Michel Bauwens, fundador da P2P Foundation (Divulgação/Cortesia de Michel Bauwens)
Da Redação
Publicado em 14 de maio de 2014 às 10h45.
São Paulo - O mundo vive a maior transformação social e tecnológica desde a Revolução Industrial. É o que diz o belga Michel Bauwens, de 47 anos, fundador da P2P Foundation, organização online que se dedica a estudar as formas da economia colaborativa — para ele, iniciativas como coworking, crowdsourcing, crowdfunding e cocriação são respostas aos problemas da atualidade, como a destruição ambiental e a desigualdade social.
“A tecnologia está ajudando a quebrar barreiras financeiras e geográficas e a criar negócios mais sustentáveis”, afirma Bauwens. Para os empreendedores, o recado é claro: cada vez mais será bom negócio compartilhar conhecimentos com o mundo. Da cidade de Chiang Mai, na Tailândia, onde mora atualmente, Bauwens concedeu a seguinte entrevista a Exame PME.
EXAME PME - A que se deve a transformação social e tecnológica sobre a qual o senhor costuma falar?
Michel Bauwens - Historicamente, sempre que um sistema globalizado enfrenta uma grande crise, a solução encontrada pela sociedade passa por compartilhar mais conhecimento e permutar recursos materiais. As iniciativas recentes de coworking, crowdsourcing, crowdfunding e cocriação são respostas a problemas contemporâneos, como a destruição ambiental e a desigualdade social.
O que enxergo é uma nova evolução social e tecnológica como não se vê desde a Revolução Industrial. No mundo virtual, a tecnologia permite a construção de negócios sustentáveis por uma rede de cocriadores. Com isso, as barreiras financeiras e tecnológicas são diminuídas, e o conhecimento é democratizado. No mundo físico, as pessoas estão dividindo seu espaço de trabalho.
O objetivo é reduzir drasticamente os custos de produção e não desperdiçar recursos. Todos esses movimentos, embora emergentes, estão crescendo exponencialmente no mundo inteiro. Talvez agora não tenhamos consciência da importância dessa transformação. As grandes revoluções tecnológicas costumam levar algumas gerações para ser compreendidas em toda a sua extensão.
EXAME PME - Qual é o papel dos empreendedores nessa nova realidade?
Bauwens - Em vez de somente explorar o lucro de uma cadeia produtiva, o papel do empreendedor vai ser também mediar — e, em vários casos, liderar — uma rede de cocriadores. O lucro conseguido é, em parte, dedicado a um benefício comum, a uma missão ou ao sustento de uma comunidade de commons.
É importante ressaltar que uma parte considerável da troca de conhecimentos não envolve preços ou oferta e demanda de mercadorias. Nesses casos, a moeda de troca não é o dinheiro. É a reputação do empreendedor. Ele deve se posicionar como parte de um ecossistema aberto para o qual contribui com habilidades e recursos enquanto recebe em troca novos conhecimentos de outros empreendedores.
EXAME PME - O capital necessário para a produção também será distribuído em rede?
Bauwens - É algo que começa a acontecer por meio do crowdfunding. Para as pequenas empresas, é uma opção espetacular. Cerca de 95% dos planos de negócios recebidos por investidores capitalistas são rejeitados. Estudos mostram que a probabilidade de uma empresa ser financiada por um fundo de investimento é de apenas 0,2%. Com o crowdfunding, o dinheiro pode ser obtido na comunidade de interessados, muitas vezes formada por potenciais clientes.
É um tipo de financiador que não costuma olhar para o retorno financeiro de curto prazo, mas para o bem social que o investimento vai produzir. É uma lógica diferente daquela habitualmente adotada por bancos e investidores de risco que, naturalmente, precisam entregar retorno financeiro para os clientes que lhes confiarem seu dinheiro.
EXAME PME - Quais modelos de negócios serão mais promissores para a economia colaborativa?
Bauwens - Enxergo duas frentes de oportunidade. A primeira são os negócios que ajudam a administrar o compartilhamento de coisas — carros, casas, espaços de trabalho. Acredito que o mundo caminha para um consumismo menos desenfreado. Em vez de cinco famílias que compram cinco carros, por exemplo, poderíamos ter cinco famílias que compartilham o equivalente a um carro usando uma combinação de veículos emprestados e alugados sob demanda.
As empresas que só vendem bens de consumo precisam oferecer também esses bens em um outro modelo de empréstimo ou de serviço. A segunda frente é formada por empresas adaptadas ao movimento de cocriação, em que o consumidor final se envolve no desenvolvimento de produtos. Está deixando de fazer sentido que uma empresa decida sozinha quais produtos e serviços colocar no mercado.
EXAME PME - O senhor disse que o Google está se adaptando à cultura de rede. De que forma?
Veja o caso do sistema Android, lançado em 2007 pelo Google em conjunto com outras empresas para promover padrões abertos para celular e tablet. Como o código do sistema é aberto a qualquer empresa, centenas de aparelhos com Android já foram lançados no mercado, contemplando todo tipo de consumidor.
EXAME PME - Qualquer tipo de empresa terá de se adequar à economia colaborativa?
Bauwens - Sim, não importa quão boa uma empresa é naquilo que faz, não importa quanto dinheiro ela tem para contratar os melhores talentos. É impossível competir sozinha com o potencial de execução de trabalhos e de geração de conhecimento das comunidades globais organizadas na internet.
É o que impulsiona todas as empresas a ajustar-se, de alguma forma, a essa nova cultura de rede. Isso exige adaptações nos modelos de negócios, ainda muito embasados na proteção da propriedade intelectual. As empresas deverão abrir seus projetos para a comunidade e trabalhar em torno deles, gerando valor para todo o ecossistema em que estão inseridas.
Negócios coletivos
Alguns dos principais conceitos da economia colaborativa
Commons
São bens comuns de livre circulação, sejam eles físicos (praças e parques, por exemplo), sejam digitais (músicas em MP3, softwares, e-books). Um exemplo são as chamadas licenças Creative Commons, que permitem que donos de conteúdos abdiquem
de alguns de seus direitos em favor do acesso público a suas obras.
Consumo colaborativo
É quando os consumidores ganham acesso a produtos e serviços sem se tornar donos deles, alugando, trocando ou compartilhando. Uma empresa que faz uso do conceito é a americana Airbnb, que publica ofertas de aluguel de quartos vazios em casas de 192 países.
Desafio de conceitos
Também chamado de batalha de ideias, é um formato de crowdsourcing em que há uma espécie de competição pública na internet para obter sugestões para resolver determinado desafio. Os donos das melhores soluções recebem prêmios em dinheiro.
Equity crowdfunding
É um tipo de financiamento coletivo derivado do crowdfunding. Quem ajuda a financiar um projeto de empresa recebe em troca participação acionária. O negócio pode conseguir centenas de sócios-apoiadores. (A CVM, órgão que fiscaliza o mercado de capitais, tem um regime simplificado restrito a ofertas que captam até 2,4 milhões de reais por ano para negócios que se enquadram na lei como micro e pequenas empresas.)
Hackspace
São laboratórios compartilhados ou estúdios de coworking onde as pessoas fazem experimentos em áreas como robótica, arte digital, aeromodelismo, programação de software e desenvolvimento de hardware. Os hackerspaces, também chamados de fablabs, são comuns na Europa e nos Estados Unidos e agora começam a surgir por aqui.