Vale (Washington Alves/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de junho de 2019 às 10h28.
Última atualização em 23 de junho de 2019 às 10h29.
Rio - O desenvolvimento de uma tecnologia que beneficie o minério de ferro em larga escala sem o uso de água ainda está longe de chegar ao mercado. Testes neste sentido já começaram a ser feitos pela Vale, mas ainda vai demorar de cinco a dez anos para serem colocados em prática.
Até lá, a indústria da mineração vai recorrer a soluções paliativas, como o processo de empilhamento a seco e a contínua desativação de barragens a montante, hoje o processo mais barato de produção.
O setor tem um desafio ainda maior no Brasil, além da tecnologia. As mineradoras precisam recuperar a confiança na atividade, após as tragédias de Mariana e Brumadinho, separadas pelo curto espaço de três anos e dois meses e com um total de 289 mortos.
A Vale, que está no olho do furacão por conta dessas duas tragédias, tem investido em uma planta piloto para testar esta tecnologia. A mineradora trabalha no desenvolvimento, em escala industrial, de uma técnica de concentração que não utiliza água na produção de pelotas. O projeto piloto usa base patenteada pela New Steel, empresa que a Vale comprou, em janeiro, por US$ 500 milhões, para ter acesso à tecnologia.
"Esse é o futuro, não tem dúvida", afirmou o diretor financeiro da Vale, Luciano Siani ao jornal O Estado de S. Paulo e ao Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado. Mas o executivo procura ser realista: em Minas Gerais será muito difícil abrir mão de barragens para extrair minério. E, para a população, barragem virou sinônimo de tragédia e apreensão.
Há mais de quatro meses, os habitantes de Barão de Cocais passam os dias como se estivessem convivendo com uma bomba-relógio, com o talude da mina de Congo Soco deslizando lentamente e ameaçando de rompimento a barragem Sul Superior. "Não sabemos ainda se com o empilhamento a seco e a concentração a seco teremos condições de eliminar totalmente as barragens. Provavelmente, não", reconhece Siani.
Como todos os outros executivos do setor, ele faz questão de frisar que a prioridade, no momento, é reconquistar a confiança da população, com uma atuação segura do setor.
"Ninguém pode ser contra a diversificação industrial, mas a mineração está no DNA de Minas Gerais e é muito importante para o desenvolvimento do País", diz Wilson Brumer, que há dois meses assumiu a presidência do Conselho do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Ele comenta que, depois da sequência de desastres, chegaram a circular rumores de que a Vale poderia concentrar suas atividades em Carajás, no Pará. Por determinação do Ministério Público, a empresa suspendeu uma produção de cerca de 90 milhões de toneladas em Minas Gerais.
"Transferir atividades seria um erro de estratégia. Quanto mais rápido a Vale puder produzir, melhor será para Minas", diz Brumer, que já presidiu a siderúrgica Usiminas e a própria Vale.
Ele reconhece, contudo, que é necessário um intenso trabalho de resgate de confiança e da reputação junto à população e aos investidores. "Será uma construção degrau por degrau. Não é do dia para a noite e não será um processo fácil", afirmou.
Siani descarta a possibilidade de a Vale fazer transferência de toda sua produção para o Pará. "O parque industrial instalado em Minas Gerais e no Espírito Santo gera produto de altíssima qualidade, com grande demanda no mundo", afirmou o executivo, ressaltando que foram investidos bilhões na construção desse parque ao longo dos anos.
As empresas de mineração terão de investir enorme volume de dinheiro para provar que podem manter suas atividades com segurança.
Além da Vale, a Samarco, empresa que tem a mineradora brasileira como sócia junto com a australiana BHP, está com as operações paralisadas em Minas desde janeiro de 2015, quando a barragem de Fundão rompeu. O incidente soterrou a cidade de Bento Rodrigues, despejou toneladas de rejeitos por quilômetros, invadindo o Espírito Santo e chegando ao mar, numa dos maiores desastres ambientais da história, com um saldo de 19 mortos.
No ano passado, a empresa chegou a anunciar que iria retomar suas atividades ainda em 2019. Agora, pretende retomar as operações no segundo semestre de 2020, informou a companhia ao jornal O Estado de S. Paulo e ao Broadcast.
A empresa pretende usar também uma nova tecnologia, com empilhamento a seco dos rejeitos, mas se recusou a informar quanto essa mudança irá representar em aumento de custos.
"Reconhecemos que a mineração precisa evoluir. É preciso fazer diferente e é o que a Samarco está propondo. A Samarco retornará sem barragem, teremos um sistema de filtragem e empilhamento a seco. Com a Cava Alegria Sul e as novas tecnologias, vamos ter mais segurança e menor impacto ambiental", informou, em nota, a mineradora.
A substituição de barragens por pilhas de rejeitos não zera o risco ambiental, embora reduza a exposição, explica o consultor José Carlos Martins, da Neelix Consulting Metals&Mining. "Não é uma solução simples. Embora exista tecnologia para processamento a seco, o processo é para pequenas escalas. Para grandes escalas, ainda não existe uma tecnologia provada", disse Martins.
Outra questão importante, apontada por Martins, é que não há como eliminar o rejeito. Há substituição de barragem por pilhas. Sem barragem, vai ter de transportar o rejeito por caminhão, o que aumenta bastante o custo. No entanto, o rejeito vai continuar existindo e vai ser empilhado em outro lugar.
"E não pode ser muito distante da mina porque senão o custo fica proibitivo. Então, o processamento a seco elimina a barragem mas não elimina o rejeito. Vejo isso como trocar seis por meia dúzia."
Usando a técnica de empilhamento a seco, a Vale estima que deve alcançar em 2022 a produção que havia planejado para este ano. Em paralelo ao desenvolvimento de novas tecnologias, as empresas do setor de mineração preparam também uma guinada na condução de seus procedimentos.
Tradicionalmente fechadas, as empresas tentam se adaptar a novas formas de comunicação e transparência. Estão cientes de que depende desse trabalho o resgate da confiança para uma atividade que já carregava o estigma de degradação do meio ambiente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.