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Taurus enviou armas a filho de traficante iemenita, diz ONU

Iemenita é filho de Fares Mohammed Mana'a, listado como um dos maiores traficantes internacionais de armas

Armas vendidas pela Taurus a Fares e Adeeb Mana'a, de acordo com as conclusões do Painel, não são de uso militar (Ethan Miller/Getty Images/Getty Images)

Armas vendidas pela Taurus a Fares e Adeeb Mana'a, de acordo com as conclusões do Painel, não são de uso militar (Ethan Miller/Getty Images/Getty Images)

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Reuters

Publicado em 23 de fevereiro de 2017 às 12h01.

Brasília - Um relatório do Painel da ONU sobre Iêmen e Somália aponta que a fabricante brasileira de armas Forjas Taurus negociou e enviou em 2015 um carregamento de 8 mil armas a um filho do iemenita Fares Mohammed Mana'a, listado como um dos maiores traficantes internacionais de armas, três meses após a organização colocar o Iêmen sob embargo.

O documento da Organização das Nações Unidas, que cita e aprofunda informações reveladas pela Reuters em setembro do ano passado, afirma que um dos indícios encontrados mostra que a empresa usada como operadora da venda, a Itkhan Trade Company, tem como CEO Adeeb Mana'a, filho de Fares Mana'a.

As conclusões do painel, depois de seis meses de investigações, seguem a linha do processo aberto pelo Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul contra dois ex-executivos da Taurus, Eduardo Pezzuol e Leonardo Sperry, apontados como os responsáveis pela venda ilegal de armas ao traficante Fares Mana'a.

A venda, que tinha como destino o traficante iemenita, foi feita ao Djibouti como forma de contornar as restrições de segurança em torno de Mana'a e do Iêmen, segundo a ONU.

Em mensagens de email obtidas na investigação brasileira sobre as negociações entre a Taurus e a Itkhan, Adeeb é citado pelos ex-funcionários como o seu contato na venda, mas mostram que a empresa também tinha relação direta com Fares.

"O Painel considera que o modus operandi da transferência de armas foi designado para contornar os controles regulares de aduanas e de segurança", informa o relatório.

O Painel da ONU informa, ainda, que as licenças finais de exportação foram emitidas para a Taurus em fevereiro de 2015 --antes, portanto, do Iêmen entrar na lista de países sob sanção, em abril-- mas o carregamento só saiu do Porto de Santos, em São Paulo, em julho do mesmo ano.

"Se a Forjas Taurus tivesse tido os devidos cuidados teria identificado aspectos da compra dessas armas que eram suspeitos em relação ao embargo de armas ao Iêmen e poderia ter parado o embarque das armas", afirma o relatório, divulgado no dia 17 de fevereiro.

Em nota enviada à Reuters, a empresa afirma que "não participou de qualquer tentativa de contornar controles de segurança" e que a transação foi totalmente documentada e seguiu todos os protocolos exigidos pelas legislações brasileiras e internacionais.

"Não havia qualquer restrição em relação a vendas para esse país. Portanto, se houve alguma tentativa de contornar controles de segurança, isto foi feito à revelia da Taurus e das autoridades brasileiras", disse a empresa em resposta a questionamentos enviados pela Reuters.

Assim como em outra negociação de 8 mil armas em 2013, investigada no Brasil, a nova venda de armas era endereçada ao Ministério da Defesa do Djibouti, pequeno país do nordeste da África, onde, exatamente do outro lado do estreito de Bab al-Mandad, está o Iêmen.

O Painel da ONU identificou diversos sinais de que Djibouti era, como classificou o Ministério Público brasileiro, apenas um "entreposto fictício" para a venda de armas a Mana'a e sua subsequente distribuição no Iêmen e na Somália, que também está sob embargo.

Entre as inconsistências levantadas pelo Painel da ONU está o fato de a Taurus ter obtido um certificado de compra de armas do Chefe do Comando Militar do Djibouti para 80 mil pistolas. O país possui apenas 16 mil militares na ativa e 9,5 mil reservistas na suas forças de segurança.

