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Sujeira, descaso, mortes: por que SuperVia é a empresa mais odiada do país

O choque entre dois trens e a dramática morte do maquinista são apenas o mais novo episódio de uma crise sem fim na operadora de trens metropolitanos do Rio

O MAQUINISTA RESGATADO SEM VIDA: 285 pessoas morreram em vias de municípios cortados pela SuperVia nos últimos 10 anos / REUTERS/Sergio Moraes

O MAQUINISTA RESGATADO SEM VIDA: 285 pessoas morreram em vias de municípios cortados pela SuperVia nos últimos 10 anos / REUTERS/Sergio Moraes

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 27 de fevereiro de 2019 às 17h57.

Última atualização em 2 de março de 2019 às 11h40.

Poderia ser uma daquelas tragédias históricas, inéditas, totalmente fora de script. Na manhã desta terça-feira, dois trens da SuperVia, a operadora de trens metropolitanos do Rio de Janeiro, se chocaram na estação São Cristóvão. Oito pessoas ficaram feridas e o maquinista, Rodrigo da Silva Ribeiro Assumpção, preso às ferragens, foi retirado sem vida após dramáticas oito horas de resgate, transmitidas ao vivo para todo o país.

Foi uma tragédia sem fim. Mas, para a SuperVia, foi apenas mais uma de uma série de crises que se acumulam dia após dia. Privatizada em 1998, a empresa foi arrematada por quatro fundos de investimento estrangeiros. Em 2010, a Odebrecht Transport assumiu a operação num contrato que vai até 2048.

A Odebrecht TransPort é uma empresa com foco em mobilidade urbana, concessões rodoviárias, logística e aeroportos do grupo de engenharia. O plano era investir para melhorar o serviço de olho numa modernização do Rio puxada por Copa e Olimpíadas. Mas deu tudo errado para a Odebrecht, engolfada pela Lava-Jato, assim como para o próprio Rio de Janeiro.

Agora, a Odebrecht tenta se livrar do negócio de qualquer jeito. Em meio a uma reorganização financeira, está desde o início do ano passado tentando se desfazer da sua participação de 49% na SuperVia. No último trimestre de 2018, chegou a um acordo para vender a fatia para o grupo japonês Mitsui, que já tem 24% da companhia de trens urbanos, num investimento iniciado em 2015. O negócio está em fase final.

A concessionária investiu para melhorar o serviço, mas boa parte das melhorias ficou pelo caminho. Dos 201 trens, 189 têm ar condicionado, segundo a empresa. O ano de 2016 foi de recorde no número de passageiros transportados, com 181 milhões, e também de recorde diário, com 735.000 em 17 de agosto. Mas o aumento do fluxo não melhorou as finanças da companhia. A receita encolheu 9% em 2017, para 752 milhões de reais. Ainda assim, a SuperVia costuma fechar o ano no azul, com lucro na casa dos 28 milhões de reais nos últimos balanços.

Os clientes não poderiam estar mais insatisfeitos. A SuperVia ficou na última colocação (170ª) do último ranking EXAME/IBRC de atendimento ao consumidor, divulgado há duas semanas. Fez 31,80 pontos de 100 possíveis. Em 2017 e em 2016 também esteve entre as piores colocadas. Entre os principais problemas apontados estão a demora na compra por bilhetes, o estado geral dos trens, com vidros quebrados, sujeira e restos de alimentos encontrados em visitas presenciais, além de portas emperradas e luzes quebradas.

O serviço de atendimento ao consumidor, segundo o IBRC, é prima pelo descaso e falta de atenção, nas tentativas presenciais. Por telefone, tempo de espera além do permitido por lei, de um minuto. “Todos os clientes citam um sentimento de insegurança. As pessoas usam o transporte da SuperVia por obrigação”, diz Alexandre Diogo, presidente do IBRC.

Mortes, mortes e mais mortes 

Mas os problemas da SuperVia vão muito além do atendimento ruim, o que já seria péssimo. Um levantamento da Agência Pública mostrou que, de 2008 a 2017 foram registrados 285 casos de homicídio culposo e 138 de lesões corporais provocado por atropelamento ferroviário nos municípios cortados pelos trens da SuperVia.

A Pública colecionou histórias de horror numa reportagem de agosto do ano passado, reproduzida por EXAME. Passageiros presos nas portas e arrastados pelos trens eram comuns. Uma resposta padrão da SuperVia, segundo a reportagem, era que as mortes eram provocadas por “suicídio”.

Em 2013 EXAME publicou uma reportagem sobre o desafio da Odebrecht, ainda na crista da onda da fase pré-Lava-Jato, de assumir uma empresa já conhecida por operar o caos. No primeiro dia do trabalho do novo presidente da companhia, um menino de 10 anos foi atropelado por um trem enquanto soltava pipa nos trilhos, perto da favela do Jacaré, na Zona Norte do Rio.

Aos poucos, a Odebrecht foi percebendo que melhorar a qualidade do serviço oferecido pela SuperVia envolvia mais do que mais investimentos. Os executivos encontraram banheiros que serviam para encontros sexuais, pontos de tráfico de drogas, buracos usados para a passagem rotineira de moradores sobre os trilhos. São 270 quilômetros de trilhos que cortam 11 municípios do Rio, por onde passa de tudo, de carros a animais. Retaliações de vândalos e traficantes são comuns, com sabotagem em locomotivas, trilhos e estações.

Quando faz muito calor, é comum passageiros abandonarem os vagões para seguir a viagem a pé, o que força a paralisação das operações. Os atrasos acabam virando quebra-quebra, que viram novos atrasos, e assim por diante.

Em nota divulgada nesta terça-feira, a SuperVia afirma que “lamenta o falecimento do maquinista Rodrigo da Silva Ribeiro Assumpção. A concessionária instaurou uma sindicância, que deve apurar as causas do acidente no prazo de 30 dias. Enquanto isso, mais de 500.000 pessoas devem seguir viagem pelos trens da SuperVia todos os dias. Por obrigação, como ressalta Alexandre Diogo, do IBRC.

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