Marcelo Reichert, CEO da FCC: “A gente está na vida de todo mundo, mas ninguém conhece a FCC" (Maicon Hinrichsen/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 21 de novembro de 2024 às 15h24.
Última atualização em 21 de novembro de 2024 às 16h33.
Seja na borracha de vedação de uma porta de carro, na argamassa que acelera a construção de uma obra, ou na borrachinha que dá firmeza ao cabo de sua escova de dente, é provável que você tenha usado um produto feito com materiais da FCC. Isso porque todos eles têm em comum a tecnologia dessa empresa de Campo Bom, cidade no interior do Rio Grande do Sul a 56 quilômetros de Porto Alegre, que deve faturar 690 milhões de reais em 2024.
A FCC é uma empresa de ciência dos materiais. Na prática, ela desenvolve polímeros (uma espécie de borracha), adesivos e compostos químicos para múltiplos setores, como automotivo, calçadista, construção civil e bens de consumo. Em outras palavras, ela é responsável por criar materiais que outras empresas transformam em produtos do dia a dia.
“A gente está na vida de todo mundo, mas ninguém conhece a FCC", diz o CEO da companhia, Marcelo Reichert. "Nosso trabalho é criar os materiais que os clientes transformam em produtos”.
A FCC aparece agora porque atravessa um momento de expansão e transformação.
Com investimentos de 100 milhões de reais previstos no próximo ano, a empresa busca consolidar sua posição em mercados globais e diversificar seu portfólio com tecnologias inovadoras. Inovação, aliás, está no cerne dessa companhia. "Temos mais de 50 anos, e não fazemos mais nada do que fazíamos em nossa fundação", diz Reichert. "Estamos nos reiventando sempre".
A FCC nasceu em 1969, quando o Brasil vivia o auge das exportações de calçados. Fundada por Valentino Reichert, a empresa começou fabricando componentes para sapatos, como palmilhas, solas e capas de salto. Inclusive, a sigla FCC significa, até hoje, Fornecedora de Componentes para Calçados.
“Meu pai viu que havia uma demanda crescente por materiais de alta qualidade para calçados voltados à exportação", diz Marcelo Reichert. "Foi ali que tudo começou”.
Nos anos 1980, a FCC iniciou seu processo de transformação, deixando de ser apenas uma fornecedora para o setor calçadista. O passo decisivo foi entrar no mercado químico, com adesivos e polímeros que poderiam ser aplicados em outros produtos.
“Os mesmos materiais que serviam para o calçado poderiam ir para outras indústrias", diz. "Foi assim que entramos no mercado automotivo, na construção civil e em bens de consumo”.
Hoje, a FCC não fabrica nenhum dos itens que produzia no início de sua história. A empresa passou a focar no desenvolvimento de novos materiais, com propriedades específicas para resolver problemas industriais.
“Nós nos tornamos uma empresa de ciência dos materiais. Hoje, nosso portfólio inclui produtos que nunca existiram antes e que foram criados dentro da FCC", diz. "Essa inovação constante é o que nos manteve competitivos por mais de cinco décadas”.
A governança também evoluiu. A FCC é comandada por Reichert, mas conta com um conselho de administração independente. “Apesar de sermos uma empresa familiar e de capital fechado, temos uma governança robusta", diz. "Nosso conselho é formado majoritariamente por membros independentes, o que nos permite tomar decisões mais estratégicas e menos emocionais”.
Atualmente, a FCC tem dois principais produtos: polímeros e adesivos.
weEsses materiais são usados por fabricantes de calçados, automóveis, utensílios domésticos, eletrodomésticos, equipamentos médicos e até ferramentas industriais.
“Se você pegou uma escova de dente hoje, aquela borrachinha macia do cabo foi feita com um material da FCC”, diz Reichert. “Nos carros, nossos produtos aparecem na vedação de portas, em botões do painel e até no pedal do freio.”
O setor de construção civil também é um mercado em crescimento para a empresa. A FCC desenvolveu uma linha de argamassas poliméricas que aceleram o assentamento de blocos em obras, reduzindo o tempo de construção em até três vezes.
Outro exemplo é o uso de polímeros em projetos de infraestrutura, como o estacionamento do aeroporto de Salvador, que utiliza um revestimento resistente e impermeável.
“Esse material é tão robusto que também é usado para revestir escudos da polícia e até coletes à prova de balas”, afirma Reichert.
Com uma estrutura que inclui uma matriz em Campo Bom, uma fábrica na Bahia e um escritório comercial em São Paulo, a FCC exporta para mais de 20 países. As vendas internacionais representam 15% do faturamento e estão crescendo, especialmente na África e na América Latina.
2024 foi um ano desafiador para a FCC, principalmente devido às enchentes no Rio Grande do Sul. A fábrica da empresa, localizada em Campo Bom, ficou intacta, mas o mesmo não aconteceu com a casa de muitos funcionários.
“Nossa região foi completamente submersa", diz. "Muitos funcionários perderam tudo. Por isso, decidimos repor absolutamente tudo o que eles perderam — móveis, eletrodomésticos, roupas. Não queríamos que ninguém passasse por isso sozinho”, afirma Reichert.
Além disso, a empresa enfrentou problemas logísticos e de demanda.
“Muitos de nossos clientes foram afetados diretamente pelas enchentes ou pela interrupção na cadeia de suprimentos”, afirma o CEO.
Ainda assim, a FCC conseguiu crescer 10% em produção. Reichert atribui esse desempenho à resiliência do time. “Fizemos um grande esforço coletivo. Criamos grupos de voluntários que ajudaram na limpeza das casas atingidas e conseguimos manter a motivação alta, mesmo diante das adversidades.”
Para o futuro, a FCC aposta em duas tecnologias inovadoras: o TPV e o ETPU. O primeiro é um material leve e reciclável que substitui borrachas tradicionais na indústria automotiva, melhorando a eficiência de carros e reduzindo o impacto ambiental.
“Essa tecnologia nos permite reutilizar materiais ao fim de sua vida útil. É um passo importante para a sustentabilidade na indústria automotiva”, afirma Reichert.
Já o ETPU é um polímero expandido voltado para calçados esportivos e tênis de alta performance. “Esse produto oferece um conforto e uma durabilidade que ainda não existem no mercado brasileiro”, diz o executivo.
Além disso, a FCC planeja continuar diversificando seu portfólio. “Nós não podemos nos acomodar. O mercado está mudando rápido, e nosso papel é estar à frente dessas mudanças, criando soluções que ainda não existem”, conclui Reichert.
Com a meta de alcançar 1 bilhão de reais em faturamento até 2027, a FCC mira um futuro em que seus materiais estarão ainda mais presentes no dia a dia das pessoas — mesmo que elas continuem sem perceber.