EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 20 de janeiro de 2011 às 21h52.
Poucos já ouviram falar de Omid Kordestani, mas certamente já tiveram algum tipo de contato indireto com ele: o iraniano foi o décimo-segundo funcionário contratado pelo Google e é considerado o "fundador do negócio" da gigante das buscas. No final dos anos 90, Kordestani, veterano da Netscape, outra empresa emblemática do Vale do Silício, participou de uma reunião com os fundadores do Google. Foi convidado para uma entrevista, acabou passando pelo rigoroso processo de seleção da empresa e tornou-se a cabeça comercial de uma companhia que, na época, era pouco mais que uma idéia de Larry Page e Sergey Brin.
Junto com a célebre dupla, Kordestani ajudou a desenhar o modelo de negócios do Google. Hoje, a decisão parece muito óbvia e sábia - a empresa faturou nada menos que 10 bilhões de dólares no ano passado. Mas, sete anos atrás, ninguém sabia muito bem no que daria a experiência dos links patrocinados. Em meados de março, Kordestani esteve em São Paulo e concedeu uma entrevista exclusiva a EXAME, vestido casualmente e extremamente bem-humorado, apesar do susto do dia anterior - o jatinho Bombardier do Google em que viajava para o Rio teve de fazer meia volta depois de um pássaro se espatifar contra o cockpit do piloto. Ele falou sobre os primeiros momentos da empresa e das decisões-chave que foram tomadas quando o Google era apenas um embrião. Leia abaixo os principais trechos da conversa.
EXAME - Nos primeiros momentos, havia discussões sobre a idéia de misturar links patrocinados, que são anúncios, com os resultados naturais da busca, considerados "editoriais". Como essa questão foi resolvida?
Omid Kordestani - O foco, desde o início, foi no usuário. O usuário do Google precisava ter a melhor experiência possível. Deveríamos ser os mais rápidos, mais precisos e os mais confiáveis. Esses foram os princípios que nortearam a empresa desde o primeiro momento. E precisava ficar claro para o usuário que o resultado apresentado não era de modo algum afetado por questões comerciais. Teria de ficar claro que os interesses de negócios estavam separados do produto. Do ponto de vista do negócio, queríamos um modelo de negócios que fosse duradouro. Era um pouco antes do estouro da bolha da internet. Poderíamos ter conseguido mais receitas mais rápido. Mas o modelo deveria ser mensurável e deveria proporcionar aos anunciantes muito controle.
EXAME - Mas o conceito de links patrocinados surgiu em outra empresa. Vocês apenas o aperfeiçoaram. Quando o senhor entrou na empresa o modelo já tinha sido adotado?
Kordestani - Antes do Google, trabalhei na Netscape. Eu já entendia o valor da busca, e tínhamos bastante tráfego de pesquisas. A chave foi prestar atenção na experiência dos nossos usuários. Queríamos uma publicidade não-intrusiva. Houve várias oportunidades de usar os tradicionais banners, mas nos distanciamos disso. A idéia era aperfeiçoar as métricas e criar um sistema automatizado para os anunciantes. Queríamos tratar a publicidade como tratamos a informação. Se é útil para o usuário, será adotado e vai funcionar. Também queríamos algo único para o Google. Começou com o leilão, mas depois entraram outros fatores. Hoje estamos estendendo essas medidas de qualidade da publicidade em várias direções. Medimos vários sinais. Não só o número de cliques, mas, por exemplo, a qualidade da página que o usuário vai parar. Se o usuário não acha a página útil, o anúncio era "enganoso".
EXAME - A empresa teve de dividir as atenções entre o desenvolvimento do mecanismo de busca em si e o do sistema de publicidade, que no final das contas era de onde vinha o dinheiro?
Kordestani - Bem, nós temos o princípio do 70-20-10. Cada funcionário tem de dedicar 70% ao nosso negócio principal, 20% para algum projeto pessoal e 10% para idéias "malucas". Os 70% são as bucas e a publicidade, e esses esforços sempre andam juntos. Sabemos que é isso o que o usuário quer. Sabemos que, se formos relevantes para o usuário, sempre teremos um modelo de negócios viável. Os 20% restantes deram origem a produtos como o Gmail (serviço de email gratuito) e Google Maps, que de certa forma têm relação com o nosso negócio.
EXAME - No início a empresa chegou a pensar em ganhar dinheiro licenciando o sistema de busca para outros sites. Já estava claro para vocês que o negócio, na realidade, estaria nas buscas?
Kordestani - Desde o início fui o responsável pelo lado dos negócios, e nas conversas com os fundadores a idéia sempre foi: vamos tentar de tudo. Começamos vendendo nossa busca para outros sites e para grandes empresas usarem em suas redes internas. E também apostamos nos anúncios. Hoje, inclusive, temos as três linhas de receitas. Mas a publicidade é a mais importante.
EXAME - Em que momento vocês se deram conta de que a publicidade seria um negócio tão grande?
Kordestani - No final de 2000, ficou claro que o sistema funcionava e que estava pronto para crescer globalmente e com a velocidade da internet.
