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Um guia para democratizar as concessões no Brasil

O Brasil precisa de mais concessões. Mas o excesso de amarras e de burocracias trava sua popularização

Anchieta-Imigrantes: Brasil tem 211 mil km de rodovias, menos da metade é pavimentada e apenas 19 mil quilômetros foram concedidos (Divulgação/Divulgação)

Anchieta-Imigrantes: Brasil tem 211 mil km de rodovias, menos da metade é pavimentada e apenas 19 mil quilômetros foram concedidos (Divulgação/Divulgação)

Janaína Ribeiro

Janaína Ribeiro

Publicado em 24 de janeiro de 2019 às 16h57.

Última atualização em 24 de janeiro de 2019 às 21h32.

Analisando a evolução das concessões no Brasil, algumas questões que nos chamam atenção são:

• Por que a absoluta maioria das concessões licitadas foi de grandes empreendimentos, que requereram grande volume de capital e estruturas complexas de financiamento?

• O que impede licitar empreendimentos voltados a pequenas e medias empresas. Seriam estes tipos de empresas não adequados para assumir o que antes seria executado pelos governos?

• Porque aplicando as regras e padrões vigentes nas licitações, pequenos empreendimentos em geral não se viabilizam?

Para tentar responder estas questões basearemos nos trabalhos que iniciamos quando prestávamos serviços na STN-Secretaria do Tesouro Nacional em 2.008, em algumas publicações recentes do BNDES e outros trabalhos de terceiros.

Constata-se que são três as razões que criam essa limitação:

• O rigor das normativas dos órgãos de controle e regulação;
• Os padrões de exigência da construção e operação ser os mais sofisticados do mundo;
• Os valores e conceitos que entendidos como uma “boa gestão” do serviço público, aplicado de forma indistinta e irreal.

Alguns exemplos:

As agências reguladoras, os órgãos de controle e os institutos ambientais estabelecem padrões e rigores extremos para uma licitação, que são muito custosos e morosos para serem suportados por pequenos empreendimentos, por exemplo;

Um estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA), a obtenção da licença de instalação (LI) e ainda a licença de operação (LO) e a assistência técnica, o básico para um projeto qualquer, são exigências muito sofisticadas para serem atendidas, demandam o auxilio de custosos técnicos especificamente habilitados que absorverão mais de R$ 750.000,00 e cerca de 1 ano de prazo do projeto.

Como poderá amortizar este custo um projeto de uma PCH – Pequena Central Hidroelétrica de 3 MW cujo investimento total está estimado em R$15 milhões? Só o atraso da geração de fluxo de caixa pode aumentar em 15% o valor do investimento, isto sem considerar as adequações que serão exigidas pelo instituto ambiental.

Mais ainda, esta PCH é a “fio d’água”, não lhes sendo permitido construir um pequeno reservatório para fugir do risco hidrológico e garantir o fornecimento contínuo de energia. Não há empreendedor privado capaz de assumir este risco, não há solução financeira para um fluxo de caixa sazonal não garantido, portanto, não há como viabilizar este empreendimento, embora em muitos casos, seriam viáveis.

Os estudos ambientais e as licenças ambientais deveriam ser feitos pelo órgão licitante, e não usando os parâmetros de países desenvolvidos. Observa-se que, no passado, eles passaram pela fase de subdesenvolvidos e o caminho para ser rico e desenvolvido é gradativo e sacrifícios no início são inevitáveis, assim, não é lúcido copiar uma legislação da Suíça para aplicar no Brasil e esperar que seja cumprida integralmente.

Hoje temos consciência de que armazenar água é vital, pequenas barragens e lagos são do interesse do município e não são considerados crimes ecológicos como foram considerados no passado. O município e o estado deveriam participar e ratear este investimento com a PCH.

Outra situação que vemos com frequência está na área rodoviária. Estudo recente do BNDES, publicado no jornal O Estado de São Paulo de 28/12/18 sugere a flexibilização do modelo de concessão rodoviária, com a criação de uma Câmera de Compensação de tarifas de pedágio de grandes trafego com os de pequenos.

O Brasil tem 211 mil km de rodovias, menos da metade é pavimentada e apenas 19 mil quilômetros foram concedidos. Com os padrões de exigência atual só trechos com grande volume de tráfego são capazes de suportar uma licitação, mas o problema é que estes não mais existem.

A recomendação do BNDES de criar uma Câmera de Compensação é muito complexa e mais concentradora do setor. Aliás, esta solução foi testada no setor elétrico — compensar tarifa de energia velha com a de energia das novas plantas — e não funcionou.

Pesquisa da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) apurou que os usuários gostariam que 90% da tarifa do pedágio fosse para a construção e preservação do pavimento, entendendo que isto é o essencial.

A solução está dada: flexibilizar as exigências, especialmente de complementos acessórios e focar no essencial para aumentar o número de rodovias pavimentadas.

A mesma perversidade está ocorrendo nas PPPs (Parcerias Público-privadas) de iluminação pública dos municípios. Pelas mesmas razões acima foi criado um dogma, “cidade pequena com menos de 12 mil pontos de luz não é viável para PPP”, condenando inúmeras cidades, não tão pequenas, a jamais terem iluminação de LED com custos reduzidos de energia para a municipalidade.

O que temos na origem destes problemas similares é a mesma lógica e conhecida postura “ciosa” da administração pública e de legisladores, que redigem as regras e padrões, copiando os de países altamente desenvolvidos, mesmo que não haja a mínima possibilidade de aplicabilidade e seu custo seja abusivo para a nossa realidade.

O discurso é “ Eu fiz a minha parte”, como por exemplo:

O BNDES, admitindo que não possui uma grande estrutura, capilaridade comercial e flexibilidade nas suas normas internas para atender pequenos tomadores de crédito, faz repasses ao sistema financeiro privado para que esse “faça o seu papel”, empreste a estes pequenos tomadores credito.

Ora, é evidente que isto não ocorre como deveria ser e o mercado conhece essa realidade. Por outro lado, os bancos privados são orientados pelos princípios máximos de eficiência, seus executivos são regiamente bonificados para atingirem metas de lucro e seus acionistas perscrutam todos os pontos, vigilantes e rigorosos, ou seja, não emprestam a quem possa oferecer pequenos riscos. Seus padrões e normas nem sempre são escritos mas, via de regra, são mais duros e rigorosos que os do BNDES.

Concluindo, o Estado e seus servidores têm que ter consciência de que “qualidade não é o melhor que podemos fazer, mas sim o que o cidadão deseja, dentro de um padrão mínimo pelo qual esteja preparado para pagar” (adaptação da definição clássica de qualidade). As atividades de legislar e controlar exigem muita consciência, estudos profundos, pragmatismo, senso de justiça e acima de tudo, coragem para desagradar alguns privilegiados.

Como se diz na sabedoria popular, não adianta fazer mais “leis que não vão pegar”.

Oscar Malvessi é doutor e professor de finanças corporativas na FGV EAESP. Consultor especializado em estratégia financeira e Criação de Valor. Coordenador do curso de F&A e Valuation do PEC FGV.

Claudio Augusto Bonomi é consultor especialista em Project Finance do Banco Mundial e professor convidado da FGV-SP.

Eduardo Michelucci é consultor especialista em transportes pelo Banco Mundial.

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