Mayura Okura, da B2Blue (Daniela Toviansky / EXAME PME)
Da Redação
Publicado em 10 de junho de 2014 às 20h12.
São Paulo - Nos dicionários, lixo é um material sem valor ou utilidade que se joga fora. Mas, na mente de um empreendedor visionário, seu significado pode ser muito diferente.
Para os seis donos das pequenas e médias empresas que protagonizam esta reportagem, lixo é uma grande oportunidade de bons negócios — e que não se deve jogar fora de jeito nenhum. Eles estão fazendo sua empresa crescer ao buscar, levar, separar, reciclar, comprar, vender e processar o que os brasileiros não querem mais.
No Brasil, as cadeias produtivas envolvidas com lixo movimentam um mercado enorme. São 22 bilhões de reais em receitas por ano, segundo uma estimativa da Abrelpe, a entidade que representa as empresas de limpeza pública do país.
Esse número, que nem considera a manipulação de resíduos gerados por indústrias e hospitais, deverá aumentar rapidamente. “Até 2017, o tamanho do mercado vai dobrar”, diz Carlos Silva Filho, diretor da Abrelpe.
O padrão de vida do cidadão brasileiro prosperou muito nos últimos anos, sobretudo nas classes mais baixas da pirâmide social, cujo poder de consumo aumentou. Viver melhor, como se sabe, significa consumir. E consumir gera mais — às vezes muito mais — lixo.
É o que está acontecendo no Brasil — e com uma velocidade bem maior do que a média do mundo. Segundo o Banco Mundial, em 2025 cada brasileiro deverá produzir 584 quilos de lixo urbano — um aumento de 50% em duas décadas.
Nesse período o lixo mundial aumentará 25%.Nos países com economia madura ou com programas eficientes de tratamento de resíduos, o lixo urbano deverá até diminuir.
Ao contrário dos Estados Unidos, a maior parte do lixo brasileiro é orgânica — basicamente, restos de alimentos. Mas isso deverá mudar. O descarte de aparelhos eletroeletrônicos está crescendo mais depressa do que a atual capacidade de dar um destino decente para eles. Num espaço de sete anos, a venda de eletrodomésticos como aparelhos de TV, fogões e geladeiras aumentou 50%.
Neste ano, serão comercializados 66 milhões de aparelhos celulares no país — 10% mais do que apenas dois anos atrás. Esse fenômeno deverá se repetir em vários setores da economia.Segundo um estudo da consultoria McKinsey, o poder de consumo dos brasileiros em 2020 deverá ser 60% mais alto em relação a 2010.
O desafio é gigantesco. Uma tarefa urgente é modernizar a infraestrutura básica. No Brasil, 41% de todo o lixo vai para os chamados lixões — terrenos baldios em que tudo fica misturado e exposto a sol e chuva, com risco de contaminar o solo e a água das proximidades. Nos Estados Unidos, o americano médio nem sabe o que é um lixão.
Na Alemanha, considerada um país-modelo de gestão de resíduos, 34% dos detritos são incinerados, e boa parte vira energia. No Brasil, a implantação de incineradores está no início. Esse é o negócio da Innova, do empreendedor Fernando Reichert, que monta pequenas usinas com incineradores que geram eletricidade do lixo.
No capítulo da produção de energia, as possibilidades de novos negócios com potencial de crescimento são grandes. É o caso da Biotechnos, da gaúcha Márcia Werle, que fabrica máquinas para fazer biodiesel do óleo que sobra de frituras de casas e restaurantes.
Um campo de oportunidades particularmente promissor está em negócios que ajudem grandes empresas a lidar com um desafio recente: arcar com a responsabilidade de limpar o mundo do lixo que os consumidores de seus produtos deixa para trás.
Isso já está acontecendo, por exemplo, com os fabricantes brasileiros de lubrificantes automotivos, que passaram a ser legalmente responsáveis por garantir que as embalagens de óleo vazias não acabem em rios e plantações — uma oportunidade de negócios que o paulistano Maurício Bisordi, dono da MB Engenharia, agarrou.
O advogado Fabricio Soler, especialista em direito ambiental, do Felsberg e Associados, diz que essa é uma tendência irreversível. “No futuro próximo, empresas de diversos setores serão chamadas a fazer sua parte”, diz Soler.
