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5 negócios lucrativos de impacto social positivo

Nos próximos dez anos, 500 bilhões de dólares serão aportados em empresas de impacto social — e os empreendedores brasileiros estão na lista dos investidores

Daniel Contrucci em Santa Marta, no Rio de Janeiro, um dos roteiros da Aoka : "Nossos guias são pessoas que moram nas comunidades" (Fabiano Accorsi)

Daniel Contrucci em Santa Marta, no Rio de Janeiro, um dos roteiros da Aoka : "Nossos guias são pessoas que moram nas comunidades" (Fabiano Accorsi)

DR

Da Redação

Publicado em 25 de dezembro de 2012 às 05h00.

São Paulo - Acesso a saúde, moradia, renda... Se  listarmos aqui todos os grandes problemas que afligem a humanidade, não vai sobrar espaço para escrever muita coisa. Os empreendedores que aparecem nesta reportagem se propõem a enfrentar alguns desses dramas.

Não se trata de filantropia. Eles criaram negócios de impacto social positivo — como são chamadas as empresas que ganham dinheiro e fazem o bem ao mesmo tempo. "Onde há necessidades, há também um mercado", diz Álvaro Arregui, gestor do fundo mexicano Ignia, que só investe em pequenas e médias empresas que ajudam a diminuir os problemas do planeta. 

Os negócios de impacto estão numa nova fronteira do empreendedorismo. Segundo a consultoria Monitor Institute, nos próximos dez anos serão investidos 500 bilhões de dólares em empresas sociais do mundo todo. Muitas vezes, os aportes chegam quando elas ainda são jovens. É o caso das cinco empresas desta reportagem. Conheça suas histórias.

1 Pedaço de chão

Terra Nova — Curitiba, PR 

O que faz: Promove acordos para solucionar conflitos fundiários entre proprietários de terra e famílias assentadas

Impacto: A empresa já regularizou endereços de mais de 22.000 pessoas em três estados brasileiros

O mecânico aposentado Antonio Florencio Brandão, de 47 anos, tem peregrinado ultimamente pelo comércio de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Ele está divulgando a Festa da Costela no Fogo de Chão, marcada para acontecer no dia 16 de dezembro na Vila do Governador — bairro do qual Brandão é presidente da associação de moradores.


"Vai ter churrasco do bom, distribuição de prêmios e show de viola", afirma ele em suas visitas. 

Até poucos anos atrás, seria muito difícil organizar um evento assim na Vila do Governador. Por lá não passava ônibus e o sanea­mento e a luz elétrica eram precários. Na verdade, o bairro nem existia oficialmente. O processo de legalização terminou recentemente, quando cerca de 130 famílias instaladas irregularmente no local acabaram de pagar pelos terrenos onde moravam há mais de duas décadas.

"Finalmente essas pessoas passaram a ter seu pedaço de chão", diz o advogado André Albuquerque, de 46 anos, sócio da Terra Nova — empresa paranaense que organizou as negociações entre os moradores e os antigos proprietários. 

As negociações feitas com o apoio da Terra Nova obedecem a algumas regras. "Levamos em conta o tamanho do terreno, o tempo em que permaneceu ocupado e a renda de cada família", diz Albuquerque. "As duas partes fixam uma indenização que deve ser paga aos proprietários, e levamos o acordo para ser aprovado na Justiça."

As prestações são cobradas pela Terra Nova, que repassa o dinheiro aos vendedores. A empresa recebe cerca de 30% por esse trabalho. "É um bom negócio para todos", diz Albuquerque. "O bairro passa a receber investimentos em infraestrutura, e os ex-donos recebem por um terreno praticamente perdido, pois seria muito improvável que a Justiça simplesmente mandasse expulsar tanta gente." Em vários casos, a Terra Nova também ajuda as famílias a pleitear melhorias nos órgãos públicos. 

Desde sua fundação, em 2001, mais de 20 territórios foram regularizados no Paraná, em Rondônia e em São Paulo com a ajuda da Terra Nova, o que beneficiou algo em torno de 22 000 pessoas. Neste ano, a empresa deve faturar 1,5 milhão de reais. Em 2005, a Terra Nova recebeu um aporte que deve ajudá-la a crescer mais rapidamente.

O investimento partiu do arquiteto paranaense Osvaldo Hoffman, que se interessou pelo negócio depois de ter as próprias terras regularizadas com a ajuda de Albuquerque. "Achei a ideia tão promissora que coloquei o dinheiro das indenizações na empresa", diz Hoffman. Os dois sócios acreditam que haja muitas oportunidades para a Terra Nova — só no Paraná, estima-se que existam quase 95.000 lotes em situação semelhante, de acordo com a Companhia de Habitação do Paraná. 

