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Kumon: uma empresa do Japão, um negócio da China

Um método de educação autodidata criado por um professor japonês em 1958 tem mais franquias do que marcas como Correios e CVC Brasil

 (Kumon/Divulgação)

(Kumon/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 19 de agosto de 2017 às 07h14.

Última atualização em 19 de agosto de 2017 às 15h13.

Em janeiro, a Associação Brasileira de Franchising (ABF) divulgou a lista das maiores empresas do setor em unidades distribuídas pelo país. No topo de lista, O Boticário, com mais de 3.700 lojas. Entre das dez primeiras, marcas consagradas, como McDonald’s, Lubrax, Colchões Ortobom, Subway e Cacau Show. Eis que, em nono lugar geral e primeiro na categoria Serviços Educacionais, o Kumon aparecia como um corpo levemente estranho entre seus pares mais famosos, com 1.375 unidades franqueadas no país.

Entre as empresas da mesma área, dois degraus abaixo, a Wizard Idiomas, que pertence a um grupo multinacional. Só depois do vigésimo lugar apareceram as escolas de idiomas Fisk e CCAA. O que explica que um método de educação autodidata criado por um professor japonês em 1958 tenha no Brasil, um país com sérios problemas na formação de base, um número de franquias maior do que marcas como Correios e CVC Brasil?

“O segredo está no método que franqueamos e na cultura que ele desenvolve. A gente trabalha por uma causa, que é contribuir com a sociedade”, conta Julio Segala, diretor de Marketing e de Expansão do Kumon. “O método não tem como objetivo ensinar matemática, português, japonês e inglês, mas desenvolver nos alunos o autodidatismo por meio do estudo dessas disciplinas, desenvolver pessoas com capacidades elevadas que vão, assim, contribuir para uma sociedade melhor”, completa.

O chamado método nasceu na década de 1950 no Japão, pelas mãos do professor Toru Kumon. A ideia era criar exercícios para que o aluno desenvolvesse a capacidade de aprender de forma autônoma, com a mínima intervenção de um orientador. A ambição era desenvolver no aluno autodidatismo, concentração, capacidade de leitura, raciocínio lógico, independência, responsabilidade e autoconfiança. Começou com a matemática, evoluiu para a língua pátria e hoje inclui também o inglês em suas fileiras.

Franquias que visam antes de tudo colaborar para uma sociedade melhor podem soar utópicas para alguns, mas, neste caso, são princípios consolidados também como modelo de negócio. A maneira, digamos, afetiva de ser da empresa está na gênese do desenvolvimento de franquias no Brasil. A primeira sede brasileira, em Londrina, no Paraná, completa quarenta anos em 2017 e continua ativa. Nasceu de um desejo pessoal do professor Kumon, cujo método já havia chegado aos Estados Unidos em função da demanda dos filhos de executivos japoneses que foram trabalhar no país nos anos 1960.

Kumon queria retribuir ao Brasil o carinho que o país teve na acolhida da grande colônia nipônica. Nasceu na sala de uma casa a primeira sede da nova empresa. “Nós trabalhamos com esquema home-based até 2003, quando decidimos que as unidades estavam crescendo muito e era preciso pelo menos uma sala comercial”, conta Segala. O ensino na própria casa é um dos maiores símbolos do envolvimento do franqueado, que também é orientador, com a marca. Em 2011, eles passaram a integrar ao sistema lojas de rua, que adotaram um padrão visual, externo e interno, e que hoje respondem por metade das sedes.

No início, o público eram os japoneses e seus descendentes, uma vez que o material vinha todo na língua do professor Kumon. “Quando brasileiros que não eram descendentes começaram a se interessar ecomeçou a expansão, o desafio era fazer com que a sociedade entendesse o método, que era muito diferente do nosso conceito de educação”, conta Segala. “A gente pensa numa sala de aula com muitos alunos e um professor explicando o conteúdo, e no Kumon quem explica é o material didático. O orientador, nosso franqueado, ajuda o aluno a aprender sozinho a partir do material didático”, resume.

Bons valores que rendem bons valores

Um imponente prédio na Vila Mariana, na zona sul paulistana, é a sede da empresa japonesa na América do Sul. Ela não tem unidades próprias, apenas filiais divididas geograficamente que acompanham de perto o trabalho das franquias e prospectam novas sedes. Nelas trabalham oitenta pesquisadores de campo, profissionais encarregados por dar suporte ao trabalho dos franqueadores e pela expansão da marca. Da Vila Mariana também são geridas as operações na Colômbia, no Chile, na Argentina e no Peru.

A entrada no continente também teve o DNA da empresa. O primeiro país depois do Brasil a ganhar uma sede do Kumon foi a Colômbia, por insistência de um indivíduo, que virou o primeiro franqueador no país. Depois dele que veio um plano propriamente de expansão para os outros países. “Curiosamente, pela personificação do franqueado, se a pessoa adoece ou tem algum problema, como ele é o eixo daquele trabalho, a franquia em geral acaba”, diz Segala.