É crescente o número de empresas para as quais gerar lixo está se tornando uma fonte de custos extras que pode ser secada. É o caso do Cinemark, que contratou a paulistana RL Higiene, do empreendedor Ricardo Vacaro, para uma blitz nos processos de limpeza das salas de projeção e instalações de seus 69 cinemas e acabou economizando 8% só em gastos com produtos.
É bom que se diga que não é fácil ganhar dinheiro com lixo. Separar materiais pode ser quase impossível, dependendo do tipo de descarte e da qualificação da mão de obra. Reciclar ou produzir energia só dá certo se o custo for baixo o bastante para competir no mercado. A logística de buscar o lixo produzido por casas e indústrias pode ser um pesadelo num país com as dimensões e a complexidade geográfica do Brasil.
Como qualquer outro negócio, expandir significa perseguir produtividade — e produtividade, por sua vez, requer investimento em tecnologia. É por isso que a mineira Tecscan Recibel, do engenheiro Ronaldo Carvalho de Souza, está crescendo ao produzir carrinhos automatizados para catadores e máquinas trituradoras para cooperativas e empresas recicladoras.
Uma característica do mercado de lixo é sua desorganização. Todo mundo gera lixo, certo? Mas o que, exatamente, está dentro daquela montanha de sacos pretos de um condomínio de classe média de uma cidade como o Rio de Janeiro ou um prédio de escritórios de São Paulo? Caso tenha algum valor, quem pode querer comprá-lo? Como formar o preço? Como, enfim, a oferta vai se juntar à demanda?
A paulistana Mayura Okura, da B2Blue, viu nesse caos uma chance de ter o próprio negócio no setor do comércio eletrônico, ao fundar uma espécie de Mercado Livre dos entulhos.
Há um bom motivo para acreditar que o lixo é um dos mercados do futuro. Provavelmente, num tempo não muito longínquo, as pessoas não acharão aceitável que, numa lanchonete, uma família inteira coma um sanduíche de hambúrguer com batatas fritas, beba um copo de refrigerante e jogue fora aquele monte de embalagens. Hoje, quase ninguém se importa.
Mas pode ser que esse comportamento venha a ser tão constrangedor que desapareça sem que sejam necessárias campanhas educativas. A história ensina. No Brasil Colônia, era trabalho dos escravos carregar dejetos de seus senhores pelas cidades para jogá-los num rio ou fosso. Era a coisa mais natural do mundo.
Limpeza na dose certa
O empreendedor Ricardo Vacaro, de 55 anos, é dessas pessoas que acham que é sempre possível fazer mais com menos. Ele é sócio da paulista RL Higiene, que vende produtos e utensílios de limpeza — como detergentes, desinfetantes e vassouras — para empresas que não terceirizam a faxina.
Quando conquista um novo cliente, a RL Higiene identifica focos de desperdício na rotina da limpeza. “É comum gastar mais produtos do que o necessário, o que gera resíduos e custos”, diz Vacaro.
Algo mais ou menos assim foi o que Vacaro encontrou quando visitou, em 2004, algumas unidades da rede de cinemas Cinemark. Os banheiros eram limpos com rodo e pano de chão. As bancadas das lanchonetes, com papel toalha. “Não tinha parado para pensar se havia um jeito melhor”, diz Paulo Rego, diretor de operações do Cinemark.
Aos poucos, os panos de chão e os rolos de papel deram lugar a rodinhos e vassouras autolimpantes, que evitam desperdício. Os produtos foram substituídos por versões concentradas, as embalagens têm medidores e as tarefas foram padronizadas. Periodicamente, técnicos da RL Higiene visitam as 69 unidades do Cinemark para treinar os faxineiros, e há auditorias para verificar se tudo está em ordem.
Em 2013, o volume de resíduos caiu 5% em relação a 2012 — e os gastos com produtos caiu 8%. “Deixamos de descartar 5,4 toneladas de lixo”, afirma Rego.
Negócios como a RL Higiene desempenham papel importante ao combater ineficiências que acarretam acúmulo de lixo. “Vendemos uma chance de aumentar a eficiência e também cortar custos”, diz Vacaro. Com essa política, a RL Higiene consegue manter contratos de longo prazo num mercado em que a guerra de preços costuma corroer as margens das empresas.
