PME

A pequena empresa deve tomar partido em temas polêmicos?

Causas que tratam da igualdade de gêneros, relações homossexuais e até políticas: quando vale a pena sair de cima do muro e dar a cara para bater?

Post da empresa de móveis Alezzia no Facebook une a garota símbolo da marca com estagiário demitido por publicar post considerado machista (Facebook/Divulgação)

Post da empresa de móveis Alezzia no Facebook une a garota símbolo da marca com estagiário demitido por publicar post considerado machista (Facebook/Divulgação)

Marília Almeida

Marília Almeida

Publicado em 15 de fevereiro de 2017 às 07h00.

Última atualização em 15 de fevereiro de 2017 às 07h00.

São Paulo - No clima de que “é preciso ter opinião para tudo nas redes sociais”, um pequeno negócio pode se sentir tentado a se posicionar sobre temas polêmicos, que vão desde igualdade de gênero até questões políticos, como ser a favor ou não de um impeachment.

Consultores ouvidor por EXAME.com concordam que tomar partido é sempre uma escolha, e não dever, de uma empresa. Portanto, deve ser algo que realmente faça sentido para o negócio. Mas, em geral, alertam, o risco não compensa.

Alexandra Moraes, especialista em marketing digital, aponta que se posicionar pode ser uma estratégia de diferenciação em um ambiente no qual existem ofertas simultâneas de produtos praticamente idênticos a todo momento. “Dessa forma, é possível criar com o cliente ou potencial cliente uma identificação e reconhecimento dos valores que a marca carrega e engajá-los”. Mas, para ela, a grande questão a ser observada é quando fazer isso.

Isso porque a opinião vai, certamente, gerar críticas. “Ao contrário de grandes empresas, um pequeno negócio não tem estrutura para gerenciar uma crise de imagem. Os clientes podem promover um boicote e fazer o faturamento cair. Qual empreendedor quer mais um problema para resolver?”, diz a coach de imagem e reputação Nathana Lacerda.

Nathana também cita o fato de que muitos negócios pequenos talvez ainda não tenham definido seus valores. “Se posicionar já é arriscado, mas o risco é ainda maior se a empresa dá uma opinião sem entender se isso faz parte da cultura do negócio”.

Tomar partido apenas como uma estratégia de marketing, para chamar atenção, também não é recomendável se não for coerente com a cultura do negócio. “Um pequeno negócio é uma empresa em constante mutação. Não pode se pronunciar sobre algo agora e se arrepender lá na frente”, diz Nathana. Para Alexandra, a estratégia pode ter efeito contrário. “Uma ação que foi feita para atrair mais clientes pode espantá-los ou até mesmo atrair haters”.

Manifestações políticas são ainda mais delicadas do que opiniões a favor da pluralidade, diz Nathana. “Além de não ter necessidade alguma de aliar essa posição ao negócio, a política é volúvel. Você não sabe o que vai acontecer amanhã com quem você apoiou. Pode prejudicar muito a imagem do negócio”.

Como forma de evitar prejuízos, a empresa deve buscar se posicionar da forma mais neutra possível, respeitando os diversos perfis de clientes. “Os clientes conservadores também precisam ser respeitados, desde que não cometam um crime de preconceito. A empresa não pode diferenciar pessoas, para o bem do negócio”.

Para Alexandra, ter um bom posicionamento de marca ou um diferencial competitivo que torne a empresa diferente de milhares de outras que oferecem produtos e serviços semelhantes independe de posicionamentos.

Situações podem exigir uma posição

Um pequeno empresário pode até concordar que o silêncio sobre temas polêmicos é precioso para o negócio. Mas ninguém está imune de viver uma situação em que poderá ser pressionado a se posicionar.

Foi o caso da construtora e imobiliária Cantareira, que teve de tomar partido quando um post com viés machista de um dos seus funcionários viralizou na rede. A empresa optou por postar em sua página no Facebook uma explicação de que não endossava a atitude, que considerou sexista, e demitiu o funcionário, além de enaltecer a luta feminista.

Nesse momento, diz Nathana, a empresa tem de refletir sobre qual é o seu mercado de atuação e quais são os seus clientes. “A empresa mostrou que a causa é importante para ela, seja porque tem um grupo de mulheres como funcionárias e clientes ou apenas porque apoiar a causa faz parte de seus valores”. Neste caso, diz a coach, se a empresa não se posicionasse também estaria dando uma opinião. “O negócio poderia ser visto como machista”.

A reação não demorou muito para acontecer: clientes que não concordaram com o posicionamento da construtora organizaram um boicote à página da empresa no Facebook. “Se posicionar neste caso não deixou de ser um risco. Mas a questão é que você pode até perder alguns clientes, mas o importante é ter simpatia de uma grande parte da clientela”.

Nesse caso, Alexandra aconselha a empresa a responder a clientes que sejam contra um posicionamento sempre de maneira educada, gentil e respeitosa.

O posicionamento da empresa gerou um outro posicionamento: o estagiário demitido pela Cantareira foi contratado temporariamente pela empresa de móveis Alezzia, que viu no conflito uma oportunidade de reafirmar seus valores, que, nas palavras da própria empresa em sua rede social, é ser "contra o politicamente correto" e "a favor da liberdade de expressão". Muitos usuários criticaram a decisão da empresa, a condenando por apoiar o preconceito contra mulheres.

Carlos Frederico Lucio, antropólogo e coordenador da ESPM Social, ressalta que cada vez mais pessoas questionam posturas machistas, racistas, homofóbicas e qualquer tipo de discriminação. “Ir contra esse movimento vai, no mínimo, desgastar a imagem de uma empresa. Além disso, onde o risco de se sair melhor é maior: adotar uma postura que reitera o preconceito ou ser contra isso?”.

A postura agressiva da Alezzia levou a empresa a ter mais de 140 mil curtidas no Facebook, um número alto para um pequeno negócio. Mas, segundo Lucio, o número é mais uma prova do caráter machista da sociedade. “A empresa pode até se ancorar nessas curtidas, mas não pode esquecer de que uma parte relevante da população é contrária a esse posicionamento e vai fazer um barulho. Quem opta por esse caminho perde clientes”.

Prevenir deslizes é essencial

Como forma de não dar espaço para situações nas quais a empresa seja obrigada a se posicionar, especialistas recomendam que o empreendedor crie um manual de cultura da empresa, que inclua valores básicos defendidos pela empresa e também manifestações que não são toleradas no ambiente de trabalho.

Neste documento é recomendável deixar claro que nenhum funcionário está autorizado a usar páginas da marca para dar opiniões próprias ou se posicionar sobre um assunto com o uniforme da empresa. Essas normas e valores devem ser compartilhados com cada funcionário logo na admissão.

Dessa forma é possível prevenir situações como a que aconteceu na construtora Cantareira e também com um dos sócios da Blend Burger Bar, em Santos, litoral de São Paulo. Após um comentário homofóbico de um de seus sócios ao responder uma crítica na página da empresa na rede social, o estabelecimento pediu desculpas aos clientes.

Acompanhe tudo sobre:estrategias-de-marketinggestao-de-negociosPequenas empresasRedes sociais

Mais de PME

ROI: o que é o indicador que mede o retorno sobre investimento nas empresas?

Qual é o significado de preço e como adicionar valor em cima de um produto?

O que é CNAE e como identificar o mais adequado para a sua empresa?

Design thinking: o que é a metodologia que coloca o usuário em primeiro lugar