Além de sedes caseiras, outras tradições ainda se mantêm no Kumon. O lápis, o papel e a borracha continuam sendo os principais instrumentos de trabalho de um aluno da empresa. Os papéis originais com os exercícios de matemática do professor Kumon também são muito próximos dos que servem como base do ensino até hoje. O professor, por sinal, só veio uma vez ao Brasil, para a inauguração da sede em São Paulo, em 1994, um ano antes de falecer.

Além das doenças dos franqueados, alguns negócios fecham também por expectativas desalinhadas. “O franqueado às vezes tem uma expectativa muito alta naquele negócio, e espera um retorno muito maior do que ele pode dar, e em um determinado ponto acaba desistindo”, conta Segala. “Nossa preocupação maior, nesses caso, é dar àqueles alunos a oportunidade de continuar estudando.”

Aliado aos bons números gerais, o modelo de negócios do Kumon exige um investimento pequeno, se comparado a alguns dos concorrentes citados na lista da ABF. Em uma sala comercial relativamente pequena, é possível começar um negócio cujo investimento inicial está previsto entre 35.000 e 50.000 reais. Nessa estimativa já estão inclusos a taxa de franquia, o capital de giro e os gastos com a infraestrutura básica.

Os royalties giram entre 40% e 45% do valor sugerido da mensalidade, e o tempo médio de retorno do dinheiro investido está entre um ano e meio e dois anos. O valor a ser cobrado pela mensalidade aos alunos é determinado pelo franqueado, mas Julio Segala garante que ele pouco varia no fim, ficando dentro de um intervalo entre 30 e 40 reais por disciplina.

Aprendendo com a crise

“Educação no Brasil é uma grande oportunidade, porque a penetração ainda é muito pequena, e há um anseio das pessoas por isso, por entender que é o caminho que vai levá-las a uma vida melhor”, avalia Décio Pecin, diretor de Capacitação e Educação da Associação Brasileira de Franchising e presidente da rede de idiomas CNA. Ele explica que, diante da crise econômica que o país viveu nos últimos anos, o mercado encolheu, mas garante que já dá para sentir uma retomada em 2017.

Os últimos quatro trimestres de baixa, segundo ele, afetaram diretamente o setor de educação por conta de suas peculiaridades. “A partir do momento que as pessoas perdem a esperança na economia e na manutenção do emprego, elas ficam com medo, e educação é um investimento de médio a longo prazo”, completa Pecin. “Somos um curso, não uma compra momentânea, como um celular, logo a pessoa vai ficar um, dois anos pagando mensalidade. Por isso, quando há instabilidade política e economia, nós sentimos diretamente”, corrobora Segala.

A crise que atrapalha é a mesma que ajuda a entender o sucesso do mercado de franchising em geral – são oportunidades para empreender justamente em momentos de dificuldade. Isso se reflete nos números. O mercado de franquias brasileiro registrou um crescimento de 6,8% no segundo trimestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. O faturamento de abril a junho passou a 37,5 bilhões de reais.

Segundo a Pesquisa Trimestral de Desempenho do Franchising da ABF, cuja base de empresas associadas representa cerca de 54% do faturamento do setor, é clara a tendência de crescimento em 2017, e vindo de um setor que já viveu dias melhores em 2016.

Ano passado, as mais de três mil marcas em operação no país tiveram um faturamento de cerca de 151 bilhões de reais, um crescimento de mais de oito por cento em relação ao ano anterior. Em tempos de altas taxas de desemprego, o setor proporcionou em 2016 mais de um milhão e cento e noventa mil empregos diretos. Esses números fazem com que o Brasil seja o quarto maior mercado de franquias do mundo, atrás apenas de China, Coreia do Sul e Estados Unidos.

Ainda que não tão famoso quanto seus colegas dos dez primeiros lugares entre as maiores franquias do país, o Kumon se enquadra bem neste cenário por ser, desde muito cedo, uma marca com vocação global. Hoje está presente em cinquenta países e tem 4,35 milhões de alunos. Destes, 180.000 são sul-americanos, e mais de oitenta por cento deles, brasileiros.

Julio Segala, que trabalha há mais de vinte anos no Kumon, reforça que a curva de crescimento da empresa nem sempre foi constante, ainda que nunca tenha ficado estagnada. “Entre 2009 a 2013, por exemplo, crescíamos doze, quinze por cento ao ano”, ele recorda. “Nos últimos dois anos, temos crescido em média dois por cento em relação ao ano anterior”, pontua Segala.

Mas as coisas estão melhorando. Somente entre julho e agosto deste ano, a empresa abriu 21 novas franquias em nove estados brasileiros, de Rio Branco, no Acre, a Pelotas, no Rio Grande do Sul. “A meta são cem novas unidades em 2017, mais 130 em 2018, e 170 em 2019”, conta Segala. Em 2020, a ideia é que o Kumon conte com 1.650 unidades no Brasil. Com muito afeto, com alguma utopia, mas sem deixar de lado um ambicioso plano de negócios combinado aos valores essenciais.

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