Negócios

Tarifaço: indústria gaúcha especialista em carros 'tunados' manda estoque inteiro para os EUA

Com fábrica no RS e exportações para mais de 100 países, a FuelTech viu seu principal mercado, os EUA, ficar ameaçado com a tarifa de Trump

Leonardo Fontolan, CEO Brasil da Fueltech: “Com 10%, conseguimos absorver. Mas com 50%, teríamos que repassar — e isso é malvisto no mercado” (Fueltech/Divulgação)

Leonardo Fontolan, CEO Brasil da Fueltech: “Com 10%, conseguimos absorver. Mas com 50%, teríamos que repassar — e isso é malvisto no mercado” (Fueltech/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 5 de agosto de 2025 às 15h04.

Última atualização em 6 de agosto de 2025 às 12h04.

Assim que Donald Trump anunciou, em junho, a intenção de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos importados do Brasil, a FuelTech decidiu agir.

Em questão de dias, a empresa gaúcha de tecnologia automotiva para carros de alta performance (como de corridas e de entusiastas do setor automobilístico) reestruturou turnos, converteu interfaces, trabalhou fins de semana e esvaziou o estoque da fábrica em Porto Alegre, despachando tudo para os Estados Unidos — seu maior mercado global.

Não foi  a primeira vez. No primeiro semestre, quando o mesmo Trump elevou a tarifa de importação de produtos brasileiros de 2% para 10%, a FuelTech já havia feito um movimento semelhante, enviando cinco meses de estoque ao exterior. Agora, diante da nova ameaça, o plano foi reativado — só que com mais urgência.

“Quando começou a dar as tratativas do tarifaço, 40% em cima dos 10%, mudamos a operação: pegamos produtos que estavam prontos para América Latina e Brasil, convertemos idioma, produzimos mais, trabalhamos no fim de semana”, afirma Leonardo Fontolan, CEO da empresa. “Fizemos envio aéreo. Hoje, estamos abastecidos nos Estados Unidos para cumprir o plano de vendas até o final do ano.”

A movimentação não é exagero: os EUA são hoje o principal destino dos produtos da FuelTech. Cerca de 33% do faturamento da unidade brasileira vai diretamente para a subsidiária americana, localizada na Geórgia. Mas o peso é ainda maior.

“Se a gente tirar a movimentação intercompany, o que fica no Brasil é menor. O mercado americano representa mais da metade da nossa receita global”, diz Fontolan.

Nos Estados Unidos, é (bem) mais comum que entusiastas do setor automobilístico "turbinem" seus veículos depois de comprarem o carro. É aí que entra a Fueltech. A empresa desenvolve e vende equipamentos que ajudam a controlar, monitorar e otimizar o funcionamento de carros — especialmente os de alta performance, como carros de corrida, arrancada, drift e projetos customizados.

"Além do fato do mercado de veículos ser muito maior lá, culturalmente os norte-americanos mexem muito mais em seus carros depois de comprá-los", diz o CEO. "O fato das peças custarem menos lá ajuda. Como o poder de compra é muito maior, é mais fácil que as pessoas tenham carros preparados".

História e crescimento da FuelTech

Fundada em 2003, em Porto Alegre, a FuelTech nasceu do trabalho de conclusão de curso de Anderson Dick, que criou um módulo eletrônico para controle de motores de alta performance. Em 2009, Leonardo Fontolan entrou como sócio e ajudou a profissionalizar a gestão e expandir as vendas internacionais.

Hoje, a empresa conta com mais de 200 funcionários no Brasil, sendo mais de 50 engenheiros dedicados a pesquisa e desenvolvimento. Toda a área industrial permanece na capital gaúcha.

Os Estados Unidos receberam a primeira unidade internacional da empresa, criada como centro de distribuição e suporte técnico. A operação americana tem cerca de 40 funcionários, mas não realiza produção.

Além dos EUA, a FuelTech também conta com uma unidade na Europa, usada para nacionalizar os produtos vendidos no continente. E mantém exportações diretas para mais de 100 países.

O impacto da tarifa americana

A decisão dos Estados Unidos de sobretaxar produtos brasileiros em até 50% atingiu diretamente empresas com operação internacional.

No caso da FuelTech, a medida afeta a espinha dorsal do negócio: a venda de módulos eletrônicos usados para controlar motores de carros usados em corrida, competição e veículos preparados.

Fontolan explica que, até pouco tempo atrás, os produtos da empresa pagavam apenas 2% de imposto ao entrar nos EUA. Quando Trump subiu para 10% no início do ano, a margem apertou. Agora, com os 50%, a operação se tornou inviável sem ajuste de preço.

“Com 10%, conseguimos absorver. Mas com 50%, teríamos que repassar — e isso é malvisto no mercado”, afirma.

A empresa teme não só o custo imediato, mas a imprevisibilidade das decisões. “O pior cenário é esse caos. A gente tem medo que possa aumentar mais. Parece que além de não fazer nada para ajudar, tem ainda quem só quer atrapalhar”.

Esse movimento de pressão tarifária atinge em cheio a indústria de autopeças do Rio Grande do Sul, da qual a FuelTech faz parte. Em 2024, o estado exportou 279 milhões de dólares em peças e equipamentos para transporte. E em 2025, até julho, já foram 136 milhões de dólares.

Qual é a estrtégica

Para proteger sua operação, a FuelTech montou uma força-tarefa. “Produzimos mais, trabalhamos no fim de semana, mudamos a prioridade de produtos que iriam para a América Latina e para o Brasil. O foco foi abastecer os EUA com os itens de maior valor e maior giro”, diz Fontolan.

Por se tratar de equipamentos compactos e com alto valor agregado, a empresa conseguiu realizar parte dos envios por via aérea, garantindo velocidade. “Nosso produto é pequeno e tem alto valor. Isso ajudou a operar rápido”, afirma.

O estoque atual nos EUA garante o fornecimento até o fim de 2025 — o que dá fôlego para buscar uma solução estrutural.

Com o cenário instável, a FuelTech avalia diferentes rotas para escapar da tarifa. A principal delas envolve mudar parte da produção para os Estados Unidos, usando a estrutura da subsidiária local para finalizar o produto e tentar classificá-lo como “made in USA”.

“Nossa ideia é montar a placa aqui no Brasil e finalizar lá: colocar display, software e acabamento. Se a placa for considerada insumo e não produto final, pode ser que escape da tarifa”, explica Fontolan. “Mas ainda estamos buscando essa informação com clareza.”

Outra possibilidade seria abrir uma operação na Argentina, onde a empresa já tem parceiros comerciais, ou até mesmo em países como Paraguai e Emirados Árabes. “A ideia é agregar valor fora do Brasil e mandar o produto pronto para os EUA, com outra nacionalidade”, afirma.

Apesar dos planos, a incerteza ainda domina. “Não podemos ficar na mão de decisões políticas. Preciso ter segurança para planejar. O que estamos falando hoje é que não sabemos quanto tempo vamos conseguir manter o preço atual.”

Acompanhe tudo sobre:Donald TrumpTarifasExame-sul

Mais de Negócios

Floripa é um destino global de nômades digitais — e já tem até 'concierge' para gringos

Por que essa empresa brasileira vê potencial para crescer na Flórida?

Quais são as 10 maiores empresas do Rio Grande do Sul? Veja quanto elas faturam

‘Brasil pode ganhar mais relevância global com divisão da Kraft Heinz’, diz presidente