Marcelo Claure, do SoftBank: "A nova economia, com negócios que usam dados para mudar a forma como as pessoas vivem e trabalham, irá acontecer em crescimento ou em recessão" (Germano Lüders/Exame)
Mariana Fonseca
Publicado em 8 de julho de 2019 às 06h00.
Última atualização em 8 de julho de 2019 às 17h43.
As startups Rappi, Gympass e Loggi possuem algo em comum além de sua agressiva expansão para participar da vida dos brasileiros. As três foram alvo de impulsos milionários nos últimos meses. O aplicativo colombiano que promete entregar de tudo recebeu 1 bilhão de dólares; o marketplace de academias como benefício corporativo captou 300 milhões de dólares; e a startup de logística para alimentação e e-commerce arrecadou 150 milhões de dólares.
Por trás dessas apostas está o empresário Marcelo Claure. O economista boliviano liderou a criação da maior aposta já vista nos negócios inovadores da América Latina: o Latin America Fund, um fundo de investimentos de cinco bilhões de dólares para startups da região. O veículo financeiro é parte do conglomerado de telecomunicações japonês SoftBank, que também é dono do Vision Fund, um fundo de 100 bilhões de dólares com alvos globais.
Mesmo separados, o Latin America Fund replica as ambições do Vision Fund e realiza aportes nunca antes vistos na América Latina. Apenas o investimento de 1 bilhão de dólares na startup colombiana de delivery Rappi, o primeiro a integrar o portfólio, é o dobro do maior aporte já visto em uma startup brasileira (os 500 milhões de dólares recebidos no final de 2018 pelo iFood, concorrente da Rappi).
Claure conversou com EXAME sobre por que decidiu convencer o SoftBank a apostar nas startups da região e qual é a estratégia que torna o Latin America Fund único, além de seus recursos abastados.
"Os donos de negócio da América Latina foram condicionados a terem menos ambições por essa escassez de recursos. Um dos nossos desafios é vermos empreendedores crescendo, mas com números ainda pequenos para o tamanho do mercado latino americano", afirma. "Criamos o melhor ecossistema de companhias no mundo e o nível de colaboração entre elas faz com que as startups cresçam agressivamente."
Confira os principais trechos da entrevista a seguir:
EXAME -- O primeiro investimento do SoftBank no Brasil foi em 2017, no aplicativo de mobilidade urbana 99. Por que vocês decidiram investir em uma startup brasileira naquela época?
Marcelo Claure -- Em 2015, começamos a investir no setor de compartilhamento de viagens. Somos os maiores acionistas de Didi Chuxing, Grab, Ola e Uber. Acreditávamos no potencial desse setor e, na América Latina, o líder regional no segmento era a 99. Alguns meses depois, passamos nossa participação para a Didi em sua aquisição da 99. Foi mais um olhar para o compartilhamento de viagens do que para a região.
O que incentivou o SoftBank a criar um fundo para startups da América Latina dois anos depois?
Vi a oportunidade quando me tornei COO do SoftBank, há cerca de um ano. Chequei todas as companhias que havíamos investido e quanto estava alocado na América Latina. Só havia 100 milhões de dólares aportados na Loggi [startup brasileiro de logística]. Mas, em mercados como o Brasil, vemos uma série de ineficiências: desde esse mercado de logística e transporte monopolizado até as taxas de juros entre as mais altas do mundo.
O fato me chamou a atenção porque a América Latina estava se destacando. Começou com o Mercado Livre. Recentemente, vimos o surgimento de unicórnios como Nubank, PagSeguro e Stone. Ao mesmo tempo, os indicadores econômicos de economias como o Brasil estavam começando a melhorar. Havia uma oportunidade para se investir.
Ao mesmo tempo, há um grande desequilíbrio na América Latina. Quando se olha para o Produto Interno Bruto da região, é o dobro do visto na Índia e metade do visto na China. A Índia recebeu 36 bilhões de dólares em investimentos de venture capital e private equity no último ano. Em comparação simplesmente econômica, esses investimentos deveriam representar 75, 80 bilhões de dólares para a América Latina. Mas foram de 1,3 a 2 bilhões de dólares, dependendo de quem analisa. Por que há tanto desequilíbrio?
A falta de capital é danosa aos empreendedores. Os donos de negócio da América Latina foram condicionados a terem menos ambições por essa escassez de recursos. Um dos nossos desafios é vermos empreendedores crescendo, mas com números ainda pequenos para o tamanho do mercado latino americano.
Assumindo um modelo de negócios em que a business unit economics [receitas e custos por unidade] funciona, o obstáculo para o crescimento deve ser o capital para financiar o retorno. Enxergamos a oportunidade de perguntarmos a esses empreendedores em nossas reuniões: “se o capital não fosse um obstáculos, o que sua empresa poderia entregar?”. A partir dessa questão, eles analisam o mercado e suas capacidades e percebem que podem entregar mais. Achamos a empresa certa, o empreendedor certo e damos o capital certo para eles crescerem mais e dominarem o mercado.
O SoftBank leva em consideração o estado da economia e da política de um país na hora de investir em uma startup?
Até certo ponto. A nova economia, com negócios que usam dados para mudar a forma como as pessoas vivem e trabalham, irá acontecer em crescimento ou em recessão. Ter um cenário positivo é um impulso, mas essas mudanças de tendências, quase tectônicas, não podem ser paradas.
O que faz o SoftBank tão único para os empreendedores de startups?
Primeiro, a nossa dimensão de capital. Pensando no Vision Fund, somos maiores do que outros grandes fundos de capital de risco somados. Pensando no Latin America Fund, somos maiores do que os fundos de capital de risco somados da América Latina.