Cerca de 40% dos mais de 1.800 clientes fazem compras há pelo menos dez anos. Em 2013, a RL Higiene faturou 30 milhões de reais, 5% mais do que em 2012 — e nos últimos cinco anos o lucro cresceu três vezes mais do que as receitas.
O mercado livre do entulho
A paulistana Mayura Okura, de 28 anos, enxergou uma oportunidade ao aproximar empresas que geram resíduos que não servem para elas de companhias para as quais o mesmo resíduo serve de matéria-prima. Mayura é sócia do site B2Blue, espécie de MercadoLivre dos detritos. A página tem 1.500 anúncios de todo tipo de ex-produto.
São latinhas amassadas, garrafas PET, pedaços de meia-calça rasgada, cavaletes de madeira usados em propaganda eleitoral. Quem encontra algo interessante pode tirar dúvidas com o vendedor e fechar negócio com cartão de crédito. Os anúncios são gratuitos. “As receitas vêm da comissão sobre as transações”, afirma Mayura.
Em 2014, a B2Blue deverá faturar 2 milhões de reais, o triplo do ano passado. Por mês são 24 000 visitantes — a maior parte de empresas de reciclagem que precisam repor insumos. É o caso da paulistana Plascamil, que vende plástico granulado a grandes indústrias de eletroeletrônicos. Geralmente, a Plascamil compra matéria-prima de catadores e ferros-velhos.
“Quando eles coletam menos do que vamos precisar, temos de procurar matéria-prima no mercado”, diz Elias Thomé, de 26 anos, gerente da Plascamil.
No fim do ano passado, Thomé comprou pela B2Blue 100 toneladas de placas de plástico para a construção de casas pré-moldadas. O material estava há 15 anos num depósito da Metroform, locadora de andaimes para construção civil de Guarulhos, em São Paulo, desde que a empresa deixou o negócio de aluguel de placas.
“Elas estavam sujas de cimento, e as recicladoras que conhecíamos não sabiam como limpá-las”, afirma Edmilson Carvalho, supervisor da Metroform. O entulho ficou esse tempo todo abandonado num canto até que, no ano passado, Carvalho recebeu a tarefa de liberar o espaço para instalar uma linha de produção. “Descobri a B2Blue e fiz um anúncio”, diz. “Levei apenas dois meses para achar um comprador.”
A B2Blue foi fundada em 2012 por Mayura e seu sócio, Pedro Maschio, de 25 anos. Os dois eram colegas na faculdade de gestão ambiental da Universidade de São Paulo. Naquela época, Mayura estagiava numa comercializadora de créditos de carbono que tinha aterros sanitários entre os clientes. Acompanhando os caminhões de lixo nesses locais, Mayura via pilhas de plásticos, computadores e celulares sendo enterradas. “Ficava escandalizada com tanto material valioso jogado fora.”
A ideia de fazer um site de comércio eletrônico de lixo surgiu durante um projeto de sustentabilidade que Mayura fez no Buscapé, site de comparação de preços. “Queríamos envolver as empresas que aparecem em nosso site numa ação para reduzir a emissão de carbono”, diz Claudio Roca, gerente de expansão do Buscapé.
“Foi quando descobrimos que muitas empresas não sabiam destinar corretamente seu lixo.” Roca ajudou Mayura a fazer um plano de negócios e a encontrar investidores. “O potencial da B2Blue vai muito além das transações pelo site”, diz o investidor Frederico Paz, que colocou dinheiro na empresa.
“A B2Blue pode crescer bastante oferecendo serviços elaborados às empresas usuárias do site, como assessoria na gestão do lixo e certificação ambiental.”
Tecnologia para dar fim ao lixão
Em 1937, o compositor Lamartine Babo gravou um samba para louvar as belezas naturais dos arredores de Boa Esperança, cidade situada no sul de Minas Gerais. A paisagem mudou. Hoje em dia, a região sedia um lixão a céu aberto. Num terreno do tamanho de 13 campos de futebol são despejados os entulhos gerados pelos 40 000 moradores de Boa Esperança, como restos de comida, garrafas plásticas e sucatas.
