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Cerveja de Sucrilhos? Empresas fazem bebida com cereal descartado

Iniciativas surgiram depois que Agência de Proteção Ambiental dos EUA pediu aos fabricantes de comida que encontrassem novos fins para reaproveitar sobras

CERVEJARIA SEVEN BROTHERS: empresa norte-americana criou cervejas usando como base sobras de cereais matinais da Kellogg’s / Andrew Urwin/The New York Times

CERVEJARIA SEVEN BROTHERS: empresa norte-americana criou cervejas usando como base sobras de cereais matinais da Kellogg’s / Andrew Urwin/The New York Times

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Da Redação

Publicado em 14 de julho de 2019 às 08h00.

Última atualização em 14 de julho de 2019 às 08h00.

Durante todo o tempo em que atuou na indústria cervejeira, Keith McAvoy nunca havia tido muito interesse profissional no Coco Pops (cereal matinal achocolatado).

De vez em quando, McAvoy, que dirige a cervejaria artesanal Seven Brothers em Manchester, na Inglaterra, atacava o estoque de cereais matinais sabor chocolate dos filhos e comia uma tigela ou duas – mas apenas, confessou, “quando não tinha ninguém olhando”.

Recentemente, contudo, o Coco Pops se tornou mais do que um prazer escondido para McAvoy. Nos últimos sete meses, a Seven Brothers passou a usar cereais matinais para fazer cerveja. O propósito da empreitada é mais nobre do que as inevitáveis piadas do tipo “cerveja para o café da manhã” podem sugerir: trata-se de enfrentar – mesmo que em pequena escala – o problema global do desperdício de comida e as consequências deste sobre a mudança climática.

No ano passado, a Seven Brothers fez uma parceria com a fabricante americana de cereais Kellogg’s para criar a Throw Away IPA, uma cerveja suave e aveludada feita com flocos de milho que não passam no teste de qualidade da unidade de produção de Manchester. Em junho, a cervejaria lançou outras duas, feitas a partir de cereais Kellogg’s: uma pale ale de Rice Krispies, cereal de flocos de arroz, e uma stout escura cujo sabor de chocolate vem do Coco Pops.

Antigamente, a fábrica da Kellogg’s enviava mais de 4.500 toneladas de flocos desperdiçados por ano para as fazendas locais, onde o cereal era usado para alimentar o gado, segundo Kate Prince, gerente de responsabilidade social da empresa no Reino Unido. Hoje em dia, uma pequena parte daquele cereal vai para a Seven Brothers. A Kellogg’s também começou a conversar com uma padaria local sobre a possibilidade de lhe enviar sobras de alimentos.

“Como vamos encontrar um destino para esses flocos perfeitamente comestíveis cujo único defeito foi terem passado um pouco do ponto ou serem minimamente menores ou maiores do que o recomendado? Os flocos de milho podem ser usados para todos os tipos de coisas, como empanar frangos ou servir de base para um cheesecake”, argumentou Prince.

No mundo todo, um terço da comida produzida para o consumo humano é perdida ou jogada fora anualmente, de acordo com a Organização das Nações Unidas. Grande parte desse volume acaba em aterros sanitários, onde libera gás metano na atmosfera durante o processo de decomposição. No total, os restos de comida são responsáveis por 8% das emissões de gases do efeito estufa.

A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos pediu aos fabricantes de comida que encontrem maneiras de dar um novo fim ao que seria jogado fora para que as pessoas possam consumi-lo. “Se ainda for seguro comer um alimento, as pessoas devem ter acesso a ele”, declarou Emily Broad Leib, que dirige o Laboratório de Leis e Políticas Alimentares na Universidade de Harvard.

Na Seven Brothers, o processo de converter cereais em cerveja basicamente se resume a proporções, ou seja, quanto cereal deve ser adicionado à mistura de grãos que é combinada à água quente nos estágios iniciais do processo de fermentação. Depois disso, McAvoy esclareceu, “o processo é praticamente o mesmo utilizado para fabricar qualquer cerveja”.

E o sabor? É bom mesmo? No Dockyard, uma rede de bares de Manchester que vende as cervejas feitas de cereal, a Throw Away IPA foi um sucesso entre os consumidores. “Sempre precisamos comprar mais. Constantemente nos perguntam se temos no estoque ou onde mais eles poderiam encontrá-la”, contou Tommy Rowland, gerente de uma das filiais.

A Seven Brothers não foi a primeira cervejaria transformar restos de comida em cerveja. Essa abordagem focada na conservação, conhecida como upcycling, ou reutilização, tem origem na antiga Mesopotâmia, onde alguns dos primeiros cervejeiros do mundo usavam pão em migalhas para fazer a bebida.

