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A ciência do valuation: como o WeWork pode valer mais que o Paraguai?

Avaliações bilionárias de empresas são cada vez mais comuns. Para alguns, representam o caminho natural das startups. Para outros, uma bolha se forma

WeWork: empresa deve abrir capital na bolsa em setembro (Germano Lüders/Exame)

WeWork: empresa deve abrir capital na bolsa em setembro (Germano Lüders/Exame)

Mariana Fonseca

Mariana Fonseca

Publicado em 28 de março de 2019 às 06h00.

Última atualização em 28 de março de 2019 às 16h12.

Quatro centenas de prédios espalhados pelo mundo podem valer mais que a arrecadação de um país? Para investidores que apostam suas fichas na WeWork, sim. A imobiliária de coworkings descolados e tecnológicos está avaliada em 47 bilhões de dólares, avaliação de mercado que supera o Produto Interno Bruto de países como o Paraguai (41,8 bilhões de dólares).

O otimismo pode assustar quem costuma olhar para empresas apenas pelas linhas finais de um balanço empresarial. Mas a ciência do valuation que transforma startups em gigantes está cada vez mais comum -- ainda que a atitude seja questionada.

A imobiliária com cara de startup é um dos maiores exemplos das avaliações financeiras astronômicas a que chegaram alguns negócios que, na linha dos lucros, podem decepcionar. Em 2018, a WeWork dobrou suas receitas em relação ao ano anterior, chegando a 1,8 bilhão de dólares. Mas, no mesmo período, registrou perdas de 1,9 bilhão de dólares.

O fundador do negócio, Adam Neumann, diz que usar “métricas convencionais” com a WeWork é “perder o ponto” do negócio. Muitos concordam: a promessa de revolucionar espaços de trabalho, casas, escolas, academias e o que mais aparecer nos planos da WeWork já lhe rendeu 12,8 bilhões de dólares em investimentos. Sua taxa de ocupação está em 90% e o número de membros cresceu 116% em 2018, na comparação anual.

Algo similar ocorre com o aplicativo de mobilidade urbana Uber. Considerado um negócio de 72 bilhões de dólares e que pode chegar a 120 bilhões de dólares se concretizar sua oferta inicial pública de ações, ou IPO, o negócio segue dando prejuízo. Em 2018, as perdas foram de 1,8 bilhão de dólares. A Uber já captou 24,2 bilhões de dólares com investidores. Situação similar ocorre na Lyft, que atrai interesse crescente de investidores para seu IPO mesmo reportando prejuízo de 1 bilhão de dólares em 2018.

Uber e WeWork são, hoje, as duas empresas inovadoras mais bem avaliadas dos Estados Unidos, de acordo com a empresa de análise CB Insights. Elas são os maiores exemplos da tendência de fundos de capital de risco emprestarem cada vez mais dinheiro a negócios voláteis, esperando um retorno ainda maior em longo prazo. As startups levantaram 207 bilhões de dólares em investimentos em 2018, alta de 21% sobre o ano anterior e o maior valor desde 2000. Enquanto isso, o número de transações subiu menos, 10%, para 14.247 acordos de aporte. O último ano bateu o recorde de mega deals, rodadas de 100 milhões de dólares ou mais, com 382 acordos do tipo. Em 2013, eram apenas 49.

Pensando como um capitalista de risco

Para os fundos especializados em capital de risco, financiar um negócio em troca de participação é o caminho normal para empreendimentos inovadores de crescimento escalável.

A empresa mais conhecida por adotar essa política de “queima de dinheiro eterna” é a gigante Amazon, que demorou anos para dar lucro. Hoje, vive se aproximando e se afastando do valor de mercado de um trilhão de dólares.

“Em uma startup, coletar fundos é um padrão. Se ela não se preocupa em expandir sua avaliação, torna-se uma empresa comum, que paga dividendos aos investidores”, defende João Kepler, investidor-anjo e diretor do Bossa Nova. O micro venture capital, focado em negócios de estágio pré-semente, já realizou 354 aportes em startups, 130 deles no exterior.