Abaixo do terreno há um lençol freático. “A contaminação dos mananciais que passam por ali é um grande risco”, diz Sérgio Morais, diretor da companhia municipal de saneamento e limpeza. “O lixão é um dos maiores problemas da cidade.”
Uma solução para Boa Esperança está a caminho. Ao lado do lixão está sendo construída uma usina que vai produzir energia com o entulho gerado pelos moradores da cidade. Quando a obra estiver concluída, no fim deste ano, tambores giratórios, que parecem enormes panelas de pressão, vão incinerar as 33 toneladas de lixo produzidas por dia na cidade. (Incineradores são muito usados em países considerados modelo no destino que dão ao lixo, como a Alemanha.)
Os resíduos acumulados nos 15 anos de funcionamento do lixão também vão abastecer as máquinas. “A área deverá estar livre de entulhos em cinco anos”, diz Morais. “Depois, a prefeitura pretende criar um parque no local.”
A obra está sendo tocada pela Innova, empresa brasileira parceira de uma fabricante italiana de geradores de energia com lixo. “Nosso projeto leva a tecnologia dos italianos e contratamos os fabricantes no Brasil”, diz o físico Fernando Reichert, de 32 anos, sócio da Innova, que deverá faturar 40 milhões de reais em 2014, o dobro do ano passado.
Os clientes são geradoras de energia, como Furnas, que está financiando a construção da usina em Boa Esperança. “São empresas com verbas para pesquisa e desenvolvimento de projetos inovadores”, diz Reichert. A obra é o primeiro projeto do gênero em Furnas, que pretende vender a energia a indústrias. “Queremos ter mais usinas dessas no futuro”, diz Luiz Eduardo Moreira, superintendente de novos negócios de Furnas.
Atualmente, quase metade dos entulhos produzidos nas cidades brasileiras acaba em lixões. Esses resíduos ficam lá, a céu aberto, e a ação do tempo ou de catadores pode poluir terrenos vizinhos. Em agosto, os lixões deverão ser proibidos em todo o país pela legislação ambiental. Além de encontrar alternativas para destinar o entulho, as prefeituras de cidades com esses depósitos terão de recuperar as áreas. “Isso deverá nos abrir oportunidades”, afirma Reichert.
A Innova foi fundada em 2009, quando Reichert voltou ao Brasil após quatro anos de mestrado em energias renováveis numa universidade italiana. Nesse período, viu de perto uma crise em Nápoles, terceira cidade mais populosa do país. No fim de 2007, os aterros sanitários locais chegaram ao limite de capacidade, e o lixo acumulou-se nas ruas.
A construção de incineradores diminuiu o problema nos anos seguintes. “As novas tecnologias de queima do lixo acabam com o entulho orgânico, como restos de comida, impossíveis de aproveitar”, diz ele. “É o mais gerado nas cidades brasileiras.”
Embalagens que vêm e vão
O engenheiro civil Maurício Bisordi, de 46 anos, adora fazer uma coisa que não tem graça para a maioria das pessoas — trocar o óleo do carro. Bom, ele, particularmente, tem motivos para apreciar esse tipo de passeio.
“Coletar embalagens vazias de lubrificantes é meu negócio”, diz ele. Bisordi é sócio da MB Engenharia, empresa paulistana fundada há 20 anos que presta serviços ambientais, como varrição de ruas, coleta de lixo em shopping centers e gestão de aterros sanitários no interior paulista.
Desde 2005 a MB Engenharia recolhe carcaças de lubrificantes que viram entulho após o consumo. O cliente final do serviço são grandes distribuidores de combustíveis, como Shell e Ipiranga, que pagam à MB para dar um fim seguro às garrafinhas de plástico que acondicionam o óleo.
“A coleta dessas embalagens é a parte da empresa que mais vem crescendo”, diz Bisordi. “Vamos faturar 50 milhões de reais em 2014. É 20% mais do que no ano passado.”
Por mês, os 31 caminhões da MB Engenharia percorrem 110 000 quilômetros em rodovias dos três estados do Sul e do interior paulista. A frota apanha embalagens em 9 000 pontos de coleta, como postos de gasolina e concessionárias de veículos, e as leva para as 14 centrais de triagem da empresa. Os resíduos do óleo são escorridos num tanque e máquinas compactam as garrafinhas.