2 Lugar no mercado

Solidarium — Curitiba, PR 

O que faz: Vende produtos feitos a mão para grandes redes varejistas. Tem um site para venda direta ao consumidor 

Impacto: Gera renda para cerca de 1.450 cooperativas, que empregam mais de 6 500 artesãos em todo o Brasil


O administrador paranaense Tiago Dalvi, de 26 anos, trabalha para alcançar um objetivo difícil — dar escala a um tipo de negócio que, por natureza, não tem escala nenhuma. Ele é o fundador da Solidarium, empresa que faz intermediação do comércio de produtos feitos a mão por artesãos de todo o Brasil com outras empresas.

Parte do trabalho de Dalvi é prepará-los para produzir a quantidade encomendada por grandes companhias, como Natura, Walmart, Tok&Stok e Renner. "Se for necessário, até emprestamos dinheiro para bancar uma parte dos custos", diz Dalvi. "Para esses artesãos, a Solidarium é uma porta de acesso ao mercado."

Com frequência, Dalvi leva produtos para exposições fora do Brasil. A catarinense Ana Gern, de 42 anos, entrou para o grupo de artesãos ligados à Solidarium há apenas cinco meses. As almofadas bordadas, os porta-recados e os vasos feitos por ela foram escolhidos para ser expostos no Maison&Objet, uma feira de decoração de Paris.

"Depois da feira, consegui encomendas de lojas da Itália, da Bélgica e da França", diz Ana. "Graças à Solidarium minhas vendas têm crescido 5% ao mês."

Em junho, Dalvi deu um passo importante — lançou um site para vender diretamente ao consumidor final produtos de cooperativas de artesãos. "Começamos com 45 cooperativas", diz. "Agora são 1.450, que vendem cerca de 12.000 produtos" Entre elas estão as 103 associadas à Cooperafis, que agrupa donas de casa e agricultoras de Valente, no sertão da Bahia.

A presidente da Cooperafis, Elione Alves de Souza, de 32 anos, foi uma das primeiras a ter uma página com porta-copos, jogos americanos e outros artigos para cozinha feitos de sisal, uma planta típica do sertão baiano. "Em apenas quatro meses, as vendas corresponderam a mais da metade das do ano passado inteiro", diz Elione. Depois do site, as receitas da Solidarium têm aumentado, em média, 15% por semana — até dezembro, devem chegar a 500.000 reais.


A Solidarium já é conhecida entre os investidores brasileiros. Em 2009, a empresa recebeu um aporte do fundo de impacto GDI. No mesmo ano, Dalvi obteve um empréstimo da Sitawi, entidade de financiamento e de aportes que tem 7 milhões de reais para investir em negócios sociais ao longo de 2013. "Estamos prestes a fechar um investimento na Solidarium", diz Leonardo Letelier, um ex-consultor da McKinsey que criou a Sitawi.  

3 Sob a luz do sol

EBES — São Paulo, SP 

O que faz: Importa placas fotovoltaicas e outros componentes para projetos de geração de energia solar

Impacto: Dependendo do projeto, a energia solar pode substituir de 20% a 40% do total consumido

Ao lado da subestação Tanquinho, da distribuidora de energia CPFL, na cidade paulista de Campinas, há uma área equivalente a quase dois Maracanãs que está passando por uma transformação. Foram colocados lá 5 600 painéis para captação de luz solar como os da foto ao lado.

Nos próximos meses, quando tudo estiver conectado, esse sistema produzirá energia equivalente ao consumo de 600 famílias de classe média — sem que para isso tenha sido preciso desapropriar casas, derrubar árvores ou inundar algo. "Além disso, sol é de graça e não polui", diz o engenheiro Guilherme Araujo, de 42 anos, fundador da Ebes, que faz projetos de produção de energia solar. 

Além da CPFL, Araujo atende ao setor agrícola e ao de construção. "As empresas ainda são nossos principais clientes, mas em breve a energia solar deve se popularizar", diz ele. Sua convicção vem da estimativa de que, nos próximos sete anos, deve aumentar de 10% para 16% a participação das energias renováveis no total produzido no Brasil.


A natureza ajuda — o nível de insolação médio do país (a quantidade de incidência solar por metro quadrado) é o dobro do da Alemanha, país onde em certas épocas do ano o sol é responsável por metade da energia consumida. Os custos dos equipamentos para produzir energia solar também estão caindo ano a ano.

Esse cenário tem atraído recursos para a Ebes. Um aporte recente da gestora de recursos Pragma deve ajudar a empresa a faturar 4 milhões de reais em 2012 — dez vezes mais que neste ano. "A produção de energias renováveis é um dos grandes negócios do futuro", diz Paulo Bellotti, da Pragma. "O mundo não pode continuar dependendo dos combustíveis fósseis."

4 Passeio engajado

Aoka — São Paulo, SP 

O que faz: Leva turistas para comunidades carentes, como Mamirauá, no Amazonas, e Santa Marta, no Rio de Janeiro

Impacto: Gera renda para mais de 100 pequenos negócios, como pousadas e restaurantes desses locais

A Pousada Caiçarinha, em Cananeia, no litoral sul de São Paulo, tem apenas quatro quartos, todos coletivos. A praia do Marujá, onde está localizada, é muito bonita e praticamente intocada — ali não chega nem luz elétrica. Tudo fica sob o controle da dona, Eliane de Oliveira, de 40 anos, que mora na pousada mesmo.

