muita pressa, pois estava a poucas horas de embarcar para a África do Sul para uma viagem de dez dias e nem acabara de fazer as malas. "Nunca aproveitei tanto a vida como agora", diz.
Maria Izabel faz parte de um grupo cada vez mais numeroso. Existem no Brasil cerca de 22,3 milhões de brasileiros com mais de 60 anos — 53% mais do que em 2000. Essa é a faixa que mais aumenta na pirâmide etária. Os idosos também estão movimentando mais dinheiro. Somente neste ano, seus rendimentos chegarão a 400 bilhões de reais, 45% mais do que em 2007.
"Essas pessoas já criaram os filhos e geralmente não têm dependentes", diz Claudio Felisoni, coordenador do Programa de Administração de Varejo da FIA, que faz pesquisas sobre o comportamento do consumidor da terceira idade em São Paulo. "Parte importante da renda deles é destinada a gastos com o próprio bem-estar."
É nesse cenário que começam a se destacar empreendedores que oferecem produtos ou serviços para a terceira idade. É o caso do paulista Jota Marincek, de 44 anos, dono da Venturas&Aventuras, a agência de turismo que levou Maria Izabel à Turquia e à Indochina. Até dez anos atrás, a Venturas&Aventuras vendia passagens e organizava alguns roteiros de ecoturismo no Brasil e no exterior.
Foi numa viagem a Machu Picchu, no fim dos anos 90, que Marincek despertou para o potencial dos clientes acima dos 60 anos. Mais da metade do grupo era composta de pessoas nessa faixa etária, e muitos viajantes tiveram dificuldade para percorrer as trilhas a mais de 2.000 metros de altura. "O ritmo deles é diferente do que os mais jovens estão acostumados", diz Marincek.
Nos últimos dois anos, a Venturas&Aventuras tem organizado roteiros de ecoturismo para grupos da terceira idade pelo menos seis vezes ao ano. Entre os cuidados está a escolha dos hotéis, que devem ter elevador ou no máximo um lance de escada. Somente um passeio pode ser marcado a cada turno do dia, para que os viajantes não se cansem.
O calendário com roteiros especiais ganhou um nome simpático — projeto Velhinho É a Mãe. (A brincadeira não ofendeu dona Glória, a mãe de Marincek, que tem 82 anos. Ela não só adora as viagens como distribui a programação na fila exclusiva de idosos do banco onde recebe sua aposentadoria.) O Velhinho É a Mãe representou quase 10% dos 2 milhões de reais em receitas obtidos no ano passado e ajudou a empresa a crescer 8% em relação a 2010.
O idoso brasileiro de hoje é bem diferente dos vovozinhos de décadas atrás. Assim como os clientes de Marincek, muitos têm tempo e dinheiro para se divertir, indo a bailes e shows. Muitos deles, principalmente os recém-aposentados, estão acostumados a fazer compras com cartão de crédito e a usar a internet. "São pessoas que acompanharam as inovações tecnológicas enquanto ainda trabalhavam", diz Felisoni, da FIA.
A fisioterapeuta Marcella Mayerle, de 29 anos, montou uma empresa em Curitiba voltada para esse consumidor. Há pouco mais de um ano, ela criou o site Loja do Avô para vender artigos adaptados para a terceira idade. Quando atendia pacientes em domicílio para sessões de fisioterapia, Marcella percebeu que, embora começassem a sentir aos poucos o peso de tantos anos de vida, muitos eram independentes. "Vários deles reclamavam que não havia lojas onde pudessem achar, no mesmo lugar, produtos que facilitassem o dia a dia, como aparelhos de telefone com teclas grandes e tapetinhos antiderrapantes para evitar quedas."
A Loja do Avô começou com artigos de higiene pessoal e cuidados básicos vendidos pela internet. Hoje, o site oferece também produtos como exercitadores para pernas e braços e almofadinhas térmicas, que podem ser esquentadas no forno de micro-ondas. "Cerca de 10% dos clientes são idosos que fazem as compras sozinhos no site", afirma Marcella. Em 2012, a Loja do Avô deve obter um faturamento 40% maior do que o registrado no ano passado.
Negócios dedicados a aumentar o bem-estar dos idosos têm alto potencial de prosperar. A esperança de vida do brasileiro ao nascer aumentou de 70,5 anos de idade, em 2000, para 73,5, em 2010. Ainda há muito o que avançar para chegar ao nível de países como Singapura, onde a expectativa de vida é de 82,1 anos. Mas, à medida que o brasileiro vive mais, novas oportunidades se abrem para empreendedores que oferecem produtos destinados a melhorar a qualidade de vida dessas pessoas.
É por isso que as salas de ginástica da B-Active, academia paulistana especializada no público da terceira idade, estão sempre cheias. Um dos fundadores da empresa, o médico Benjamin Apter, de 50 anos, fez pesquisas durante dois anos para chegar ao modelo ideal para a B-Active, que oferece aulas de ioga, pilates e musculação para velhinhos.
Com três unidades em diferentes bairros paulistanos, a B-Active tem hoje 650 alunos. Segundo estimativas de mercado (a empresa não divulga o faturamento), as mensalidades devem render algo em torno do patamar de 3 milhões de reais ao ano. Cerca de 20% das receitas vêm de grandes laboratórios, que pagam para expor seus produtos no local.
Nas aulas, grupos de até três pessoas são acompanhados por fisioterapeutas especializados em geriatria que regulam a intensidade dos exercícios conforme a forma física de cada aluno. "Temos o paciente que sempre fez esportes, mas que começa a sentir o peso da idade, e também o que precisa de exercício como complemento para um tratamento médico", afirma Apter.
É neste último grupo que está o comerciante aposentado Moises Waldsztejn, um polonês de 84 anos que chegou ao Brasil ainda criança. Com histórico de doenças cardíacas na família, Waldsztejn já passou por duas cirurgias no coração. Duas vezes por semana, Waldsztejn vai à B-Active para sessões de 1 hora de musculação e alongamento. "Consigo levantar 3 quilos em cada braço", diz Waldsztejn. “Eu me sinto como se ainda estivesse com 30 anos." Oito anos atrás, Waldsztejn casou-se pela segunda vez, com dona Ruth, de 80 anos, que também é a sogra de uma de suas filhas. "Vou sempre com ele na ginástica", diz dona Ruth.