O óleo vai para refinarias como a Lubrificantes Fenix, da cidade paulista de Paulínia. “Tiramos as impurezas e revendemos a matéria-prima a grandes distribuidoras de lubrificantes, como a Petrobras”, diz Alexandre Macedo, supervisor da Fenix. “Com o acréscimo de aditivos químicos, esse óleo pode ser consumido de novo, geralmente envasado como uma segunda marca.”
Os fardos de plástico vão para empresas que os usam para fazer novos produtos. É o caso da paranaense Cimflex, de Maringá, que fabrica dutos para fios de eletricidade. “O plástico reciclado dos dutos é seguro e resiste bem à ação do tempo e às mudanças climáticas”, diz Ricardo Hajaj, sócio da Cimflex.
A MB Engenharia começou a recolher embalagens vazias de lubrificantes após uma lei do Rio Grande do Sul obrigar os postos de gasolina a dar uma destinação correta aos entulhos gerados. Muitas embalagens iam parar em rios e mananciais. Mais recentemente, em 2010, a obrigatoriedade foi estendida ao país inteiro.
Outros materiais nocivos ao meio ambiente, como pilhas, baterias e partes de eletroeletrônicos, entraram na lista. A coleta final desses produtos, depois de usados, passou a ser responsabilidade dos fabricantes que os colocaram no mundo — a logística reversa, no linguajar dos especialistas.
O sistema vem sendo implantado gradualmente no país. “As indústrias em países como Alemanha e Estados Unidos são obrigadas a coletar as sobras pós-consumo há mais de uma década”, diz o advogado Fabricio Soler, do escritório Felsberg e Associados, especializado em direito ambiental.
Nos próximos anos, o controle deverá ficar mais rigoroso também no Brasil e abrir oportunidades de negócios em logística reversa. “A MB está se preparando para o crescimento desse mercado”, diz Bisordi. “Queremos estar na frente.”
Mais escala para quem recicla
Pode-se dizer que o engenheiro Ronaldo Carvalho de Souza, de 57 anos, é um Professor Pardal do mercado de lixo. Ele criou uma máquina enorme que faz picadinho de grandes quantidades de borracha, ferro e madeira. Dependendo do material, o equipamento processa até 7 toneladas em 1 hora.
Esse é o principal produto da Tecscan Recibel, empresa que pertence a Souza e fica na cidade mineira de Contagem. Da fábrica da Tecscan saem trituradores, esteiras transportadoras de detritos e carrinhos motorizados para catadores. “Coletar material reciclável envolve uma logística que custa caro”, diz Souza. “Os negócios de reciclagem precisam de escala para ser viáveis.”
Segundo os cálculos do empresário, em 2014 a Tecscan deverá faturar 3,5 milhões de reais, quase 20% acima do ano passado. Os clientes são empresas de reciclagem, como a Bemplast, de Betim, em Minas Gerais. A Bemplast compra pedaços de aparelhos como geladeiras e máquinas de lavar roupas e peças automotivas dos próprios fabricantes — geralmente material reprovado no controle de qualidade.
Depois de ser transformada em grãos, a matéria-prima é vendida a montadoras e indústrias de eletrodomésticos, que a usam na fabricação novamente. Até 2010, a transformação de materiais na Bemplast era feita artesanalmente com serrinhas de cortar madeira. “Era um processo cansativo, demorado e pouco produtivo”, diz Marcelo Serpa, de 48 anos, sócio da Bemplast.
Uma trituradora da Tecscan Recibel foi adquirida há três anos. A máquina processa 300 toneladas de sucata de uma vez. “A produtividade triplicou, e hoje atendo pedidos bem maiores”, diz Serpa. “Nossas receitas cresceram 15%.”
A busca por escala também esteve por trás da fundação da Tecscan Recibel em 2002. Na época, Souza instalava antenas de telefonia celular para grandes empresas do setor. “A infraestrutura de meus clientes não estava precisando mais de tantas antenas”, diz. “Havia cada vez menos serviço.”
Nessa época, Souza assistiu a um documentário no canal Discovery sobre sistemas mecanizados de reciclagem em países europeus. No programa, Souza ficou entusiasmado ao ver equipamentos moendo todo tipo de entulho. “Não encontrei nada parecido com aquilo no Brasil”, afirma Souza. “Fui prospectar o mercado para descobrir se havia espaço para fabricar equipamentos como aqueles.”