Num feriado recente, a casa foi ocupada por 15 turistas — um movimento enorme, comparado ao usual. "Costumamos receber no máximo cinco pessoas", diz Eliane. "Dessa vez, mandei gente para a pousada do meu pai, aqui perto." O grupo tinha sido levado pela Aoka, agência paulistana que organiza pacotes turísticos para visitar comunidades carentes.

Passeios a praias isoladas por ali são encontrados em outras agências. Elas costumam hospedar os turistas em hotéis e pousadas da região central de Cananeia. A Aoka leva os turistas para dormir nas casas e comer peixes apanhados por pescadores das vilas. "Nós só contratamos serviços dos caiçaras, e os guias que acompanham os turistas nas trilhas também são moradores das praias", diz o administrador Daniel Contrucci, de 33 anos.

"Nossa proposta é aproximar os turistas dos habitantes e também gerar renda nessas comunidades carentes." A Aoka trabalha com roteiros em 21 comunidades de baixa renda — entre elas Mamirauá, no Amazonas, e Santa Marta, no Rio de Janeiro — que envolvem mais de 100 pequenos restaurantes, lojinhas e pousadas. 


A Aoka também leva seus clientes para conviver com comunidades típicas de outros países. No fim do ano passado, a paulista Carolina Romano, de 30 anos, partiu numa expedição de dez dias pelo Nepal. Ao pé da cordilheira do Himalaia, Carolina enfrentou o frio e participou de rituais dos xamãs locais. Como acaba acontecendo com alguns turistas que contratam a Aoka, Carolina criou vínculos com os lugares que visitou.

Nos arredores de Katmandu, a capital do Nepal, ela conheceu três escolas mantidas pelos xamãs para alfabetizar crianças pobres. Depois da viagem, ela e seu marido assumiram os custos dos estudos primários de dois alunos. "Recebemos e-mails periódicos sobre o desempenho deles", diz Carolina. 

Com 850.000 reais em receitas previstas até o fim de 2012, a Aoka tem apenas três anos de vida. Na época da fundação, a agência recebeu uma doação de 20.000 dólares da Artemísia, uma aceleradora de empresas sociais. Mais recentemente, venceu um edital para receber dinheiro da Finep, órgão de fomento de negócios inovadores ligados ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

"Um fundo americano está muito interessado em nossa forma de trabalhar com o turismo", diz Contrucci. "Estamos em conversas avançadas para fechar o valor do aporte no ano que vem."

5 Mapa da saúde

Saútil — São Paulo, SP 

O que faz: Site de busca com dados sobre remédios e tratamentos gratuitos em todas as cidades do país

Impacto: Desde que foi lançado, no início de 2011, o site já recebeu, em média, 140.000 visitas por mês

O médico Fernando Fernandes, de 42 anos, e o desenhista industrial Edgard Morato, de 38, levaram dois anos catalogando informações dos postos de saúde dos mais de 5.500 municípios brasileiros. Foram milhares de e-mails e cartas enviados às secretarias municipais e estaduais de Saúde para saber que tipos de remédio, tratamento e cirurgia são oferecidos de graça.

Assim surgiu a Saútil, empresa que administra um site de busca que reúne informações do sistema público de saúde do país. "Esses dados não estavam agrupados em lugar nenhum", diz Fernandes. 

No ar há quase dois anos, o portal Saútil já foi visitado por mais de 3 milhões de pessoas. Uma delas é a secretária Cintia Dias, de 42 anos, de Belo Horizonte. Todos os meses, ela compra dois tipos de colírio e um lubrificante para o tratamento de glaucoma de seu pai, de 73 anos.


Há pouco mais de dois meses, numa pesquisa na internet, Cintia encontrou um link para o Saútil. "Descobri que um dos colírios era dado de graça num posto de saúde da cidade", diz Cintia. Além disso, por intermédio do Saútil, Cintia soube que outras marcas eram mais baratas do que as que ela estava acostumada a comprar. "Consegui uma economia de 40% na conta da farmácia", diz Cintia. 

A Saútil vem chamando a atenção de empresas que têm de se comunicar com quem consome produtos para a saúde. Recentemente, a multinacional francesa Air Liquide, que vende oxigênio para hospitais e pessoas com doenças respiratórias, passou a anunciar no site.

"Nossa marca precisa ser mais conhecida pelo consumidor final", diz Alexandre Bassaneze, diretor da Air Liquide no Brasil. Os anúncios devem ajudar a Saútil a chegar a um faturamento de 3,5 milhões de reais em 2013. No ano passado, o Vox Capital, um fundo de investimento em negócios sociais, fez um aporte na empresa. "A Saútil pode crescer muito no Brasil", diz Erik Cavalcante, sócio do Vox Capital.

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