A Toast Ale, que se especializou em transformar pão reciclado em cerveja artesanal, começou a operar na Inglaterra em 2016 e, um ano depois, abriu uma unidade em Nova York. “É o velho voltando para dar vida ao novo. A ideia de pegar algo já assado e que iria para o lixo volta às raízes da cerveja e de sua receita original”, relatou Janet Viader, supervisora do departamento de vendas e operações da Toast Ale em Nova York.

Os mesopotâmios não tinham acesso a Coco Pops e, definitivamente, a transformação de um cereal açucarado em cerveja artesanal é um fenômeno moderno. Desde 2013, a cervejaria Black Bottle, do Colorado, faz cervejas com Cinnamon Toast Crunch, cereal de canela, Lucky Charms, cereal de aveia e pedaços de marshmallow, e Peanut Butter Cap’n Crunch, cereal com flocos de milho, aveia e manteiga de amendoim. Nenhuma delas, entretanto, continha restos de alimentos.

O bar e cervejaria Prison City, em Auburn, Nova York, criou uma cerveja à base de cereais que “tem exatamente o mesmo sabor do restinho de leite que sobra no fundo depois que se come uma tigela inteira de Cocoa Puffs (cereais com sabor de chocolate em formato de bolinhas)”, como descreveu a revista “Bon Appétit”.

A Kellogg’s promoveu a parceria com a Seven Brothers como uma iniciativa-chave dentro de uma campanha de sustentabilidade mais ampla que levou à redução de 12,5% do desperdício de comida nas fábricas da empresa no Reino Unido no ano passado. Elizabeth Balkan, diretora de desperdício de alimentos no Conselho de Defesa de Recursos Naturais, afirmou que a Kellogg’s merece ser reconhecida pelo esforço em acabar com os desperdícios no processo de produção.

“Embora não resolva o problema, é incrivelmente importante, tanto por razões ambientais quanto financeiras, que as empresas produtoras de alimentos façam uso de todo o seu potencial de produção”, ponderou Balkan.

Mesmo assim, os grupos que combatem o desperdício argumentam que as gigantes alimentícias poderiam fazer mais. Em países desenvolvidos, a maior parte do desperdício é causada por consumidores que jogam comida fora, e não pela ineficiência na cadeia de produção como a que a Kellogg’s tenta erradicar em Manchester.

Nos Estados Unidos, esses grupos, há muito tempo, pedem que as empresas produtoras parem de rotular os alimentos com datas de validade, que não são regulamentadas pelas diretrizes de segurança federal e normalmente incentivam as pessoas a jogar fora alimentos ainda próprios para consumo.

Em 2017, dois grandes grupos da indústria de alimentos, a Grocery Manufacturers Association, que representa a Kellogg’s, e a Food Marketing Institute, adotaram a padronização da linguagem usada ao determinar o vencimento para dissipar a confusão.

Segundo Balkan, as novas políticas, que exigem que as empresas usem apenas as expressões “melhor consumir até” e “consumir até”, não são suficientes para resolver de forma significativa o problema global de desperdício de comida. “Precisamos ver esforços mais sinceros e abrangentes”, disse ela, incluindo campanhas de conscientização popular para educar os consumidores sobre o desperdício.

Prince, a gerente de responsabilidade social da Kellogg’s, disse que a empresa tem trabalhado com a Wrap, um grupo de combate ao desperdício na Grã-Bretanha, para educar os consumidores sobre o tamanho das porções e a segurança alimentar. Ela também observou que as embalagens de cereais da empresa normalmente aconselham os consumidores a comer os produtos dentro do prazo de um ano. “É muito, muito improvável que uma caixa de cereais fique no armário por 12 meses e tenha de ser jogada fora”, opinou.

McAvoy garantiu ter instituído algumas estratégias para eliminar o desperdício dentro do ciclo produtivo da Seven Brothers. Anos antes de estabelecer a parceria com a Kellogg’s, a cervejaria já fornecia a fazendeiros locais os grãos que sobravam ao fim do processo de fabricação de cerveja.

McAvoy produz cerveja muito antes que o termo “upcycling” (reutilização) virasse moda. Quando criança, ele e os seis irmãos ajudavam o pai com uma operação de fabricação de cerveja no porão da casa da família em Manchester. Hoje em dia, os filhos, com idades entre 30 e 50 anos, gerenciam a Seven Brothers (em português, Sete Irmãos) juntos, embora alguns se envolvam mais do que outros na produção cervejeira cotidiana.

“À medida que envelhecemos”, McAvoy contou, “alguns de nós ficaram um pouco mais interessados em apenas beber a cerveja do que em produzi-la.”

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