Ao conversar com donos de empresas de reciclagem, Souza ouvia queixas sobre a falta de tecnologia capaz de reciclar quantidades de lixo que não param de crescer. “Resolvi projetar máquinas por conta própria para atender à demanda”, diz. “Foi uma decisão acertada.”
Existem 1.200 recicladoras no país, segundo estimativa da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública. “Esse número está aumentando conforme os brasileiros consomem mais produtos industrializados”, diz Carlos Roberto Silva Filho, diretor da associação. “Mas a maioria delas está num estágio rudimentar de desenvolvimento tecnológico.”
Isso explica por que, com exceção de latinhas de alumínio, os índices de reciclagem no Brasil são menores do que nos Estados Unidos e no Japão. “Sem tecnologia não há como sair do atraso.”
Mais renda para quem cata sobras
Há cinco anos o bacharel em história Vinicius Fonseca, de 39 anos, parou de dar aulas para catar lixo. “Minha família foi contra e meus filhos sofreram preconceito na escola, mas não me arrependo”, diz Fonseca. Diariamente, ele recolhe 800 litros de óleo de cozinha usado em bares e restaurantes de Arraial do Cabo, balneário no litoral norte fluminense, onde mora.
“O óleo entope as tubulações das casas”, diz Fonseca. “Mas o que é estorvo para uns é matéria-prima para outros.” Fonseca leva o material até a sede da CoopClean, cooperativa de catadores que preside, onde máquinas processam o óleo para transformá-lo em biodiesel, que serve de combustível. “Vendo a produção a donos de barcos da região”, diz ele.
Os equipamentos da CoopClean para fabricar biodiesel foram feitos pela Biotechnos, de Santa Rosa, cidade gaúcha de 60 000 habitantes. A Biotechnos foi fundada em 2007 pela administradora Márcia Werle, de 41 anos. Na época ela era gerente de uma empresa de peças para o setor de agronegócio. “Eu tinha vontade de ter um negócio para ajudar a resolver algum desafio ambiental”, diz.
Numa feira de energias renováveis na Alemanha, Márcia conheceu uma tecnologia de fabricação de biodiesel de óleo de cozinha usado. De volta, descobriu que mais de 1,5 bilhão de litros de óleo de fritura são descartados anualmente no país.
Márcia fez as contas e percebeu que esse material poderia gerar receitas de quase 3,5 bilhões de reais por ano se fosse transformado em biodiesel. “É muito dinheiro jogado pelo ralo”, diz ela.
Márcia pediu ajuda a especialistas e montou um protótipo com base no que viu na Alemanha. Nascia a Biotechnos. No início a matéria-prima para a geração de biodiesel era coletada por estudantes de Santa Rosa. Em troca, eles recebiam da Biotechnos bônus como material escolar e ajuda de custo para a formatura. Márcia treinava os professores para incluir o problema do óleo usado nas aulas.
Nas de matemática, por exemplo, os estudantes faziam contas da quantidade de água que deixava de ser contaminada com o que haviam coletado. “As pessoas começaram a ficar inconformadas”, diz ela. “Foi o que me fez acreditar no potencial desse mercado.”
Veja o caso de Fonseca. Hoje, ele ganha cerca de 4 000 reais por mês. “É mais do que eu recebia como professor”, diz. Desde a construção da fábrica de biodiesel da CoopClean, em 2009, Fonseca já comprou geladeira e fogão novos para sua casa, que é própria. Na garagem, há uma Land Rover de segunda mão.
Dois anos atrás, viajou pela primeira vez com a família para o Nordeste. Em breve, vai começar uma pós-graduação em negócios sociais pela Fundação Dom Cabral. “Quero capacitar outros catadores”, diz.
Em 2014, a Biotechnos deverá faturar 2,8 milhões de reais, o triplo do ano passado. Os principais clientes da empresa são cooperativas de catadores, como a CoopClean. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), existem 400 000 catadores no Brasil.
Em média, eles ganham menos de um salário mínimo por mês. “A maioria recolhe só latinhas e garrafas”, diz Márcia. “Muitos deles podem diversificar a coleta para aumentar a renda.”