Os sucessos desses fundos precisam ser grandes para sustentar esperados fracassos. Rodrigo Baer é sócio do Redpoint eventures, fundo focado em investimentos de série A que já investiu em 61 startups, como Creditas e Rappi, liderando nove rodadas. Instituições de aportes em startups de estágio inicial, diz Baer, trabalham com um terço do seu portfólio quebrando, um terço andando de lado e um terço sendo bem-sucedido, com crescimento de dez vezes do investimento à saída, momento que o fundo vende sua participação na empresa. No mercado americano, 67% das startups ou morrem ou deixam de captar novas rodadas de aportes, contentando-se com uma expansão menor do que as que continuam na corrida por fundos.

Bolha dos bilionários?

Quanto dinheiro é dinheiro demais? Para decidir, financiadores comuns olhariam para a capacidade de uma empresa honrar suas dívidas, por meio de métricas como a TIE (Times Interest Earned, ou tempos de juros ganhos). Já os fundos de venture capital estão mais preocupados com o múltiplo de capital investido -- a avaliação de mercado dividida pela receita de uma empresa. Quanto maior o valuation, mais frutos serão colhidos.

No começo de um negócio inovador e escalável, o investimento é calculado pensando na necessidade de caixa da empresa para os próximos 18 a 24 meses. Quando a startup comprova que sua ideia de negócio é válida e expande sua solução, porém, a conta já não é tão simples. A Uber pretende ser avaliada em 120 bilhões de dólares em seu IPO, por exemplo, não apenas com base em suas despesas atuais com motoristas, com melhoras no aplicativo e com novos modais de transporte, mas em quanto do globo pode dominar.

“A Uber quer ser a maior plataforma de mobilidade urbana do mundo e se avalia em 120 bilhões de dólares. O WeWork tem um raciocínio similar, alegando ser a solução mundial para imóveis a uma avaliação de 47 bilhões de dólares. Se tais promessas se concretizarem, certamente valeriam mais do que isso”, afirma Baer.

Para os críticos, porém, toda espera possui limites. Em 2018, companhias esperaram chegar a 10,9 anos de existência para abrir capital na bolsa, segundo a base de dados Pitchbook. “Levará anos para o WeWork chegar a algo parecido com lucratividade. Nenhum bull market [expectativa de que a empresa irá valorizar] dura para sempre”, analisa a CB Insights.

Para especialistas ouvidos pelo britânico Financial Times, a WeWork valeria no máximo 3 bilhões de dólares. Dois grandes aportadores do fundo de investimento mais poderoso do mundo, o Vision Fund, alegam valuations superestimados dentro do fundo. Criado pelo conglomerado japonês de telecomunicações SoftBank, 70 dos 100 bilhões de dólares do Vision Fund já foram gastos em diversos negócios, incluindo Uber e WeWork.

Para Masayoshi Son, seu criador, não existe “capital demais” para uma startup. Quanto mais dinheiro, mais dominação. Para outros, a situação é similar ao cenário pré-bolha da internet, na virada do milênio. “Enquanto o SoftBank existir, haverá uma bolha no setor de tecnologia”, afirmou um capitalista de risco chinês ao Financial Times.

Algumas startups do país já estão sofrendo com avaliações de mercado superestimadas. A Bytedance, startup mais valiosa do mundo e responsável por aplicativos como a rede social TikTok, foi avaliada em 75 bilhões de dólares após investimentos que incluíram o Vision Fund. Em sua oferta pública inicial de ações, porém, investidores projetaram ao Financial Times que o negócio chinês seja avaliado na casa dos 60 bilhões de dólares.

Ao mesmo tempo, o SoftBank coleta vitórias: o marketplace indiano Flipkart foi vendido para a varejista Walmart e rendeu um retorno de 60% ao fundo, que liderou rodadas que acumularam 2,5 bilhões de dólares.

A ciência do valuation é um jogo que se torna cada vez mais complexo com o crescimento das ambições de startups que ainda não apresentam lucros condizentes. Baseados em um passado promissor, mas distante das promessas para os próximos anos, capitalistas decidem ou não comprar ideias e estratégias de execução de empreendedores. Para os consumidores, essa decisão pode mudar suas vidas -- ou pode se tornar mais uma novidade superestimada, esperando a caída no esquecimento. O Paraguai não pode se dar esse luxo.

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