EXAME - E quando vocês perceberam que havia uma "cauda longa" de milhares de pequenos anunciantes sustentando o negócio?
Kordestani - Foi mais ou menos nessa mesma época. Bem no começo, ainda predominavam as grandes empresas e os grandes sites da web. Mas isso logo mudou. Me lembro que em nossas festinhas das sextas-feiras, que ainda podiam acontecer numa sala pequena, pois todos os funcionários cabiam (risos), nós líamos alguns emails de nossos clientes. E eles estavam muito satisfeitos. Algo como: "Eu vendia partituras, ou roupas, e agora vendo muito mais graças aos links patrocinados."
EXAME - E como essa constatação da cauda longa mudou a história da empresa?
Kordestani - É uma boa pergunta. Tudo era consistente com nosso negócio de busca. Nosso site era cada vez mais usado por gente comum de todo o mundo, não só por gente que entendia de tecnologia. Essa audiência era ideal para que nós exibíssemos publicidade. Aí, é claro, tivemos de criar vários canais de atendimento diferentes, e colocar os clientes certos nos canais certos. Temos uma organização de vendas de campo muito bem sucedida. Ela fala com os maiores clientes e as maiores agências. E note que muitas dessas grandes empresas só agora começam a perceber o valor desse tipo de marketing baseado em busca. Além disso, tivemos de criar um sistema sofisticado para atender os clientes pequenos. Temos muito engenheiros brilhantes de todo o mundo, nos Estados Unidos, na Irlanda, na Índia e logo teremos um também na América Latina. Essa organização tenta otimizar a experiência dos anunciantes. São muitas ferramentas automatizadas para que os anunciantes tenham melhores resultados em suas campanhas.
EXAME - Muita gente não entende o que o Google quer, afinal. São tantos produtos novos lançados que a empresa parece confusa. Tenho a teoria de que é tudo uma questão de criar mais espaços em branco para publicar mais anúncios...
Kordestani - Hmm... Não é. (risos). Pelo contrário, sempre pensamos antes de tudo nos usuários. Queremos criar inovações. E, se você olhar para vários de nossos serviços, vai ver que eles não geram receitas. O Orkut, por exemplo, é um dos nossos sites com maior tráfego, mas só agora começamos a experimentar os links patrocinados. Outro exemplo é o Gmail. Quando começamos o produto, a idéia era aplicar o conceito das buscas ao e-mail. Em vez de pastas, você poderia simplesmente procurar suas mensagens. E também criamos uma caixa postal enorme. E tudo isso começou de graça, sem anúncios. O foco sempre foi no usuário.
EXAME - Os fundadores são acadêmicos. Eles estavam preocupados em construir um negócio desde o início?
Kordestani - Uma das coisas legais de Larry e Sergey é que ambos, além de grandes tecnológos, entendiam desde o primeiro dia a importância do negócio. Sabiam que sem um modelo sustentável seu sonho não seria viável. Eles sempre foram muito envolvidos no processo de decisões de negócio.
EXAME - Por que você saiu da Netscape para trabalhar no Google?
Kordestani - Trabalhava na Netscape havia cinco anos. Depois que a empresa foi comprada pela AOL, eu estava procurando parceiros para a busca e encontrei o Google. E esse encontro com a dupla foi decisivo. Isso fez a diferença. Reconheci dois visionários ali, e foi isso que me fez decidir.
EXAME - No Google, como na Netscape, você tem a Microsoft como concorrente. Mas não só isso. Há diversas outras empresas olhando para a busca e procurando novas soluções. Vocês são paranóicos?
Kordestani - Sim e não. Muitas empresas caíram pelo caminho porque se preocuparam demais com fatores externos. Continuamos pensando no cliente, o tempo todo. Mas é claro que temos uma mentalidade paranóica, de uma maneira positiva. Sabemos que temos muito para melhorar. O Google Video é um exemplo. O serviço é bom, tinha muito sucesso. Mas havia o YouTube. Então decidimos nos juntar à empresa. Quanto à Microsoft, é certo que o poder de monopólio que ela tem nos PCs não se repete na internet. Essa é a beleza da web. Não temos mais tanta dependência dos sistemas operacionais. Acredito que o desenvolvimento desse mercado apresenta muitas chances para crescimento para várias empresas diferentes.
EXAME - E quando o Google vai conseguir diversificar suas receitas com outras mídias além da web?
Kordestani - O mercado mundial de publicidade é de mais de 400 bilhões de dólares. Quanto mais esse mercado se digitalizar, os princípios da publicidade na web (medições e controle) vão ser cada vez mais importantes e serão usados em todos os tipos de mídia. Mas não acho que haja nada errado em estar tão focado em publicidade. Acho difícil surgir algo novo de tanto impacto e que tenha escala tão rápida como a nossa empresa. Além de tudo, somos diversificados, temos muitos anunciantes dentro da cauda longa.
EXAME - Para finalizar: qual foi a melhor decisão que você tomou no Google?
Kordestani - A melhor decisão foi entrar na empresa (risos). E contratar as pessoas certas.