"Esse é um número incomumente alto de armas para uma Força deste tamanho", diz o relatório.

O certificado de exportação foi emitido em nome da empresa Matrix, comandada por Abddurabuhguhqd Sale Abdo, segundo o relatório da ONU. No entanto, este é o único momento que a Matrix e seu presidente são citados em todos os documentos de venda, seja de embarque, financeiro ou legal. Todos os documentos relevantes estão em nome da Itkhan Trade e de seu CEO, Adeeb Mana'a.

O relatório aponta ainda que o endereço da Itkhan no Djibouti não existe no país e todos os dados da empresa -- telefones e emails, por exemplo, são do Iêmen.

O modo de operação da venda detectada pelo Painel da ONU repete o que foi feito na primeira venda de 8 mil armas, investigada no Brasil pela Polícia Federal e que levou à abertura de processo por tráfico internacional de armas contra os ex-executivos da Taurus --a empresa em si não foi denunciada pelo Ministério Público.

A venda de que trata o painel da ONU seria ainda um segundo carregamento, de 8 mil armas. Pelo menos um terceiro estava sendo negociado em 2015 --já com o Iêmen sob embargo-- quando o esquema foi descoberto pela Polícia Federal e a venda, interrompida.

Com a colaboração das autoridades brasileiras, o Painel da ONU teve acesso a certificados de exportação emitidos para a Taurus para venda ao Ministério da Defesa do Djibouti, tendo como intermediários a empresa ItKhan e seu representante, Adeeb Mana'a.

Questionado sobre o tipo de informação e checagem de segurança que o governo brasileiro faz antes de emitir os certificados, o Ministério da Defesa --responsável pelas licenças-- não respondeu até a publicação desta reportagem.

O painel também detalhou pagamentos feitos à Taurus pela Itkhan entre os dias 18 de novembro e 3 de dezembro de 2013 por meio de uma conta bancária em Nova York. Foram três transferências totalizando 543.860 dólares --cerca de 1,7 milhão de reais em valores atuais.

Também estão registradas três faturas emitidas pela Taurus em 23 de dezembro de 2013 para o Ministério da Defesa do Djibouti, em um total de 806.896,85 dólares --cerca de 2,5 milhões de reais em valores atuais.

A empresa justifica que obteve as autorizações necessárias e seguiu os protocolos exigidos, e alega que "não tinha elementos que a permitissem suspeitar dos compradores" e suspendeu imediatamente as negociações ao saber das suspeitas sobre a Itkan e a família Mana'a.

"A companhia, portanto, não pode ser responsabilizada por intenções que ela desconhecia absolutamente", disse a empresa em nota enviada à Reuters.

A Taurus disse ainda desconhecer as razões da Itkhan ter feito a intermediação da venda de armas ao governo do Djibouti, mas que essa é a razão da empresa e seus controladores constarem dos registros da Taurus, e que prestou esclarecimentos sobre isso às autoridades brasileiras.

A venda de que trata especificamente o Painel da ONU não chegou ao destino final. Desconfiado de que as armas não eram realmente destinadas ao Djibouti, o governo da Arábia Saudita apreendeu o carregamento em novembro de 2015, quando a carga passava pelo país.

As armas vendidas pela Taurus a Fares e Adeeb Mana'a, de acordo com as conclusões do Painel, não são de uso militar.

O Painel da ONU conclui, portanto, que a intenção não era que fossem usadas na guerra civil do Iêmen pelos rebeldes houthis, aliados do ex-presidente Ali Abdullah Saleh e de quem Fares Mana'a é extremamente próximo, tendo sido um de seus governadores, por não serem armas de combate. A intenção, aponta, seria vender as armas no mercado negro da região.

"O envolvimento de Fares Mohammed Hassan Mana'a e sua conhecida relação com os houthis torna possível que os aspectos financeiros da transação tenham sido feitos em benefício de indivíduos listados pelas Nações Unidas", diz o relatório, indicando que as investigações continuarão.

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