Empreendedores com um modelo de negócios de sucesso procuram um fundo que tem a habilidade de continuar financiando seu crescimento. Quando eles se tornam parte da comunidade do SoftBank e entregam os resultados prometidos, queremos que buscar investimentos não seja uma de suas preocupações.
Outro ponto que nos diferencia de fundos de private equity é uma participação intensiva no crescimento das empresas investidas. Criamos o melhor ecossistema de companhias no mundo e o nível de colaboração entre elas faz com que as startups cresçam agressivamente. Quando você faz parte da nossa comunidade, de repente acessa cem outros melhores empreendedores que o recebem, dão mentorias e o ajudam a pensar em novos produtos e em expansão.
Esses donos de negócio pensam do mesmo jeito que o SoftBank, de usar dados para alavancam o crescimento. É nossa estratégia de “aglomerados de números um”.
Para quais setores vocês estão olhando na América Latina? Aplicar inteligência artificial é um requisito para o SoftBank investir em uma startup?
Nos últimos anos, investimos na revolução trazida pela internet em negócios como Alibaba, Yahoo Japão e diversas empresas de telecomunicações. Conversámos sobre o dia que o poder de processamento dos computadores chegaria ao nível humano. Hoje, estamos na intersecção entre a melhora das redes de internet, com o 5G; do poder de coleta, com tecnologias como a internet das coisas (IoT); e da análise de dados, com a inteligência artificial.
Toda indústria está apta a disrupção. Investimentos em imóveis, hotelaria, mobilidade, saúde e outros. O que observamos são empresas que tenham que usam a inteligência artificial para criar modelos melhores de predição para ganharem competitividade e transformarem seus setores e os modelos de negócio conhecidos.
Startups brasileiras podem atingir competitividade global no desenvolvimento de inteligência artificial?
Ainda estamos atrás quando se compara a região com a China ou os Estados Unidos, mas estamos rapidamente preenchendo a distância.
Quando olhamos para a Rappi, entregando centenas de milhares de pedidos todos os dias, o uso de dados, algoritmos e inteligência artificial é necessário para estimar a posição dos entregadores para levar encomendas dos estabelecimentos aos consumidores em menos de 30 minutos. Vemos também fintechs brasileiras que desenvolvem modelos de predição para realizar empréstimos menos arriscados.
Quantos negócios inovadores o Latin America Fund já analisou até o momento e quanto tempo o dinheiro desse fundo irá durar?
Lançamos o fundo há quatro meses e já analisamos mais de 100 empresas. Nosso primeiro investimento foi na startup colombiana de entregas Rappi. O valor do aporte, de um bilhão de dólares, provavelmente representa a maior rodada já vista em uma startup da América Latina.
Nós achávamos que o dinheiro do fundo iria cobrir um tempo maior, mas não temos limitações por startups e prazos. Olhamos cada oportunidade como algo único. Se houver boas oportunidades, aportaremos rápido. Se não houver, levaremos nosso tempo. Não colocamos também uma meta de dinheiro a ser gasto. Investiremos no que enxergarmos como uma boa aposta.
Em quais estágios de rodada de captação de startups vocês pretendem investir?
Gostamos mais do late stage [rodadas de série C em diante], mas se apreciamos o empreendedor, a startup e o modelo de negócios, não temos problemas de investir cedo. Nós temos uma longa história com os sócios da Valor Capital Group e temos o prazer de anunciar nossa parceria focada em criar valor e impacto no Brasil e na América Latina. Nossos times estão trabalhando juntos para apoiar empreendedores extraordinários, de startups a scale ups, e já investimos juntos em empresas transformadoras, como Gympass.
Esse fundos early stage têm o difícil trabalho de escolherem 20, 30 companhias entre milhares que depois receberão aportes mais pesados. Eles farão os primeiros rounds [rodadas de série A e B] e podemos acompanhar o investimento. Talvez participemos desde os primeiros estágios de investimento em algumas startups, levando-a até sua possível transformação em empresa pública.
A entrada dos cinco bilhões de dólares do SoftBank na região pode fazer o tíquete de investimento aumentar, acompanhando a maior liquidez do mercado?
Acho que nós quebramos o gelo e criamos mais interesse para muitos fundos que antes não atuavam na América Latina. Agora, sempre que achamos uma empresa, há outros três ou quatro investidores na disputa. Eu acho isso ótimo, porque a região de fato precisa de mais capital. Veremos mais fundos de todo o mundo olhando para os ótimos empreendedores que temos por aqui.
Vocês veem esses fundos como competidores?
Cada tipo de fundo contribui de alguma forma diferente, que pode ser aquilo de que a startup precisa. Respeitamos o DST Global, a Tiger e outros. O capital deles valida que há companhias da América Latina prontas a dar o próximo passo e se tornarem unicórnios.
O ritmo de fechamento de investimentos do SoftBank parece mais rápido do que o de outros fundos. Por quê?
Nós vimos muitos modelos de negócios e empreendedores na China, nos Estados Unidos e na Índia. Por termos experiência em outras partes do mundo, fica mais fácil analisar novos investimentos e novos donos de negócio. Olhamos o histórico do empreendedor e seu plano de negócio para cinco e dez anos de empresa e sabemos se aquela será ou não uma boa oportunidade.
Não procuramos barganhas e não queremos obter o menor valuation possível. Passamos no máximo 10% da nossa reunião falando sobre isso. Algumas dessas companhias serão extremamente valiosas no futuro, porque elas estão atacando mercados gigantescos. Então preferimos usar os 90% restantes de tempo para descobrir como vamos ajudar o empreendedor a atingir as metas de crescimento do seu negócio.